Massacre na Califórnia deixa polícia a procurar motivos com muitas cautelas

Atacantes chamavam-se Syed Farook, nascido nos EUA, e Tashfeen Malik, paquistanesa. O casal não deixou pistas para os motivos, mas deixou o país a discutir mais uma vez a posse de armas e também o terrorismo.

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Os atiradores fizeram 14 mortos e 21 feridos e foram mortos pela polícia REUTERS

O ataque contra uma clínica de planeamento familiar no estado do Colorado, na semana passada, ainda não tinha desaparecido completamente do cada vez mais efémero ciclo noticioso, quando um novo massacre com armas de fogo usadas por exércitos e grupos terroristas um pouco por todo o mundo veio pôr no mapa internacional a cidade de San Bernardino, no estado da Califórnia.

Na manhã de quarta-feira, dezenas de funcionários públicos divertiam-se numa festa de Natal antecipada que decorria numa sala do Inland Regional Center, uma organização sem fins lucrativos que presta serviços a pessoas com deficiência. Entre eles estava um inspector de condições de saúde ambiental em hotéis, restaurantes e piscinas, que tinha regressado ao trabalho há pouco tempo, depois de uma licença de paternidade.

Por razões que a polícia federal e o departamento de Los Angeles ainda estão a investigar, o inspector, de 28 anos, saiu da sala transtornado por causa de uma zanga, por volta das 10h40 da manhã. A festa continuou, mas seria brutalmente interrompida 20 minutos mais tarde, quando o homem regressou ao Inland Regional Center com a sua mulher, ambos vestidos com "equipamento táctico" – uniformes do tipo militar, coletes à prova de bala e as caras tapadas com máscaras – e armados com duas espingardas de assalto de calibre .223 (semelhantes a uma AK-47) e duas pistolas semi-automáticas.

A cena que se seguiu tem-se repetido "demasiadas vezes" um pouco por todo o território dos EUA, como vem dizendo o Presidente Barack Obama desde que chegou à Casa Branca. Mas o número de vítimas que os dois atacantes fizeram em San Bernardino é chocante até para os padrões do país – 14 mortos e 21 feridos, sem contar com os dois atacantes, que seriam mais tarde mortos numa troca de tiros com a polícia.

Foi o ataque com mais vítimas mortais desde o tiroteio na escola primária de Sandy Hook, no estado do Connecticut, a 14 de Dezembro de 2012. Nesse dia, um jovem de 20 anos chamado Adam Lanza entrou na escola armado com uma espingarda de assalto usada em teatros de guerra como o Afeganistão, o Iraque e a Ossétia do Sul e matou 20 crianças (com idades entre os seis e os sete anos) e seis professores e auxiliares.

Mas o tiroteio em San Bernardino, na quarta-feira, foi invulgar para além do número de mortos que causou. Dos 28 tiroteios com mais vítimas mortais nos Estados Unidos nos últimos 66 anos, apenas dois tinham envolvido mais do que um atirador – um em 1983, quando três membros de um gangue chinês executaram 13 elementos de um gangue rival, em Seattle; e em 1999, em Columbine, no estado do Colorado, quando Eric Harris e Dylan Klebold entraram com várias armas e explosivos na escola secundária local e mataram 12 alunos e um professor.

O que diz um nome?
No caso do tiroteio em San Bernardino, as autoridades continuam a tentar montar o puzzle deixado para trás pelos dois atacantes.

Uma semana depois do ataque contra a clínica da organização Planned Parenthood por um homem branco de 57 anos, nascido na Carolina do Sul, e que tem uma posição extremista contra a realização de abortos, muitos defensores do uso e porte de armas nos Estados Unidos correram para as redes sociais, na quarta-feira, para divulgarem o nome de um dos atacantes de San Bernardino, muito antes de a polícia ter confirmado essa informação: o homem que matou 14 pessoas no Inland Regional Center chamava-se Syed Farook, nascido no estado norte-americano do Illinois mas filho de paquistaneses; e a sua parceira no massacre era a sua mulher, Tashfeen Malik, de 27 anos, nascida no Paquistão.

David Bowdich, um dos responsáveis do FBI em Los Angeles, disse que Farook viajou para fora dos EUA e regressou ao país em Julho de 2014 com Tashfeen Malik, que conhecera num site de encontros amorosos. As autoridades estão a tentar perceber se ele passou por outros países – antigos colegas dizem que esteve pelo menos na Arábia Saudita – e que Tashfeen Malik tem passaporte paquistanês e entrou nos EUA com um visto por ser noiva de Farook.

O pai descreveu-o como um muçulmano dedicado, que fazia pausas no trabalho para rezar, mas ninguém lhe conhecia opiniões extremistas – Hussam Ayloush, um dos líderes do Conselho de Relações Islamo-americanas, disse mesmo que o primeiro pensamento da família de Syed Farook foi que ele poderia ser uma das vítimas.

Do pouco que se sabe, os investigadores da polícia federal têm-se visto limitados a fazer declarações baseadas no senso comum – o facto de o casal se ter transformado em apenas 20 minutos numa dupla munida de armas de guerra, 1600 balas e explosivos artesanais, e com uniformes semelhantes aos das forças especiais, indica que o ataque foi planeado com antecedência. A calma com que deixaram a filha de ambos, de apenas seis meses, com a mãe de Farook na manhã do massacre, e a ausência de qualquer tipo de manifesto, leva as autoridades a não fecharem nenhuma hipótese – ninguém põe de parte que Farook se tenha radicalizado nos últimos meses, admitindo-se que se possa estar perante um acto de terrorismo com algum tipo de relação ao jihadismo (coordenado ou por iniciativa própria), mas também pode ter sido um "ataque de raiva" por questões relacionadas com o trabalho, disse o chefe da polícia de San Bernardino, Jarrod Burguan.

Também Hussam Ayloush, do Conselho de Relações Islamo-americanas, pediu ponderação, deixando uma série de questões em aberto: "Foi por causa do trabalho? Foi um acesso de raiva? Foi motivado por uma doença mental? Ideologia extremista?"

O Presidente dos EUA, Barack Obama, reforçou os seus apelos às limitações da compra e porte de armas, dizendo o que já tinha dito depois do tiroteio no Colorado, na semana passada: "Basta."

Uma palavra repetida em vários editoriais de influentes jornais norte-americanos, como o New York Times, o Washington Post ou o Los Angeles Times"Basta. A paixão deste país pelas armas – inflamada pelas ridículas posições da NRA, e estimulada pelo medo do Congresso dessa poderosa e irresponsável organização – é suicidária. Há armas a mais, e são facilmente adquiridas", escreveu a direcção do Los Angeles Times.

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