Oposição venezuelana quer aumentar os programas sociais

Nova maioria apresentou a sua agenda legislativa, que privilegia a manutenção das missões criadas por Hugo Chávez.

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Jesus Torrealba, o secretário-geral da MUD, a formação que congrega as forças da oposição JUAN BARRETO/AFP

A revisão do famoso sistema nacional de misiones (missões), talvez o maior legado do ex-Presidente da Venezuela Hugo Chávez, será a primeira prioridade da nova Assembleia Nacional dominada pela oposição, no arranque dos trabalhos parlamentares, em Janeiro.

A bancada da Mesa da Unidade Democrática, a coligação de oposição ao Governo que ganhou as eleições e ocupará 112 dos 167 assentos parlamentares revelou que o seu esforço inicial estará concentrado na “ampliação e melhoramento das políticas sociais e subsídios”, através de uma expansão da cobertura da lei das chamadas missões bolivarianas.

A oposição tenciona orientar a sua acção para a “reivindicação social”, afirmou o secretário-geral da MUD, Jesus Torrealba, numa concorrida conferência de imprensa para apresentar as ideias mais fortes da sua agenda legislativa, depois de confirmada a maioria qualificada de dois terços. “A campanha eleitoral acabou e agora começa a campanha social”, indicou.

O plano da oposição parece ser uma tentativa de “desarmar” o Presidente Nicolás Maduro, que depois de perder o domínio do órgão legislativo ameaçou descontinuar vários programas sociais. “Tinha pensado construir mais quatro milhões de vivendas, mas agora já não sei. Pedi o apoio do povo e não o tive”, justificou, no seu programa semanal na televisão estatal.

O sistema de missões, lançado por Chávez em 2003, consiste numa série de programas financiados pelo Estado para o desenvolvimento do país, entre os quais de erradicação da pobreza, acesso à saúde, educação ou habitação, defesa do ambiente ou da investigação científica. A oposição não deseja a sua redução ou desmantelamento, garantiu Torrealba; pelo contrário, o seu projecto é rever a lei de forma a “estender a sua cobertura” para “atender todos os que necessitem [de ajuda], por igual”.

“Trata-se de evitar que as missões deixem de ser uma forma de extorsão política”, justificou, oferecendo um exemplo concreto de uma iniciativa que já está planeada: a bancada maioritária votará para atribuir o título de propriedade a todos os actuais adjudicatários de habitação no âmbito da Grande Missão Vivenda Venezuela. Até agora, as famílias inscritas no programa tinham as casas atribuídas em regime de comodato por um período específico – um sistema, denunciava a oposição, montado pelo Governo para “controlar” o voto desses moradores. “A Assembleia Nacional tomará as provisões legais necessárias para que possam tornar-se donos dos lugares onde vivem”, prometeu o secretário-geral da MUD.

Outro exemplo, prosseguiu Jesus Torrealba, diz respeito ao pagamento de pensões, que disse ser usado pelo regime para “chantagear” os mais velhos. Nesse caso, referiu, o plano da MUD é lançar uma investigação ao processamento dessas prestações: a oposição detectou uma tendência “centrífuga” na distribuição das verbas, que são entregues a um grupo durante três meses e logo suspensas e redireccionadas para outro grupo por mais três meses, “para assim dar a sensação que estão a atender um maior número de pessoas do que na realidade estão”, denunciou.

 Ao mesmo tempo que os diversos integrantes da MUD se juntavam para acertar o seu plano de trabalhos para a nova Assembleia Nacional, também o Governo do Presidente Nicolás Maduro e os delegados do seu Partido Socialista Unido da Venezuela se reuniram num plenário económico para analisar a derrota eleitoral de 6 de Dezembro e discutir medidas para atacar a grave crise que afecta o país – sempre dentro “do modelo igualitário inclusivo da revolução [bolivariana]”, frisou Maduro, que pôs de parte “grandes reformas” ou mudanças de rumo na política económica.

Reagindo aos resultados das legislativas, o Presidente fez um apelo à unidade do Governo e do partido no Parlamento para enfrentar o que descreveu como uma “crise contra-revolucionária”. “Encontramo-nos numa luta de classes da parasitária elite burguesa contra o povo. Deram um golpe eleitoral, e agora tratarão de utilizar o poder que obtiveram para desmontar a revolução e dar o golpe definitivo contra a pátria”, advertiu.

Carregando na retórica bélica, num discurso aos militares, o Presidente estimou que a entrada em funções do novo Parlamento, a 5 de Janeiro, arrastará o país para um “conflito entre dois pólos, os patriotas e os não-patriotas”, e uma “luta de poder que vai criar grandes tensões.”

Lula da Silva aconselha Maduro a entender-se com a oposição

Em Espanha para uma conferência sobre os desafios que enfrentam os países emergentes, o ex-Presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, referiu-se aos resultados das eleições legislativas venezuelanas, e deixou um conselho a Nicolás Maduro: deve dialogar com a oposição e negociar as soluções necessárias – e urgentes – para retirar o país do ciclo descendente em que se encontra. “O que aconteceu na Venezuela foi muito importante. Maduro tem que aprender que a democracia não é a perpetuação no poder”, frisou Lula da Silva.

Para o líder brasileiro, o regime de Maduro devia encarar a votação venezuelana como uma “oportunidade de consolidar a democracia” – que foi o que aconteceu, por exemplo, na Argentina, após a eleição de Mauricio Macri para a presidência, comparou. “Não tenho nenhuma preocupação a respeito dele: ele entende perfeitamente o seu papel na Argentina e na América Latina. Quando assuminos o cargo de Presidente, deixamos de fazer o que queremos e passamos a fazer o que podemos e o que é necessário para o país”, considerou.

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