O 25 de Novembro não cabe num beco

A melhor maneira de honrar os superiores interesses da Nação e comemorar o 25 de Novembro será aceitar o caminho que ele abriu: o do exercício de um regime baseado na legitimidade democrática.

Antes das eleições legislativas, o Presidente da República, alertando para a possibilidade de nenhum partido conseguir maioria absoluta, apontou a necessidade de se desenvolver em Portugal uma cultura de “coligação” para, a exemplo do que sucede em muitos, se não na maioria, dos Estados europeus, garantir a governabilidade e estabilidade da governação sem hiatos prejudiciais

Ora foi exactamente o que sucedeu. A interpretação do artigo X da Constituição foi sempre a de que, no caso de não haver maioria absoluta, dever o chefe de Estado convidar a formar Governo o partido mais votado. Caso este não estivesse em condições de obter apoio parlamentar, convidar o segundo partido mais votado, e assim sucessivamente, como, aliás, bem recentemente sucedeu em democracias europeias mais maduras do que a nossa.

O que depois veio a suceder não foi ao encontro da advertência presidencial para a conveniente cultura de “coligação”. Primeiro invocou-se a tradição de ser o partido mais votado a governar, ignorando estarmos perante una situação que surgia pela primeira vez: a formação na Assembleia da República de uma maioria absoluta que não incluía o partido mais votado, o que, na prática, como se vê, impede este de governar. Se se pode considerar razoável dar a oportunidade ao partido mais votado de procurar formar Governo, não será fácil sustentar um argumento de tradição perante uma situação que não o permite e que nunca antes existira.

Depois, a entendível perplexidade perante a possibilidade inesperada de o segundo partido mais votado poder formar Governo com apoio parlamentar, levantou indignada frustração com a imprevisibilidade da vida, invertendo o sentido das disposições constitucionais que atribuem o Governo a quem consiga obter maioria parlamentar. E evocou-se a incompatibilidade dos princípios dos partido que se associaram para apoiar o Governo, quando essa é justamente a essência da “cultura de coligação”, que consiste justamente em encontrar com pragmatismo um denominador comum que permita assegurar a governação para além das divergências ideológicas.

Foi nessas circunstâncias que neste século partidos comunistas integraram governos da União Europeia juntamente com outras composições políticas que não partilham os seus princípios e que hoje partidos racistas e xenófobos, que no momento presente me parecem bem mais ameaçadores, integram governos de democracias europeias.

Finalmente, questionou-se se os acordos de incidência parlamentar como aqueles em que o PS se baseia para governar, dariam garantias de durabilidade, como se isso fosse possível na vida real. Quando na vida se pode dar garantias de futuro, além da morte e do pagamento de impostos, como os americanos gostam de dizer?

Quase se esqueceu que a virtude da democracia é justamente apontar sempre uma saída para as situações mais complexas: se existe no Parlamento uma maioria disposta a apoiar um Governo, deve-se dar-lhe a hipótese de governar. Se essa maioria tem a coesão suficiente para assegurar a estabilidade e a durabilidade, o tempo o dirá. Se não tiver, a democracia e a Constituição apontam a saída: o Governo cai e ou se encontram alternativas no presente quadro parlamentar ou se convocam eleições.

É compreensível que esta solução até há pouco imprevisível cause forte frustração a quem já tinha outra perspectiva dos resultados eleitorais. Mas, goste-se ou não, a melhor maneira de honrar os superiores interesses da Nação e comemorar o 25 de Novembro será aceitar o caminho que ele abriu: o do exercício de um regime baseado na legitimidade democrática, pois é aí que reside a diferença entre o que essa data significa e o modelo alternativo que ela derrotou.

Embaixador reformado

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