Star Wars é “um monstro”, mas também “uma família”

Uma conferência de imprensa dedicada ao “monstro” que é Star Wars, nas palavras de Harrison Ford esta quinta-feira em Londres, só podia ser assim: entradas coreografadas para cada estrela no salão de baile de um hotel de luxo, mais de uma centena de jornalistas e alguns fãs a despontar debaixo dos seus blocos de notas. 

Star Wars é, numa só palavra, “possibilidade” e “potencial” para o realizador J.J. Abrams e o argumentista Lawrence Kasdan, que continuam, como muitos fãs neste dia de estreia, a tentar fugir aos spoilers. Afinal, nesta “família” – a palavra escolhida pela sempre divertida Carrie Fisher – “Star Wars é uma oportunidade rara para as pessoas se juntarem em torno de algo que nos eleva”, recomenda Abrams.

“Vivemos num mundo de informação imediata”, diz o comandante desta titânica nave que paira sobre o planeta aos jornalistas na sala vindos de toda a Europa. “Star Wars é tanto sobre inclusão e ligação – toda a ideia da Força”, recorda, recuperando a sua memória de um menino de 10 anos no cinema, em 1977, para ver o primeiro filme da saga. “Essa experiência” de comunhão pura é cada vez menos provável com “estes objectos que temos nos bolsos”, diz sobre os telefones que espalham detalhes da intriga pelo mundo. Ainda assim, membros dessa família juntaram-se em Londres para saber mais sobre o que foi fazer um filme que, frisam Kasdan e Abrams, ladeados pelos membros do elenco, se centra no “divertimento” e na “fisicalidade” do Episódio IV de 1977 para os devolver ao cinema em 2015.

Com um fã de 17 anos a dar o pontapé de saída, de sorriso rasgado e t-shirt de O Regresso de Jedi (1983) a condizer, e na presença de órgãos de informação como o Jedi News, nesta manhã houve quem simplesmente abandonasse a pele de jornalista e pedisse aos actores Harrison Ford e Carrie Fisher que assinassem os seus bonecos de Han Solo e Princesa Leia. O jornalista-fã adulto não era o único com um sorriso no rosto na sala. Harrison Ford, lacónico como já se antecipa – “não”, não dá por si a cantarolar as melodias mais emblemáticas de John Williams da saga espacial como lhe perguntaram – revelou no entanto gratidão solene. “Saboreei toda a experiência de uma forma que não tinha antecipado”, ao voltar ao franchise 32 anos depois. “É uma experiência rara na minha velhice”.

Epicentro Star Wars
Harrison Ford, J.J. Abrams, Daisy Ridley, Carrie Fisher, John Boyega, Gwendoline Christie, Adam Driver, Lupita Nyong'o e Lawrence Kasdan, presentes na conferência de imprensa, estão na estrada há muito, muito tempo. Vieram de promoções em Tóquio, Sydney e da extravagante estreia em Los Angeles na noite de segunda-feira. Dois dias depois, estavam a ocupar três cinemas em Leicester Square. Um transeunte grisalho resume-o na perfeição ao telefone enquanto passa entre a multidão londrina na quarta-feira: “Estou no epicentro Star Wars”.

Milhares de pessoas iluminadas pelo brilho fluorescente dos seus sabres de luz de brinquedo esperavam os actores na passadeira vermelha e outras faziam fila para os cinemas Vue, o Odeon e o Empire para a antestreia. Ganharam bilhetes, são convidados, vieram directos do emprego ou são crianças vestidas de pequenos vilões com pais vestidos como os londrinos para uma ida ao teatro ou a ópera: elegantes. Selfies e os seus inseparáveis selfie sticks por todo o lado, Jawas e Tusken Raiders (espécies apresentadas no primeiro filme, de 1977) em alegre convívio, Stormtroopers apressados de mochila na mão que dizem pelos intercomunicadores - fidelíssimos aos efeitos de som do filme - “Tenho de ir para a passadeira vermelha”.

Os soldados de plástico branco fazem parte da maior comunidade de fãs dedicadas aos figurinos do mundo: a 501st Legion, que tem membros por todo o planeta e foi convidada pela Lucasfilm a vir a Londres. E fazem aquilo que toda a história sobre um evento Star Wars inclui: a descrição de adultos a sorrir e a comportarem-se como crianças. Mas elas também lá andavam, como a adolescente com camisola de malha May the Force Be With You ou o executivo com um autocolante discretamente carinhoso na lapela - um coração com os dróides C-3PO e R2-D2.

