Vitória estrondosa da oposição na Venezuela põe chavismo em causa

Aliança da oposição garante que alcançou uma maioria de dois terços. Pela primeira vez desde que Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, os socialistas perderam o controlo total do Estado.

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Nicolás Maduro em conferência de imprensa onde admite a derrota REUTERS/Miraflores Palace
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A coligação declara a vitória nas eleições REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
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Apoiantes de Maduro a ouvir os resultados eleitorais REUTERS/Marco Bello
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Lilian Tintori, mulher do líder da oposição Leopoldo Lopez, que está preso REUTERS/Christian Veron
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A vitória é festejada nas ruas REUTERS/Nacho Doce
Festejo de apoiantes da oposição em Caracas.
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Festejo de apoiantes da oposição em Caracas AFP/LUIS ROBAYO
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Apoiantes da oposição festejam AFP/LUIS ROBAYO
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AFP/FEDERICO PARRA
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Henrique Capriles tira uma selfie com apoiantes REUTERS/Marco Bello

As sondagens já apontavam para a primeira grande derrota do "chavismo" na Venezuela, agora na sua versão menos carismática liderada por Nicolás Maduro, mas os resultados deixaram meio mundo de boca aberta: uma gigantesca aliança da oposição, que vai do centro-esquerda à direita mais conservadora, roubou a maioria na Assembleia Nacional ao Partido Socialista Unido (PSUV), e deu alguma consistência à ideia de que o actual Presidente poderá não chegar ao fim do seu mandato, em 2019.

As eleições foram para a escolha dos deputados que compõem a Assembleia Nacional (o parlamento venezuelano), mas o facto de se falar mais sobre o futuro do Presidente Nicolás Maduro do que das consequências directas desta derrota estrondosa do seu PSUV diz muito sobre o que estava realmente em jogo – para a oposição, era o possível início do fim do "chavismo", a revolução bolivariana em curso na Venezuela desde 1999, personificada por Hugo Chávez; para o partido no poder desde então, era a resistência contra uma "guerra económica" lançada pelos grandes empresários da direita com a intenção de derrubar as políticas sociais prosseguidas por Nicolás Maduro.

Quando a presidente do Conselho Eleitoral Nacional, Tibisay Lucena, surgiu perante os cidadãos venezuelanos, na televisão, para anunciar os primeiros resultados, já passava da meia-noite de domingo para segunda-feira (4h30 da manhã de segunda-feira em Portugal continental) – e umas longas seis horas após o fecho oficial das mesas de voto.

Na altura faltava ainda saber quem iria preencher 22 dos 167 lugares da Assembleia Nacional – na prática 19 para as contas da guerra política entre o PSUV e a oposição, já que três desses 22 lugares são atribuídos a representantes das populações indígenas.

O anúncio de Tibisay Lucena foi o tiro de partida para as celebrações da oposição nas ruas das principais cidades venezuelanas, em particular na capital, Caracas, e o início da depressão colectiva na hierarquia do "chavismo" – 99 deputados para a Mesa da Unidade Democrática, liderada por Jesús Torrealba, e apenas 46 para o PSUV, encabeçado pelo ainda presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.

"Por agora..."
Ao contrário do que muitos diziam temer, o Presidente Nicolás Maduro não só não contestou os resultados das eleições como se apressou a reconhecer a derrota, embora tenha deixado claro que, para ele, estas eleições legislativas foram tudo menos um referendo informal à sua própria liderança.

"Não tenho dúvidas de que a guerra económica inibiu parte do eleitorado, por agora", salientou Maduro, usando a célebre expressão com que o então tenente-coronel Hugo Chávez reconheceu o falhanço da primeira tentativa de golpe de Estado na Venezuela em 1992, quando disse: "Companheiros, lamentavelmente, por agora, os nossos objectivos não foram alcançados na capital."

