Identificado gene que explica o aparecimento de novas espécies

A questão do aparecimento de novas espécies tem intrigado gerações de cientistas. Charles Darwin chamou-lhe “o mistério dos mistérios”. Um gene essencial para a divisão das células na mosca-do-vinagre veio ajudar a desvendar este enigma.

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Moscas-do-vinagre da espécie Drosophila melanosgaster NASA/Dominic Hart

Sabe-se que o cavalo e o burro pertencem a espécies diferentes mas podem cruzar-se e ter descendentes, a mula e o macho, que, no entanto, são estéreis. Há mais casos semelhantes no reino animal, e é através do estudo destes casos que os cientistas tentam explicar como e por que razão aparecem novas espécies. Cientistas nos Estados Unidos descobriram agora um gene responsável por barreiras à reprodução entre duas espécies de moscas-do-vinagre. Surpreendentemente, este gene pode também estar relacionado com o desenvolvimento de cancro.

“Dizemos que existem espécies novas quando existem barreiras que impedem que se cruzem entre si”, explica Nitin Phadis, primeiro autor do artigo na última edição da revista Science e investigador da Universidade de Utah, em comunicado de imprensa. “Identificar os genes e desvendar a base molecular da esterilidade ou morte dos híbridos é chave para compreender o aparecimento de novas espécies.”

Os cientistas descobriram que o gene chamado “gfzf” – cuja acção normalmente impede que células com danos no ADN se dividam – está também envolvido nas barreiras biológicas à reprodução entre duas espécies muito próximas de moscas-do-vinagre, causando a morte dos machos híbridos. Utilizadas como modelos de investigação, as moscas-do-vinagre permitem compreender processos genéticos mais latos, neste caso sobre as barreiras biológicas entre espécies distintas e o aparecimento de novas espécies.

 “A verificação do ciclo celular por genes como gfzf tem um papel importante na correcção de erros durante o ciclo celular, que, caso não sejam corrigidos, podem causar cancro. O nosso trabalho sugere que a especiação e a biologia do cancro podem fazer parte do mesmo contínuo de processos biológicos”, diz Harmit Malik, líder do projecto e investigador do Centro Fred Hutchinson de Investigação do Cancro, também em comunicado.

A mosca-do-vinagre é muito usada para estudos genéticos e desde 1910 que os cientistas tentam descobrir as causas das barreiras à reprodução entre duas espécies muito próximas de mosca-do-vinagre – as espécies irmãs Drosophila melanosgaster e Drosophila simulans que, quando cruzadas entre si, só têm filhas, que são estéreis. Os machos morrem durante a fase larvar. Outros estudos já tinham identificado dois genes envolvidos na mortalidade dos machos, mas como a sua acção não explicava totalmente o fenómeno previa-se que existisse um terceiro gene. Este estudo poderá agora desvendar este enigma com mais de um século.

Através de 55.000 cruzamentos entre moscas das duas espécies com mutações pontuais e da análise de mais de 330.000 filhas híbridas, os cientistas descobriram seis filhos machos híbridos que conseguiram sobreviver.

A análise de todo o genoma destes machos revelou que todos tinham mutações no gene gfzf. Tinha-se encontrado o gene que era o responsável pela morte dos machos. E que, quando possuía mutações que o desactivavam, permitia a sobrevivência dos machos resultantes do cruzamento entre as duas espécies de moscas.

“Não seria possível resolver este mistério com as abordagens genéticas tradicionais. Foi preciso uma abordagem totalmente nova, através da análise de todo o genoma”, conta Harmit Malik. Agora os cientistas pensam que os métodos que utilizaram poderão acelerar a descoberta da base genética do isolamento reprodutor noutros grupos animais.

Texto editado por Teresa Firmino

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