Uma oposição de radicais e moderados que nasceu contra o chavismo

Coligação de dezenas de partidos tem na maioria parlamentar agora conquistada o maior desafio à sua unidade.

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Candidatos da oposição festejam a vitória histórica de domingo Carlos Garcia Rawlins/reuters

A Mesa da Unidade Democrática (MUD), que deu à oposição uma maioria parlamentar na Venezuela pela primeira vez em 16 anos, é uma coligação díspar que reúne três dezenas de partidos, com um único objectivo: vencer o chavismo.

A MUD foi criada formalmente em 2009, mas em termos práticos já existe desde 2006. Com uma unidade ainda frágil, esta coligação junta formações que vão da esquerda moderada à direita mais dura, com constantes embates entre moderados e radicais, que divergem sobre a estratégia a adoptar para conseguir uma mudança de governo.

A ala mais radical da MUD é dirigida por Leopoldo López, condenado em Setembro a quase 14 anos de prisão por incitamento à violência durante as manifestações de 2014, que segundo as autoridades provocaram 43 mortos. Os outros dois líderes considerados mais radicais são o presidente da câmara destituído de Caracas, Antonio Ledezma, preso depois de ter sido acusado de conspirar contra o Presidente, e a ex-deputada Maria Corina Machado, cuja candidatura às eleições legislativas foi bloqueada pelo Conselho Eleitoral.

A facção mais moderada da MUD é liderada por Henrique Capriles, governador do Estado de Miranda e duas vezes candidato presidencial, que perdeu em 2013 frente a Nicolás Maduro com uma diferença apenas de 1,5 pontos.

Na sua origem, a MUD escolheu claramente uma via moderada, recorda a analista política Colette Capriles (sem ligação de parentesco com Henrique Capriles), tendo por convicção que “a maneira de enfrentar o governo era pela via democrática, pacífica e eleitoral”.

O seu primeiro candidato, Manuel Rosales, na altura governador do Estado petrolífero de Zulia (nordeste), sofreu uma pesada derrota em 2006 face a Hugo Chávez, que ganhou com 62,84% dos votos. Mas um ano mais tarde, conseguiu a sua primeira vitória, impondo o “não” num referendo sobre uma série de reformas constitucionais, incluindo aquela que possibilitava a reeleição ilimitada do Presidente. Mesmo que a vitória de Rosales tenha sido à justa, teve o mérito de quebrar a aura de invencibilidade do governo socialista.

Nas eleições legislativas de 2009, a Mesa apresenta candidatos unitários, conseguindo aumentar o número de votos e de assentos parlamentares, mas sem chegar a ter uma maioria parlamentar. Progride ainda mais nas presidenciais de 2013, pouco depois da morte de Hugo Chávez, graças ao bom desempenho de Henrique Capriles face a Nicolás Maduro.

À medida que os níveis de popularidade da MUD iam subindo, os de Maduro iam baixando devido à crise económica que se instalou no país por causa da queda dos preços do petróleo, e que foi provocando o crescente descontentamento popular.

A Mesa “não é um compromisso entre vários partidos mas sim o resultado de um processo muito longo de ensaios e erros para encontrar uma forma de organizar a luta política face a um Governo com veleidades hegemónicas”, explica Colette Capriles.

O movimento ainda sofre da ausência de um líder único com o qual a população se possa identificar e de muitas dissensões. Estas divisões revelaram-se plenamente em 2014, quando Leopoldo López e Maria Corina Machado desenharam uma estratégia baptizada como “a saída”, para forçar a queda de Maduro através dos protestos de rua, enquanto a ala mais moderada defendia uma via mais pacífica.

Como recorda Jean-Jacques Kourliandsky, especialista da América Latina no Instituto de relações internacionais e estratégicas, de Paris, “aquilo que une a oposição é a rejeição do poder”.

“Para lá disso, há pouco em comum entre os seus membros que cobrem um campo político que vai de um extremo ao outro”, diz Kourliandsky, prevendo para a MUD uma gestão difícil da sua maioria no parlamento, principalmente com um Presidente adverso, e que vai ser a grande prova de fogo à sua unidade.

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