O que o tempo nos faz comprar

As empresas estão cada vez mais atentas às alterações dos consumidores para conseguirem o seu objectivo: vender os seus produtos. Adaptar a publicidade e a oferta, recorrendo a dados da meteorologia, é uma das tendências.

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Rui Soares

À medida que o tempo arrefece, e algumas áreas do país experimentam a primeira chuva gelada ou camada de neve, os hábitos de compras das pessoas tendem a mudar, por vezes sem que elas próprias o percebam. Nos grandes armazéns, os compradores pegam em jaquetas de pelúcia ou lenços de pescoço aconchegantes; na mercearia, vão buscar alimentos reconfortantes e sopas. Na concessionária automóvel, os compradores gravitam junto dos veículos com tracção às quatro rodas.

Pode parecer óbvio – a onda sazonal de gelados ou botas de inverno quentes, por exemplo. Mas o seu efeito pode ser subtil e surpreendente. Hoje em dia, muitos comerciantes acompanham as mudanças do clima ao minuto como forma de perceberem o que querem os consumidores muitas vezes antes mesmo de os próprios consumidores perceberem que o querem.

Os comerciantes há muito que concebem o lançamento e publicidade dos seus novos produtos para tirar partido dessas tendências.

Alimentos reconfortantes são um exemplo. Se der por si a comprar alimentos mais calóricos e ricos quando a temperatura desce, saiba que não é o único. Dados da Google mostram que as buscas na internet de costeletas de porco, almondegas, bolachas de chocolate, streusel de maçã, rabanadas e outras comidas reconfortantes aumentam durante o Inverno e quando ocorrem nevões.

Segundo parece, no Inverno passado a maior parte da América estava faminta de costeletas de porco. No entanto em Oregon as pessoas procuravam lasanha e no Utah, bolachas de chocolate, ao passo que na Califórnia e em grande parte da Costa Leste não arredavam pé da busca por almondegas.

Há muito que a indústria alimentar tenta captar estes desejos relacionados com o tempo através de publicidade direccionada. A Campbell Soup utiliza uma espécie de “índice de miséria” que detecta quando o tempo piora nas cidades norte-americanas, e introduz anúncios de sopas nesses mercados.

A McDonald's anunciou este mês que vai começar a usar quadros de ementa digitais que vão alterando as ofertas baseados no tempo local e na hora do dia. Quando estiver calor lá fora contem com McFlurries; quando estiver frio, contem com refeições mais reconfortantes e bebidas quentes.

As previsões do tempo podem também ajudar os supermercados a saber o que armazenar. Uma pesquisa levada a cabo pela Tesco, uma cadeia de supermercados britânica, mostrou que quando a temperatura no exterior sobe de 68 para 75 graus Fahrenheit (20ºC para 24ºC), a venda de hamburgers aumenta 42% porque as pessoas começam com os churrascos. Aumenta também a procura de salada de repolho ao mesmo tempo que cai a venda de vegetais verdes.

No comércio, o início do Inverno marca uma grande mudança. Como as roupas de Outono e Inverno são mais volumosas e mais caras do que as da Primavera e Verão, um Outono mais prolongado e mais quente, como está a acontecer na Costa Leste – pode pesar muito nos resultados. No início deste mês, a Macy's, a Gap e a Kohl's revelaram receitas trimestrais decepcionantes, em parte devido a esse tempo quente fora de estação que fez diminuir a procura de roupas de Inverno.

Há muito tempo que é reconhecida a influência que o tempo tem nas empresas energéticas, na alimentação, nas linhas aéreas e no comércio. Mas hoje, o rastreio de dados e a tecnologia previsiva permitem aos anunciantes determinar os efeitos do tempo em quase todos os produtos - incluindo iogurte, produtos para o cabelo e colchas. Os comerciantes podem também detectar e analisar minúsculas diferenças de tempo dentro de um Estado ou de um distrito, ou até por código postal.

Num exemplo, a Michaels, uma cadeia de materiais diversos, descobriu que conseguia aumentar as vendas passando os seus anúncios antes de dias de chuva, altura em que os clientes gostam de ficar em casa e fazer bricolagem. Num outro exemplo, a Pantene Pro-V Smooth teve sucesso publicitando os seus produtos para amaciar o cabelo em partes do país com elevada humidade, e os seus produtos para dar volume aos cabelos em locais mais secos.

O segredo do marketing relacionado com a meteorologia está no facto de ser relativa a forma como as pessoas experienciam o tempo, diz Jeremy Steinberg, chefe global de vendas da The Weather Company, que é dona do Weather Channel. Como lhe dirá qualquer nortenho habituado à geada, um centímetro de neve em Boston ou no Minnesota é muito diferente de um centímetro de neve em Washington ou Atlanta.

