Tribunal manda ler todo o livro discutido pelos activistas angolanos detidos

Na tarde desta quinta-feira foram lidas 32 das mais de 180 páginas do manual. Julgamento que tinha datas marcadas só até esta sexta-feira vai prosseguir.

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Paulo Pimenta

Uma parte do quarto dia de julgamento dos activistas angolanos acusados de rebelião foi, esta quinta-feira, passada com a leitura do livro que serviu de base às discussões que tiveram entre eles e nas quais o Ministério Público afirma que decidiram “destituir e substituir” o “ditador José Eduardo dos Santos”.

A decisão do juiz de ser feita em tribunal a leitura integral do manual Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura foi considerada “absurda” por um dos advogados de defesa, David Mendes, em declarações ao PÚBLICO. A leitura deve continuar esta sexta-feira, o que torna impossível que o julgamento termine esta semana, como previa o calendário inicial, até porque o tribunal não concluiu ainda a audição do terceiro dos 17 arguidos acusados de “actos preparatório” de rebelião: 15 homens detidos e duas mulheres em liberdade.

A sessão de quinta-feira começou com o interrogatório do arguido terceiro, Domingos da Cruz, jornalista e professor universitário, autor do manual – uma adaptação “à realidade angolana” da obra Da ditadura à democracia, do norte-americano Gene Sharp. Depois, o juiz decidiu que a obra seria lida na sua totalidade. Foram lidas durante a tarde 32 das mais de 180 páginas do manual.

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“Há uma atitude premeditada do juiz, apoiado pelo Ministério Público, de atirar para as calendas gregas a decisão do processo”, disse ao PÚBLICO outro dos advogados de defesa, Luís Nascimento, que considera a decisão uma “manobra puramente dilatória”, que considera “inexplicável”.

Em declarações ao site Rede Angola, David Mendes disse que o prazo de cinco dias fixado para o julgamento foi “totalmente impensado” e explicou que o processo ainda passará pelas fases das audição de declarantes e testemunhas, que poderá ser requerida uma fase de discussão de matéria probatória, e, por fim, pelas alegações, seguidas dos quesitos e do acórdão.

Filha de advogado no processo
Na sessão desta quinta-feira, Mendes, um crítico do regime, encontrou no processo o seu nome escrito na fotografia de uma das suas filhas, Rosa Mendes, e decidiu que quando o caso chegar ao fim vai querer saber porque aconteceu isso. “Tive acesso como profissional, vou esperar para depois pedir certidões para saber porque colocaram o meu nome”, afirmou.

O advogado admite que Rosa Mendes, também activista, tenha sido investigada e que “por algum lapso” a foto não tenha depois sido retirada do processo. Mas quer explicações.

Tal como nos dias anteriores, o julgamento decorreu sem a presença da imprensa nem de diplomatas estrangeiros –  impedidos de acompanhar o julgamento.

Activistas e familiares dos detidos têm denunciado a forte presença de polícias à paisana na sala de audiências com capacidade para escassas dezenas de pessoas, uma situação que já mereceu críticas de advogados.

Mónica Almeida, a mulher de Luaty Beirão, o detido que fez greve de fome durante 36 dias, queixa-se do mesmo. “Constatamos que já na sala de espera estavam os que alegam ser ‘nossos parentes afastados’ mas que desconhecemos como tal, mas [sim] como agentes que até estiveram a regular as visitas do Luaty na clínica”, escreveu, num post reproduzida na página do Facebook do marido.

Ao contrário do que aconteceu nos primeiros dias do julgamento, em que activistas e advogados de defesa denunciaram agressões a detidos, negadas pelos serviços prisionais, não houve, nesta quinta-feira informaçõs sobre casos do género.

Para além de uma situação, ocorrida na terça-feira, com o detido Afonso Matias, conhecido como Mbanza Hamza, que levou a defesa a anunciar uma participação por crime de ofensa corporal, foram denunciados maus-tratos a Manuel Nito Alves e a Albano Evaristo Bingo Bingo. O Ministério Público anunciou também a intenção de levantar processos-crime aos activistas Hitler Tchikonde, Mbanza Hamza, Benedito, Nuno Dala e Luaty Beirão, por terem surgido em tribunal com palavras de ordem anti-regime escritas nos uniformes prisionais.

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