Salgueiro critica ausência de estratégia da esquerda, Campos e Cunha pede calma

Presidente da República recebe esta quinta-feira sete economistas, entre eles cinco ex-ministros das Finanças. Daniel Bessa critica a importância "excessiva" dada ao consumo e ao mercado interno e defende antes a aposta nas exportações.

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João Salgueiro foi um dos fundadores da Sedes. Marcello Caetano aconselhou-o a não se envolver Nuno Ferreira Santos

O acordo entre os partidos à esquerda é uma “estratégia de oportunidade” como objectivo comum de se verem livres de um Governo chamado de direita e não uma verdadeira “convergência estratégica” para o futuro do país, considera João Salgueiro, antigo ministro das Finanças de Balsemão e ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos.

O economista, ouvido esta quinta-feira pelo Presidente da República, defendeu perante os jornalistas que os acordos entre o PS e os partidos à sua esquerda são uma “jogada arriscada” até porque nos documentos tornados públicos não se notam objectivos estratégicos comuns.

João Salgueiro defendeu que o país precisa de ter uma convergência estratégica e não táctica”, como a definida entre os partidos de esquerda. E essa convergência estratégica só é efectivamente possível num Governo PS/PSD. “Porque o PS e o PSD ao longo destas décadas, têm todos tido o mesmo projecto. Não têm tido a eficácia necessária. Podiam ter sido mais eficazes, mas todos têm o mesmo conjunto de prioridades e objectivos.”

O economista diz que a chamada convergência de esquerda é uma “ideia útil” de António Costa, mas devia ter sido feita antes das eleições. “Isto não foi objecto de eleições. [Os partidos da] actual convergência de esquerda diziam mal uns dos outros na campanha e [a aliança entre eles] não foi posta aos portugueses”, criticou João Salgueiro, em sinal de reprovação de uma solução governativa de esquerda, mas que se recusou a concretizar.

Sobre um eventual Governo de gestão, João Salgueiro repetiu o que já disse em ocasiões anteriores: “O preço que se paga não é pelo que se faz naquele período, mas é pelo que não se faz - e a herança que fica que é muito má.”

Ataques pessoais na política devem acabar
Luís Campos e Cunha trouxe uma mensagem de pedagogia. O primeiro ministro das Finanças do primeiro Governo de José Sócrates e antigo vice-governador do Banco de Portugal vincou que a situação do país não é de instabilidade política, mas sim de instabilidade governativa, o que é um “problema” menor.

Porém, a estabilidade governamental é necessária para garantir outro tipo de estabilidade “muito mais fundamental” para a economia portuguesa: a estabilidade das leis fiscais, das leis laborais, sem as quais não pode haver previsibilidade, e não havendo previsibilidade não há business plan, não há investimento e a económica portuguesa poderá entrar novamente em recessão”, enumerou o economista.

Depois, veio uma espécie de puxão de orelhas. Campos e Cunha defendeu ser “muito importante” que os agentes políticos, em especial os deputados da Assembleia da República, “tenham outra calma e outra posição face aos problemas nacionais”.

“Os ataques pessoais que se vêm à esquerda e à direita não contribuem para esse clima de estabilidade”, avisou, acrescentando que, além disso, levam a um “afastamento da sociedade civil”. Aliás, a sociedade civil tem mesmo tido, na opinião de Campos e Cunha, “tem comportamentos civicamente muito mais calmos” do que os dos políticos.

Vítor Bento pede estabilidade política e financeira e baixos custos de contexto
Sem direito a perguntas dos jornalistas e em apenas três frases, o economista Vítor Bento deixou esta quinta-feira no Palácio de Belém uma mensagem vaga sobre a necessidade que a economia tem de estabilidade política, de “propósitos” e financeira.

No final da sua audiência de cerca de meia-hora com o Presidente da República, o economista e conselheiro de Estado Vítor Bento fez uma curta declaração começando por dizer que as pessoas “precisam de uma economia que prospere para poderem melhorar as suas vidas”.

“Para prosperar, a economia precisa de estabilidade política e de estabilidade de propósitos para [os investidores] poderem planear a prazo, de rigor e estabilidade financeira, de flexibilidade e baixos custos de contexto”, acrescentou o ex-presidente da SIBS e do BES/Novo Banco.

E deixou um desejo: “Nesse sentido, é razoável esperar e desejar que a sociedade política consiga produzir as soluções políticas, nomeadamente governativas, que assegurem essas condições.”

Daniel Bessa critica importância "excessiva" do mercado interno
O economista Daniel Bessa alertou depois para a importância “excessiva” que se tem dado ao consumo e ao mercado interno, quando a preocupação deveria ser em fomentar as exportações. Considerando que a situação económica portuguesa “continua bastante difícil”, o antigo ministro da Economia de António Guterres e director-geral da COTEC, realçou que a economia portuguesa “é das que cresceu menos no mundo inteiro desde há 15 anos; isto há-de ter as suas razões, e não muda de um dia para o outro”.

Daniel Bessa lembrou que o mercado interno português é “muito pequeno” e que o país tem uma economia “muito aberta”, deixando o consumo vulnerável perante economias fortes como a China e a Rússia. “A boa novidade destes últimos anos tem que ver com o crescimento das exportações e que assim terá de continuar”, desejou Daniel Bessa, que diz desejar que o “mercado interno cresça através das receitas da exportação”.

Já nas contas públicas, o economista admite que embora se tenha melhorado - “não tanto como nas exportações” – mas avisa que é “importante que o rumo [de consolidação] seja mantido”. Daniel Bessa recusou fazer quaisquer análises sobre a actual crise política criada com a rejeição do programa de Governo no Parlamento, alegando saber “muito pouco” de política.

Depois de ter ouvido os principais banqueiros portugueses na quarta-feira, Cavaco Silva convidou para audiências nesta quinta-feira, em Belém, um grupo de economistas com “profundo conhecimento da realidade económica nacional”, como descreveu a Presidência da República. Da lista, além dos dois conselheiros de Estado escolhidos pelo Presidente, Vítor Bento e António Bagão Félix, constam os antigos ministros das Finanças do PS Fernando Teixeira dos Santos, Luís Campos e Cunha, e do PSD João Salgueiro, assim como os antigos ministros da Economia de Guterres Daniel Bessa e Augusto Mateus. São quatro ministros de governos socialistas e dois de executivos sociais-democratas. Amanhã será a vez dos sete partidos com assento parlamentar.

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