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Segundo os investigadores, uma tempestade de neve faz subir as vendas de veículos com tracção às quatro rodas Reuters/Shamil Zhumatov

Outros factores: a nebulosidade, a velocidade do vento, a humidade, como o tempo estava ontem e como vai estar amanhã, diz Steinberg. Estas tendências podem diferir consoante a localização imediata da pessoa – aquilo a que os investigadores chamam um microclima.

"Quando pensamos nisso, o tempo não é realmente absoluto – é uma mistura de condições que cria para o consumidor um estado de 'a sensação é de'," diz Steinberg.

Como estas tendências são complexas, as marcas podem ter dificuldade em saber a resposta a dar. A The Weather Company construiu uma plataforma que monitoriza o tempo e coloca anúncios em resposta a "disparadores climáticos” locais.

Um exemplo disso é a parceria entre a The Weather Company e a GlaxoSmithKline, que fabrica um medicamento para as alergias chamado Flonase. Juntas, as empresas lançaram um rastreador de alergias que mostra aos utilizadores uma vista de três dias dos níveis de pólen, mofo e qualidade do ar na sua área, anunciando também, oportunamente, o Flonase.

"As empresas já sabem há algum tempo que o tempo influência significativamente os seus negócios" diz Steinberg. "O que nós fizemos foi abrir as portas a este novo e enorme potencial e optimizá-lo de uma forma automatizada."

A The Weather Company ajudou também a publicitar esses produtos para o cabelo da Pantene, bem como apólices de seguros. Pessoas em áreas com condições atmosféricas muito severas podem ver uma mensagem para conduzirem em segurança, o que as seguradoras esperam que ajude a reduzir os acidentes e, consequentemente, a poupar-lhes dinheiro.

O tempo influencia a saúde e o estado de espírito das pessoas e as suas expectativas sobre o que desfrutarão no futuro. Sabe-se que o tempo afecta a pressão arterial, as taxas de suicídio e até a capacidade de concentração.

Um estudo conduzido por um professor da Harvard Business School observou a produtividade de um banco em Tóquio ao longo de dois anos e meio. Descobriu que os empregados conseguiriam dar resposta a pedidos de empréstimo, uma actividade que exige concentração, muito mais depressa nos dias de chuva do que nos dias com céu limpo. Os investigadores concluíram que o bom tempo causava mais "distracções cognitivas."

O efeito global era tão significativo – na ordem dos 937.500 dólares em receita perdida por ano nesse banco – que os investigadores sugeriram que as empresas talvez quisessem fixar as suas instalações em locais com um tempo pior, ou guardar o trabalho mais difícil para dias particularmente tristonhos.

Os modelos económicos padrão partem do princípio que as pessoas têm uma ideia muito razoável de quão valiosos os produtos e serviços vão ser para elas no futuro.

Mas estudos psicológicos mostram que as pessoas são, de uma maneira geral, bastante más a prever até que ponto os seus gostos futuros vão ser diferentes do que querem agora. É por isso que os compradores deviam evitar ir à mercearia com o estômago vazio pois, provavelmente, acabarão com um frigorífico cheio de comida de que não necessitam.

Um estudo de 2012 concluiu que a "análise de projecção" – a tendência para prever em excesso até que ponto os nossos gostos e preferências vão condizer com os que teremos no futuro – afectava a escolha dos carros e das casas que se compram.

Esse estudo, que analisou vendas de 40 milhões de carros e 4 milhões de casas ao longo de uma década, concluiu que a venda de descapotáveis, carros pretos, carros com tracção às quatro rodas e casas com piscina estavam todas relacionadas com o tempo corrente.

Por exemplo, as vendas de descapotáveis atingiam o seu pico em Abril e acentuavam-se cerca de 8,5% quando a temperatura era 6 graus mais elevada do que o normal para a época. Os investigadores descobriram também que os carros comprados em dias com tempo excepcional eram mais susceptíveis de ser rapidamente devolvidos, sugerindo alguma impulsividade na compra.

Segundo os investigadores, uma tempestade de neve dava origem a um aumento de 6 %no número de veículos com tracção às quatro rodas vendidos nas duas a três semanas seguintes. Entretanto, casas com piscina com contrato de promessa efetuado no Verão foram vendidas por mais 0,4 pontos percentuais do que casas semelhantes no Inverno, - uma diferença de cerca de 1600 dólares.

Os consumidores podem até nem se aperceber de que forma o tempo afecta as suas aquisições. Mas se está a pensar em comprar um descapotável, talvez seja melhor esperar por um dia nublado. PÚBLICO/ The Washington Post

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