Banco de Portugal com exposição elevada à dívida grega durante a crise

Banco de Portugal diz que as compras de dívida pública helénica foram feitas entre 2006 e 2008, quando a Grécia ainda não tinha rating “lixo”.

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AFP PHOTO / ANDREAS SOLARO

Por causa de compras efectuadas entre 2006 e 2008, o Banco de Portugal atravessou o auge da crise da moeda única, com uma das exposições mais elevadas à dívida pública grega entre todos os bancos centrais da zona euro, mostram os números de devolução dos lucros à Grécia a que o PÚBLICO teve acesso.

Em Novembro de 2012, na negociação do segundo programa de resgate grego e na tentativa de evitar os efeitos negativos para todos de um default, os governos da zona euro decidiram que os lucros que viessem a ser conseguidos pelos diversos bancos centrais com a compra e venda de dívida pública grega acabariam por ser devolvidos pelos respectivos Estados assim que estes recebessem nos seus cofres os dividendos das autoridades monetárias.

Os lucros têm sido significativos porque, por causa do baixo valor de mercado da dívida pública grega, os bancos centrais puderam comprar os títulos a um valor muito baixo e depois receber na íntegra o valor nominal quando as obrigações atingem a maturidade.

Foram feitos dois tipos de compras. O primeiro estava relacionado com o programa de compras de obrigações lançado pelo BCE no início da crise, que levou a que os bancos centrais adquirissem dívida grega (e também portuguesa, italiana, irlandesa e espanhola) de acordo com o peso da sua economia e da sua população no PIB. O segundo fez parte da normal gestão de activos que um banco central tem de fazer, investindo parte do seu dinheiro nos mercados, com um peso significativo de títulos de dívida pública.

Foi neste tipo de compras que o Banco de Portugal se destacou dos seus parceiros europeus, uma vez que os lucros que conseguiu obter e que teve depois de transferir para a Grécia foram relativamente mais elevados do que os dos outros países.

De acordo com os números obtidos pelo PÚBLICO, depois de em 2012 não ter sido feita qualquer transferência, em 2013 foram entregues por Portugal 74,7 milhões de euros, o segundo valor mais alto entre todos os países da zona euro, apenas atrás da França, que transferiu 149 milhões de euros. Em terceiro ficou a Espanha, com 60,8 milhões. No total, as transferências da zona euro para a Grécia foram de 681,8 milhões de euros.

Isto significa que neste ano, as transferências feitas por Portugal representaram 11% do total da zona euro, muito mais do que o peso do PIB português no PIB total que é de 2,1%.

Em 2014, os números são semelhantes. Da transferência de 580 milhões de euros feita pela zona euro, Portugal contribuiu com 69,1 milhões de euros, isto é 11,9% do total. Em termos absolutos, apenas a França transferiu mais: 101,8 milhões de euros.

Este peso significativo do Estado português nas transferências dos lucros dos bancos centrais para a Grécia já tinha sido destacado pelo presidente da República, quando afirmou que "em termos relativos, Portugal é o país que faz mais doações [à Grécia]".

A dúvida no entanto fica: o que é que levou o Banco de Portugal a ter níveis tão elevados de dívida pública grega no seu portefólio de investimento? Em resposta ao PÚBLICO, fonte oficial da instituição explica que “tendo em vista a diversificação dos investimentos e no quadro das Normas Orientadoras da Gestão de Ativos Financeiros do Banco de Portugal, foram adquiridos para a carteira a vencimento títulos de dívida governamental de diversos países da área do euro, entre os quais da Grécia”. E salienta que “no caso da Grécia, os títulos foram adquiridos entre Junho de 2006 e Dezembro de 2008, sendo que, à data da última compra, o nível creditício atribuído à República Helénica era de investment grade”.

A entidade agora liderada por Carlos Costa assegura assim que, mesmo antes de os problemas na Grécia começarem a ser conhecidos e de o rating ter sido reduzido para um nível “lixo”, não foram efectuadas mais compras, tendo os títulos sido mantidos até à maturidade por força dos acordos feitos a nível europeu. “Em Abril de 2009, antes do início da crise de dívida soberana europeia, o Banco de Portugal suspendeu a realização de investimentos em títulos gregos, tendo-se mantida a notação destes títulos em níveis investment grade pelas três principais agências de rating ainda por mais um ano”, diz o banco central.

Em 2015, estava previsto no Orçamento do Estado para 2015, a transferência de mais 98,6 milhões de euros para “proceder à realização da quota-parte do financiamento do programa de assistência financeira à Grécia”.

Essa transferência, contudo, não irá ser feita, por causa da forma tumultuosa como foi concluído o segundo programa grego e iniciado o terceiro. Como explicou ao PÚBLICO um porta-voz do presidente do Eurogrupo, Jeroem Dijjselbloem, “não houve qualquer discussão no Eurogrupo sobre uma possível transferência dos montantes equivalentes aos lucros [com a dívida pública grega] de 2015”. “Essas medidas tinham sido acordadas em Novembro de 2012 e estavam ligadas à implementação bem-sucedida do segundo programa da Grécia, que agora já expirou. Qualquer nova transferência dos lucros exigiria um novo acordo dentro do Eurogrupo”, afirma este responsável.

Esta é assim mais uma ajuda, embora relativamente modesta, para a concretização das metas do défice português deste ano.

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