A vida é bela para Petite Noir

O sul-africano Petite Noir deu há três anos um excelente concerto no Vodafone Mexefest que poucas pessoas viram. Agora que acaba de lançar o seu álbum de estreia, Life Is Beautiful, tratará de mostrar que fazer canções a partir de Joy Division e afro-house não é nada do outro mundo.

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Yannick Ilunga nasceu para a música na igreja, cantando e tocando nesse ambiente, até que um dia o músico sul-africano Spoek Mathambo o desafiou para colaborar com ele DR
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Apesar de cada uma das canções respirar diferentes ascendências, o mosaico é sempre sintetizado por entre sequências rítmicas oscilantes, atribuindo a cada uma a dose certa de fisicalidade, ambiente e romantismo DR

Foi na edição de 2012 do Vodafone Mexefest que o vimos pela primeira vez em acção. Na altura, para a generalidade do público, era um desconhecido, não surpreendendo que estivessem para aí apenas 30 pessoas a assistir ao concerto de Petite Noir no Ateneu Comercial de Lisboa. Este sábado, no Cinema São Jorge, será certamente diferente. Passaram três anos, lançou mais dois EP, o seu nome foi-se tornando conhecido e o álbum de estreia (Life Is Beautiful) saiu recentemente.

Certamente que haverá mais gente a assistir ao seu concerto, mas deverão ser semelhantes a energia e a jovialidade com que Yannick Ilunga, assim se chama Petite Noir, colocou na sua função de palco dessa vez, e que deverão ter contribuído para que as 30 pessoas que o viram nessa altura nunca mais lhe tenham perdido o rasto. Se o Vodafone Mexefest é também espaço de descoberta, ele constituiu um bom exemplo. “Recordo-me bem desse concerto, sim, tivemos muitos problemas de som”, ri-se, evocando que gostou muito da dinâmica de Lisboa. 

“Penso que desta vez será diferente, tenho uma formação de músicos mais estabilizada a tocar comigo e entretanto também fui acumulando experiência, mas espero que essa vibração positiva que diz ter sentido se mantenha”, reflecte ele,  acrescentando que espera “ver as pessoas a dançar e a desfrutar com alegria da música”. Ao longo da conversa utilizará mais vezes a expressão “vibração positiva”, o que até não espanta para quem chamou ao seu álbum de estreia Life Is Beautiful. “É importante retirar tudo o que de positivo nos acontece, mesmo quando passamos por fases negativas”, justifica ele, ao mesmo tempo que nos confessa ser um “homem de fé”, que mantém ainda uma forte ligação com a igreja. “Rezo todos os dias”, diz.

"Noirwave"
Yannick Ilunga nasceu aliás para a música na igreja, cantando e tocando nesse ambiente, até que um dia o músico sul-africano Spoek Mathambo o desafiou para colaborar com ele. Na altura vivia na Cidade do Cabo, aonde ainda regressa com assiduidade. Filho de mãe angolana e de pai congolês, foi na África do Sul que cresceu, residindo hoje – “pelo menos a maior parte do tempo”, ri-se – em Londres. “Diria que Londres é a minha base, mas na verdade nos últimos anos estou sempre em trânsito."

É alguém em movimento, e isso reflecte-se na sua música, que gosta de denominar como sendo “noirwave”, mistura de new wave (os Joy Division, os Echo & The Bunnymen ou os Talking Heads estão entre as suas influências) com novos sons africanizados na esteira do kwaito sul-africano, do kuduro luso-angolano ou dos sons urbanos do Congo. Mas essa é apenas uma porta de entrada no seu universo.

Na verdade, o seu álbum de estreia é bastante diverso. Há canções que respiram alguma da energia rock, outras mais físicas, próximas de alguma música africana, e outras ainda com elementos de R&B. A pairar sobre tudo, a sua omnipresente guitarra nervosa na esteira dos Vampire Weekend ou dos TV On The Radio e, principalmente, a sua voz, capaz de transições inesperadas, do falsete ao barítono.

Apesar de cada uma das canções respirar diferentes ascendências, o mosaico é sempre sintetizado por entre sequências rítmicas oscilantes, atribuindo a cada uma a dose certa de fisicalidade, ambiente e romantismo. Curiosamente, quando fala de nomes que lhe mereçam respeito nomeia um com quem não é fácil encontrar paralelismos: Kanye West. “Quando digo que ele é uma influência, não é tanto pela sua música, mas mais pela atitude aventureira que tem com a música. Nesse sentido, não existem por aí muitos como ele. Quando ouvi o seu álbum 808 & Heartbreak devia ter para aí uns 16 anos e isso marca muito. De repente ficamos a imaginar que é possível fazer tudo a partir dali, o que é um bom pensamento.” Com West nunca colaborou, mas com o rapper Mos Def (Yasiin Bey) e com a cantora Solange, irmã de Beyoncé, isso já sucedeu. E não se importaria de se cruzar com Björk. 

O eclectismo que o seu álbum denota é visto por ele da forma mais natural do mundo. “O contrário é que seria contranatura para mim”, reflecte. “Desde muito novo que oiço os mais diversos géneros de música e nem concebo que possa ser de outra forma. Para mim é perfeitamente normal ouvir rock americano ou música house africana.” Essa diversidade, curiosamente, está menos presente em palco, ou pelo menos aí é diluída. Ao vivo, o que se evidencia é essa capacidade de transformar tudo à sua passagem num rolo compressor orgânico, com linhas de baixo redondas, uma guitarra curvilínea, uma bateria nervosa e uma voz soul eficaz.

“Por muito que goste de estar em estúdio e de criar música com outras pessoas dessa forma, a verdade é que aquilo que me dá verdadeiramente prazer são os concertos. É aí que sinto que me posso expressar totalmente”, diz ele, apesar de nada na sua actividade ser deixada ao acaso. Faz aliás parte de um colectivo multidisciplinar – The Drone Society – em que a interacção artística é uma constante.

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“Cada um faz a sua coisa nesse contexto, seja música, design ou moda, mas no fim de contas essas diferentes sinergias podem ser dirigidas para o trabalho de alguém em particular. É isso que acontece no meu caso. Eu faço música, mas tenho pessoas ao meu lado, pertencentes a este colectivo, que colaboram visualmente, no trabalho mais artístico, ou até na parte mais de negócio. Vivemos num mundo onde a partilha entre pessoas de diferentes áreas é necessária e é isso que fazemos.”

Quando falamos com ele é manhã cedo. Diz que não tem grande rituais quotidianos, a não ser “orar um pouco”, logo depois de se levantar. A seguir tudo pode acontecer. “No fim de contas, a vida é bela por isso”, diz ele, fazendo uma pausa, antes de concluir: “Porque todos os dias acabam por ser diferentes, mesmo os que parecem iguais.” 

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