A crise do Banif vista do lado de dentro do balcão

Uma funcionária do banco conta como foi viver por dentro a corrida aos levantamentos que a instituição sofreu no início da semana.

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A arguida foi detida a 31 de Outubro de 2012, após um último assalto a uma dependência do Banif em Lisboa Catarina Oliveira Alves

Quando Luísa ouviu no domingo passado a notícia na TVI sobre o fecho iminente do Banif, percebeu logo que a segunda-feira não seria um dia normal. Não foi.

Pela manhã, quando chegou à agência do Banif onde trabalha, uma das 27 dependências que o banco tem na Madeira, a funcionária bancária, que pediu para não ser identificada e surge aqui com um nome fictício, tinha à espera um e-mail da administração, com orientações e estratégias para tranquilizar os clientes, que já se aglomeravam à porta. Não funcionou.

“O que nos disseram foi para explicarmos às pessoas que os depósitos e aplicações não estavam em risco, que as poupanças que tinham estavam protegidas pelo Fundo de Garantia de Depósitos”, recorda Luísa ao PÚBLICO, falando dos sentimentos de incredulidade e esperança com os quais soube da notícia sobre a falência do banco, entretanto desmentida pelo conselho de administração do Banif e pelo primeiro-ministro António Costa – que garantiu a “integridade do dinheiro dos depositantes, independentemente dos montantes envolvidos”.

“Temos uma confiança enorme na administração e uma grande esperança que tudo se irá resolver”, diz Luísa referindo-se aos colegas da instituição. Sentimentos que não conseguiram, no início desta semana horribilis, fazer passar para fora do balcão.

Na segunda-feira, com as dependências bancárias cheias, já havia pessoas à porta à espera de serem atendidas, e no dia seguinte, os ecos da imprensa local com fotografias de longas filas de clientes à porta das agências, tiveram um efeito de contágio, aumentando a corrida aos depósitos. “Já esperávamos esta reacção, estávamos preparados, mas não foi fácil”, admite a funcionária bancária, dizendo que o “pior já passou”.

Agora, as filas que foram crescendo à medida que as notícias se espalhavam, desapareceram. Vive-se uma aparente normalidade, mesmo que esta quinta-feira, na Bolsa de Valores de Lisboa, a negociação dos títulos do banco tenham sido suspensas por decisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), quando subiam 42,86%, depois de uma semana em que as acções do banco bateram no fundo antes de voltarem a subir.

A negociação dos papéis do Banif, que ontem valiam 0,002 euros vai continuar suspensa até que a CMVM receba “informação relevante relativa ao processo de venda voluntária” do banco, e mesmo depois do pedido de desculpa da TVI pelas informações divulgadas poderem ter “induzido conclusões erradas e precipitadas” sobre a solução que estaria a ser preparada pelo Governo, a “sangria” nos depósitos do banco deixou marcas.

“Houve muitas pessoas que levantaram o dinheiro, outras que transferiram para outros bancos, foram dois dias muito tristes”, diz Luísa, que trabalha há cerca de dez anos num banco com muitas tradições nas duas regiões autónomas e entre os emigrantes madeirenses e açorianos. “As pessoas estavam tristes, quase que pediam desculpa ao levantar o dinheiro”, acrescenta a mesma fonte, dizendo que alguns clientes prometeram voltar, quando o futuro do Banif estivesse definido.

Fundado por Joe Berardo e Horácio Roque, a partir da Caixa Económica do Funchal, o Banif tem a sede no Funchal, e agências espalhadas por toda a ilha e comunidades na diáspora na Venezuela, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos. Clientes, mais idosos, que toda a vida conheceram apenas um banco, abriram contas à pressa noutras instituições para poderem retirar o dinheiro. Das comunidades de emigrantes, choveram e-mails e telefonemas com dúvidas.

“A preocupação nestes dias foi transversal a todos. Aos que tinham dois mil euros guardados, aos que tinham 100 mil euros no banco. São as poupanças que estão em causa e quando falamos de poupanças não é possível quantificá-las”, lembra funcionária bancária, confessando que durante estes dias, nem teve tempo de discutir o assunto com colegas de outras agências.

Foram, garante, momentos difíceis. “Foi triste, muito triste, assistir a pessoas idosas que só tinham conta no Banif, e que confiavam em nós correrem, confusas, para outros bancos para abrir uma conta, e sem saber como levantar o dinheiro.”

O Conselho de Administração, reagindo terça-feira ao pedido de desculpas da TVI, fala em “danos irreparáveis” para o banco, e garante que vai avançar na Justiça contra a estação televisiva pela forma “irresponsável” e “deontologicamente reprovável” com que publicaram afirmações erradas com “graves consequências para a actividade” do banco.

A administração liderada por Jorge Tomé quer que os clientes e os colaboradores do banco, através do sindicato, se juntem ao Banif na queixa a apresentar. Luísa concorda. “O que eles [TVI] fizeram foi uma irresponsabilidade que nos prejudicou muito e poderia ter prejudicado ainda mais”, lamenta, elogiando a postura da administração que, ontem, enviou um e-mail a todos os colaboradores a agradecer o esforço e empenho dos último dias.

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