Londres continuava o seu bulício de fim de tarde escura como a noite, em grande parte indiferente ao epicentro Star Wars. Mas os sintomas do abalo tectónico cultural estão por todo o lado. Nas lojas e na imprensa, o filme continua a tentar despertar a Força da compra dos bilhetes e já terá pago em licenciamentos e promoções com marcas o seu orçamento (que terá sido de cerca de 200 milhões de dólares), escrevia quarta-feira o Times londrino.

É uma melodia que parece (querer) ser colectiva - nascida de um filme estreado em 1977 (e totalmente reverenciado pela sua nova encarnação de 2015) que se tornou um sucesso popular e, depois, paradoxalmente um objecto de culto de massas. "Se calhar somos todos mais nerds do que suspeitávamos", comentava ao PÚBLICO há dias Chris Taylor, autor de How Star Wars Conquered The Universe.

Até Barack Obama brincou com sabres de luz nos jardins da Casa Branca, instituição que por seu turno respondeu formalmente em 2013 a uma petição que pedia a criação de uma Estrela da Morte (uma estação espacial e uma arma dos filmes) com o título: “Esta não é a resposta à petição que procuram” – um piscar de olho a uma famosa fala de Alec Guinness em Guerra das Estrelas (1977).

A equipa reunida em Londres, primeiro em Leicester Square e depois com os jornalistas europeus num hotel junto ao Tamisa, ilustra a encruzilhada Star Wars 2015: o elenco que regressa, solene e divertido com uma experiência duradoura; os jovens actores desassombrados, mas que ainda assim dominam o vocabulário da saga, partilhando com as crianças do novo milénio as referências vindas dos brinquedos; e o fã moldado profissionalmente por Star Wars - J.J. Abrams - e os seus ancestrais artífices, como Lawrence Kasdan, autor do argumento de O Império Contra-Ataca (1980).

George Lucas já não mora aqui – embora tenha estado nas estreias de Los Angeles e Londres. E pairado levemente sobre a conferência de imprensa. “George era maravilhoso mas nunca falava” nas filmagens, diz Carrie Fisher ao lado de J.J. Abrams. “Dizia ‘mais rápido e mais intenso’. E J.J. fala muito, isso foi excitante”. Ford concorda sobre como Abrams se envolveu “para lá da realização e da montagem deste monstro que é hoje” o fenómeno Star Wars. Sobre as prequelas, uma única menção numa pergunta sobre o regresso, no novo filme, do universo usado e palpável ao mundo de Star Wars. Abrams sorri ligeiramente e explica novamente sobre o rapaz encantado de 10 anos que fora numa sala de cinema: “A sensação incrível da fisicalidade, de ser real, tangível [do primeiro filme] – "e muitos filmes recentes, por causa da tecnologia que existe", afastaram-se desse lado físico e produziram um outro tipo de cinema. Desta vez, sentiu numa cena em particular com muitas criatura bizarras de O Despertar da Força necessidade de voltar a esse passado: “Deve ser assim que é fazer um filme de Os Marretas”. E essa abordagem “old school" é "que tem a qualidade Star Wars”.

Brincou-se sobre o que é ser um objecto de marketing – os preferidos de Fisher são “os frascos de champô, porque se pode desatarraxar a cabeça”, e também um tipo de marijuana que se chama Princesa Leia. Risos na sala, muitos braços no ar, a importância de ser um filme com uma mulher no centro – uma intenção desde o início, diz Abrams, “ser inclusivo”, as instruções precisas dadas aos actores sobre o pouco que podiam dizer ao longo dos últimos meses, os spoilers, sempre os spoilers para a tal experiência de “possibilidade” e magia que os autores querem dar aos espectadores. No fundo, o “enorme alívio” de Abrams, o realizador fã, depois de “anos de trabalho intenso” cujos frutos o público vai agora colher. “Um milagre”, para Kasdan, que tudo tenha resultado tão próximo do que sonharam inicialmente.

Apesar da discretíssima presença da Disney no genérico e nos créditos de O Despertar da Força – a imagética da saga estava fortemente ligada à Fox – o filme é o novo planeta numa ampla galáxia em pleno big bang. O CEO da Disney, Bob Iger, disse esta semana numa carta aos trabalhadores do estúdio que o filme é “um dos mais excitantes momentos” da história da empresa. O próximo título da saga, o Episódio VIII, começa a ser filmado já em Janeiro e dentro de um ano estreia-se o primeiro filme spin off do universo Star Wars, Rogue One

O PÚBLICO viajou a convite da Disney/Lucasfilm

 

 

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