Fosun diz que o seu patrão está a "auxiliar certas investigações"

Guo Guangchang, cujo grupo detém a Fidelidade e é o maior investidor chinês em Portugal esteve incontactável mais de 24 horas. Em Agosto, um tribunal envolveu o seu nome num caso de corrupção que sentenciou outro magnata a 18 anos de prisão.

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Guo Guangchang Bobby Yip/REUTERS

Em Maio do ano passado, o magnata chinês Guo Guangchang fechava a compra da portuguesa Caixa Seguros numa cerimónia realizada em Pequim, no Grande Palácio do Povo, perante os olhares atentos dos Presidentes Xi Jinping e Cavaco Silva, que aproveitou uma visita oficial a Macau para sublinhar a importância do negócio. Um ano e meio depois, o fundador e dono da gigante Fosun parece ter caído em desgraça no seu país – na quinta-feira desapareceu sem deixar rasto, possivelmente em Xangai, e esteve incontactável durante mais de 24 horas, avolumando-se as suspeitas de que estará a ser investigado por corrupção.

Numa muito aguardada comunicação ao mundo das finanças, a direcção da Fosun avançou na tarde desta sexta-feira que o seu presidente do conselho de administração está afinal de boa saúde, e encontra-se "a auxiliar certas investigações levadas a cabo pelas autoridades judiciais chinesas".

O comunicado da Fosun não esclarece se Guo Guangchang está ou não detido, e também não afasta a hipótese de ele ser o alvo principal de uma dessas "certas investigações" – apenas diz que está a colaborar com as autoridades e que "pode continuar a participar nas tomadas de decisão da empresa".

O comunicado foi tornado público para tentar acalmar as bolsas, depois de as acções de várias empresas do universo Fosun terem sido suspensas esta sexta-feira, na primeira sessão desde que foi noticiado o desaparecimento de Guo Guangchang.

"Os directores da empresa são da opinião de que esta investigação não tem qualquer impacto adverso substantivo nas finanças ou nas operações do grupo. As operações da companhia prosseguem com normalidade", lê-se no comunicado, que não é suficiente para afastar as incertezas que se abateram sobre o futuro da Fosun – no texto, os directores e accionistas sublinham que tudo o que sabem sobre Guo Guangchang resultou de iniciativas feitas pelos próprios, admitindo-se que as autoridades judiciais e policiais não transmitiram voluntariamente qualquer informação à empresa durante mais de 24 horas.

A notícia do desaparecimento de Guo foi avançada na quinta-feira pelo site da revista chinesa Caixin, que fazia eco de algumas pistas deixadas por fontes não identificadas – o magnata estaria incontactável desde o meio-dia (hora local), teria sido contactado pela última vez em Xangai, e teria sido visto a ser acompanhado pela polícia num aeroporto da mesma cidade. Os jornalistas da Caixin avançaram também que tentaram entrar em contacto com Guo Guangchang, mas o seu telemóvel estava desligado.

Desde o início do ano, pelo menos cinco grandes empresários chineses estiveram incontactáveis durante horas ou dias. Em Maio, o presidente do conselho de administração da Hanergy faltou a uma reunião de accionistas, e há apenas duas semanas o responsável pela Guotai Junan International, Yim Fung, também desapareceu sem deixar rasto.

Mas quando o mesmo acontece a Guo Guangchang, todo-poderoso patrão da todo-poderosa Fosun, o sinal é o de que ninguém está a salvo na China – ou por causa da promessa de limpeza da corrupção na vida política e militar do país, feita pelo Presidente Xi Jinping em 2013, ou por causa do mais recente apertar de cerco ao mundo das finanças, principalmente após a "segunda-feira negra" nas bolsas chinesas, em Agosto passado.

Há algum tempo que se fala na China sobre o possível envolvimento do patrão da Fosun em casos de corrupção, mas as suspeitas avolumaram-se precisamente em Agosto, durante o julgamento de um outro magnata, Wang Zongnan.

Este antigo responsável de grandes empresas estatais chinesas em Xangai foi condenado a 18 anos de prisão por corrupção passiva e uso indevido de dinheiros públicos, entre 2001 e 2006. Durante a sentença, o tribunal apontou o dedo a Guo Guangchang, dizendo que o grupo Fosun beneficiou dos negócios escuros de Wang no período em que ele foi responsável por empresas do Estado.

