Ou tudo ou nada

As quatro horas do documentário Sinatra: All Or Nothing At All são um retrato justo e fascinante de um homem genial, controverso e contraditório.

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All or Nothing At All, título do seu primeiro grande êxito, é apropriadíssimo: não havia meio-termo em Sinatra DR

Cresceu durante a Grande Depressão e era filho de imigrantes italianos. A mãe, Dolly Sinatra, era uma mulher de energia inesgotável e com talento para mexer quaisquer cordelinhos que fosse necessário mexer. O pai, Anthony Martin Sinatra, analfabeto, bombeiro e pugilista amador, homem de poucas palavras que fora obrigado a mudar o nome profissional para Marty O’Brien, dado que os italianos não eram tão bem-vistos quanto os italianos na América do início do século.

Frank Sinatra sabia. Sabia que, para ser bem-sucedido, teria que “trabalhar no duro e ter muita sorte”, como ouvimos no início de All Or Nothing At All, documentário produzido pela HBO, realizado por Alex Gibney (Finding FelaGoing ClearMr. Dynamite: The Rise Of James Brown) e que, em dois DVD de duas horas, traça o melhor possível a incrível, e incrivelmente apelativa, história de vida desse homem genial, contraditório e controverso chamado Frank Sinatra.

Com o concerto de “despedida” de 1971 como guia – Sinatra regressaria meros dois anos depois -, Alex Gibney montou um documentário com duas qualidades evidentes na justa aproximação ao biografado. Por um lado, prescinde das banalizadas cabeças falantes tão habituais neste tipo de registo – preferindo a elas as citações de vários dos que o rodeavam, e colocando no centro da câmara o próprio Sinatra e imagens de época, acreditamos e mergulhamos na Hoboken, Nova Iorque, Los Angeles e Las Vegas de Sinatra. Depois, e isto decorre do seu próprio percurso de vida, não há em All Or Nothing At All, mesmo tratando-se de um documentário aprovado pela família do cantor, a tentação de esconder o lado negro e mais controverso para criar uma imagem imaculada – talvez porque, como tem sido assinalado, as suas falhas sejam, no seu percurso, tão importantes quanto as suas virtudes.

Ao longo de quatro horas atravessamos o século de Sinatra. O miúdo fascinado por Bing Crosby e obcecado pela rádio que abandona Hoboken pelas luzes de Nova Iorque. O aprendiz do swing que se emancipou do então gigante Tommy Dorsey, que nunca lhe perdoou, para se tornar a jovem estrela que, frente ao Paramount Theater, provocava cenários de loucura juvenil cuja estreia mundial se julgava reservada para a Beatlemania. O homem caído em desgraça, abandonado por quase todos que se reergueu no início dos anos 1950. A estrela de Hollywood e o músico extraordinário, respeitadíssimo por todos os companheiros de profissão, que gravava no meio dos músicos, sem auscultadores, porque precisava de sentir a “dinâmica da orquestra”.

Passo a passo, desvendam-se as paixões (a música, actrizes lendárias como Ava Gardner ou Lauren Bacall) e as controvérsias (as ligações com a Máfia, a relação com JFK, o casamento com Mia Farrow) e desenham-se as várias dimensões de um homem com percurso maior que a vida: o boémio com o Rat Pack na cidade de perdição que era Las Vegas; o homem de uma extrema sensibilidade em quem convivia também um lado tirânico perturbador; o eternamente solitário sempre rodeado de gente; o activista que, à imagem de Johnny Cash, actuava com a orquestra de Count Basey numa prisão para afro-americanos, mas que, ao mesmo tempo, surgia nos palcos de Las Vegas a ensaiar piadas no limite do racismo com Sammy Davis Jr., a seu lado, como alvo.

All or Nothing At All, título do seu primeiro grande êxito, é apropriadíssimo: não havia meio-termo em Sinatra. O documentário de Gibney, quatro horas que se esgotam num ápice, faz-lhe justiça – a Sinatra e ao século americano que Sinatra atravessou.

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