Para complementar o seu presságio, Maduro disse que os venezuelanos "saberão em breve" que os revolucionários inspirados por Hugo Chávez "são quem representa a paz da Venezuela", e passou ao lado das felicitações à oposição, que considera ter pouco mérito na vitória. Para o Presidente venezuelano, a maioria conquistada pela Mesa da Unidade Democrática na Assembleia Nacional (numas eleições com uma taxa de participação superior a 74%) "não é um triunfo da oposição, mas um triunfo circunstancial da contra-revolução".

"Triunfou a guerra económica, triunfou uma estratégia para prejudicar a confiança colectiva num projecto de país. Triunfou circunstancialmente o estado de necessidades criado por uma política de capitalismo selvagem", declarou Maduro.

Que maioria?
As contas finais ainda estavam por fazer na segunda-feira, mas o resultado da oposição estava encaminhado para ser ainda mais humilhante para o PSUV. Para além de já terem garantido uma maioria com os seus 99 deputados (mais 15 do que o necessário), a Mesa da Unidade Democrática estava à beira de alcançar uma maioria de três quintos (a partir de 101 deputados) e mostrava-se confiante de que iria chegar ao resultado mais expressivo possível – a tão desejada maioria de dois terços (pelo menos 112 deputados), que permite a quem a alcançar, entre outras coisas, aprovar um projecto de revisão constitucional e destituir e nomear os líderes de outras instituições, como os juízes do Tribunal Superior de Justiça e os responsáveis pelo Conselho Eleitoral Nacional, e assim alterar profundamente o actual equilíbrio de forças no país.

Enrique Márquez, um dos líderes da coligação, acusou a presidente do Conselho Eleitoral Nacional de ter adoptado uma "atitude mesquinha", ao não avançar que a Mesa da Unidade Democrática elegeu mesmo 112 deputados, contra 51 do PSUV.

Também Henrique Capriles, o homem que perdeu a eleição presidencial de 2013 para Nicolás Maduro por apenas 1,49 pontos percentuais, disse que a oposição obteve uma maioria qualificada de dois terços, e garantiu que esse resultado "não será usado para perseguir, mas sim para respeitar a institucionalidade".

Mesmo com 99 deputados, a oposição poderá convocar um referendo consultivo nacional e aprovar uma lei de amnistia para os presos políticos – talvez a medida com mais impacto imediato e mais visível dos primeiros tempos da nova Assembleia, a partir de 5 de Janeiro de 2016. A amnistia servirá para libertar vários presos, entre os quais Leopoldo López, um dos líderes da oposição, preso há quase dois anos e condenado a 13 anos e nove meses por "instigação à desobediência civil".

"Neste momento, recordo as palavras de Leopoldo: 'O povo da Venezuela vai tirar-me estas algemas.' Liberdade!", escreveu no Twitter a mulher de Leopoldo López, Lilian Tintori.

“Começou a mudança. Hoje temos razões para comemorar. O país queria uma mudança e alcançou-a, ao vencer democraticamente um Governo que não é democrático", declarou o secretário executivo da aliança da oposição, Jesús Torrealba.

O processo eleitoral decorreu sem grandes problemas, mesmo contando com as queixas da oposição sobre a decisão de manter algumas mesas de voto abertas uma hora depois do encerramento oficial.

"Quando veio a informação mais tarde para estarmos abertos até às sete horas [da tarde de domingo], essa informação só foi válida para as mesas que ainda estavam abertas", disse ao PÚBLICO por telefone Carlos Nunes, um empresário nascido em Portugal a viver na Venezuela há 38 anos e que foi presidente da mesa eleitoral em Macaracuay, na zona Leste de Caracas.

Carlos Nunes, que não esconde a sua felicidade pela vitória da oposição, fala num processo que decorreu "de maneira perfeita, tudo correcto". "As máquinas chegaram a horas, as pessoas chegaram a horas, o material estava todo correcto, as pessoas cumpriram ordenadamente tudo", disse ao PÚBLICO. Com Félix Ribeiro

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