Sem explicarem de que forma é que a Fosun poderá ter beneficiado dos crimes de Wang Zongnan, os juízes fizeram questão de envolver o nome de Guo Guangchang – em 2003, o patrão da Fosun vendeu dois empreendimentos aos pais de Wang por metade do valor do mercado na altura, que acabariam por ser vendidos mais tarde por um preço seis vezes superior ao da compra.

Num comunicado publicado em Agosto, a Fosun negou que tenha alguma vez beneficiado ilegalmente nos seus negócios com as empresas de Wang Zongnan, e afirmou que os empreendimentos em causa foram vendidos durante uma época de depressão no mercado imobiliário chinês.

Se a abordagem das autoridades chinesas a Guo Guangchang estiver directamente relacionada com a campanha anticorrupção decretada pelo Presidente Xi Jinping em 2013 (que visava essencialmente a vida política e militar do país), as empresas chinesas terão de começar a preocupar-se em explicar aos vários agentes económicos internacionais de que forma podem manter uma certa estabilidade quando os seus principais responsáveis ficam incontactáveis, podendo mesmo faltar a reuniões de accionistas sem qualquer explicação.

"Casos como o desaparecimento de Guo Guangchang são acontecimentos que têm um grande impacto e não podem ser previstos. Os investidores têm de correr riscos. A campanha anticorrupção é o novo normal, e vai durar anos. Os investidores deviam habituar-se", disse o analista Zhou Jianhua ao jornal South China Morning Post, de Hong Kong.

Tanto mais que ficar incontactável enquanto se é questionado pelas autoridades é perfeitamente legal na China, se estiver em causa uma investigação sobre corrupção.

"Ainda não se sabe que departamento está a investigá-lo. Se for o organismo anticorrupção do partido, então eles não são obrigados a informar nem a família nem a empresa", disse ao mesmo jornal Liu Xiaoyuan, especialista em direito criminal. "As leis chinesas não exigem que a polícia informe pessoas ou instituições relacionadas com detidos, mesmo que sejam patrões de empresas cotadas em bolsa. Não existe qualquer obrigação de divulgar informação até que seja anunciada uma sentença legal. Será preciso alterar a legislação para resolver este problema", disse Liu.

Em Portugal, a Fosun passou em poucos meses do anonimato a maior investidor chinês, num processo que teve início com a compra de 85% da Fidelidade por mil milhões de euros, em 2014. Seguiram-se a aquisição de 96% da ES Saúde (agora Luz Saúde) por 460 milhões, depois do colapso do Grupo Espírito Santo, e a compra de participações na REN, que hoje chega aos 5,3%.

O conglomerado chinês esteve também na corrida pela compra do Novo Banco, operação cancelada pelo Banco de Portugal em meados de Setembro, após falhadas as negociações.

Se os directores do grupo consideram que a investigação ao seu presidente não tem qualquer “impacto adverso substantivo”, os analistas apontam para um futuro menos radiante.

Admitindo que é ainda prematuro prever qual o real impacto da situação de Guangchang, o gestor da XTB, Pedro Ricardo Santos, avalia que “a credibilidade do gigante Fosun sai prejudicada podendo, no mínimo, comprometer uma nova oferta de compra ao Novo Banco”.

Quanto às consequências que o caso poderá ter na operação da Fosun em Portugal, Paulo Rosa, economista e do Banco Carregosa Online, classifica-as como “quase irrelevantes”. No entanto, os dois analistas concordam que, no pior cenário, o grupo poderá ser forçado a vender algumas participações, tanto na China como no estrangeiro, com Paulo Rosa a considerar como “plausível que a cotação da empresa seja penalizada no futuro”.

Para o gestor da XTB, a única conclusão a retirar deste episódio prende-se com a necessidade de avaliar melhor as empresas concorrentes à compra dos activos estratégicos nacionais. “A venda dos nossos melhores activos a empresas de países com regimes pouco claros significa, no limite, entregá-las a um futuro incerto”, entende.

 

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