Economistas em Belém "chumbam" programa do PS nas entrelinhas

Choveram críticas mais ou menos directas, inclusive dos socialistas: devia privilegiar-se o investimento e não o consumo, têm que se cumprir os compromissos internacionais assumidos, é preciso continuar a consolidar as finanças públicas e baixar o défice.

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Bagão Félix Miguel Manso
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Teixeira dos Santos Miguel Manso

Ninguém foi taxativo a recusar um Governo do PS ou uma solução de um executivo de gestão, mas todos atiraram algumas achas para a fogueira em que os socialistas se têm queimado nas últimas semanas. Umas que levantam mais chamas do que outras. Mas não houve nenhum economista que saísse da audiência com o Presidente da República a elogiar o programa que o PS apresentou. Pelo contrário. O que mais se ouviu foram críticas, mesmo dos socialistas – umas mais contundentes, outras mais subliminares – ao programa, num chumbo lido nas entrelinhas das declarações feitas aos jornalistas, com ou sem perguntas.

João Salgueiro abriu as hostilidades, com argumentos repetidos por Bagão Félix e Augusto Mateus. O antigo ministro das Finanças de Balsemão classificou o acordo entre os partidos à esquerda como uma “estratégia de oportunidade”, uma “convergência táctica” com o objectivo comum de se verem livres de um Governo chamado de direita e não uma verdadeira “convergência estratégica técnica” de conteúdos para o futuro do país.

É uma “ideia útil” de António Costa, mas devia ter sido feita antes das eleições. “Isto não foi objecto de eleições. [Os partidos da] actual convergência de esquerda diziam mal uns dos outros na campanha e [a aliança entre eles] não foi posta aos portugueses”, criticou João Salgueiro, em sinal de reprovação de uma solução governativa de esquerda, mas que se recusou a concretizar.

O ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos defendeu que uma convergência estratégica só seria efectivamente possível num Governo PS/PSD. “Porque o PS e o PSD ao longo das décadas têm tido o mesmo projecto, o mesmo conjunto de prioridades e objectivos. Não têm tido é a eficácia necessária.” E criticou Mário Centeno por fazer um programa para aumentar a despesa, em vez de um programa para aumentar o investimento.

Cáustico foi também António Bagão Félix: nos documentos dos partidos de esquerda "não há alusão a reformas sistémicas, não há alusão ao sistema financeiro, não há alusão à dívida pública, não há alusão às questões europeias", enumerou. E argumentou que das 27 medidas de curto prazo que os partidos elencam, 16 aumentam a despesa pública, seis diminuem a receita fiscal e apenas três terão impacto neutro.

Admitiu que o cenário é "muito complexo" e restam as hipóteses de um Governo de gestão ou um dar posse a um executivo do PS. Ambas têm vantagens e desvantagens: "Não há soluções neutras nem bactereologicamente puras", afirmou Bagão Félix, mas, questionado com insistência, não as enumerou. Recusou a imagem de um Presidente de mãos atadas. "Dá ideia de que, em tese, o Presidente funciona com a Rainha de Inglaterra", ironizou, realçando que "não é obrigado a aceitar uma qualquer solução governativa que lhe seja oferecida previamente pelo Parlamento".

"Importância excessiva" do consumo
Daniel Bessa foi o primeiro a discordar da importância “excessiva” que se tem dado ao consumo e ao mercado interno, quando a preocupação deveria ser fomentar as exportações. A situação económica portuguesa “continua bastante difícil” e o mercado interno português é “muito pequeno”, pelo que o antigo ministro da Economia de António Guterres e director-geral da COTEC deseja ver o mercado interno crescer, sim, mas “através das receitas da exportação”, e não por uma política de aumento de rendimento disponível, como propõe o PS.

À internacionalização da economia, Augusto Mateus haveria de somar o investimento em factores competitivos como a inovação e a tecnologia para estimular o crescimento da economia. E defendeu ser preciso, depois de um ajustamento demasiado financeiro, equilibrar a dimensão financeira e a dimensão económica".

Luís Campos e Cunha trouxe uma mensagem de pedagogia: É “muito importante” que os agentes políticos, em especial os deputados da Assembleia da República, tenham “calma”. Ou “os ataques pessoais que se vêem à esquerda e à direita não contribuem para o clima de estabilidade”.

“Para prosperar, a economia precisa de estabilidade política e de estabilidade de propósitos para [os investidores] poderem planear a prazo, de rigor e estabilidade financeira, de flexibilidade e baixos custos de contexto”, haveria de defender também o ex-presidente do BES/Novo Banco e conselheiro de Estado, Vítor Bento.

O ex-ministro das Finanças de Sócrates, Fernando Teixeira dos Santos, preferiu salientar a urgência de uma solução governativa que possibilite a aprovação de um quadro orçamental, tanto para 2016 como para os anos seguintes, “o mais rápido possível” no Parlamento – fugindo assim à pergunta sobre a indigitação de um executivo PS. Mas deixou um recado que contraria as ideias dos aliados do PS à esquerda: Portugal tem de sair da situação de défice excessivo – um sinal importante que o país deve dar para o exterior – e de cumprir, obrigatoriamente, os compromissos internacionais que assumiu.

Deve ser um quadro orçamental que, enumerou Teixeira dos Santos, “respeite os nossos compromissos europeus, sinalize claramente que o país vai continuar empenhado nas finanças públicas perfeitamente sãs e controladas para que possa ir aliviando, ao longo do tempo, o peso da dívida que tem”. E vincou: “O que é importante é que o Governo, com o seu orçamento, com o seu programa, mantenha lá que quer manter os compromissos com o exterior, com a Europa.”

Depois dos economistas e do governador do Banco de Portugal (que não fez declarações), e dos banqueiros na quarta-feira, esta sexta-feira são recebidos pelo Presidente os partidos com assento parlamentar, do mais para o menos votado. Se ainda for consultado o Conselho de Estado, a Presidência deverá anunciá-lo à tarde.

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