Câmara de Lisboa desviou 800 mil euros do Orçamento Participativo para outras obras

Mais de 1500 pessoas deram o seu voto, em 2011, para que a câmara decidisse fazer, com o dinheiro do Orçamento Participativo, uma obra por ela avaliada em 800 mil euros. Afinal a obra custa 480 mil euros e é paga pela EDP. O dinheiro do OP foi para fazer outras coisas na mesma zona.

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Em causa as obras no parque urbano do Rio Seco Ricardo Campos
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Três anos depois da data prevista para o seu acabamento, está actualmente em construção a última fase do Parque Urbano do Rio Seco, junto ao pólo universitário da Ajuda, em Lisboa. Designada como “Parque Urbano do Rio Seco - 4ª fase”, a obra é da responsabilidade da EDP, que a financia integralmente no quadro de um protocolo celebrado com o município em 2011. Os 800 mil euros que a câmara inscreveu no seu plano de investimentos de 2012 e 2013 para pagar um projecto exactamente com o mesmo nome e para o mesmo local, eleito pelos munícipes no âmbito do Orçamento Participativo (OP) de 2011, foram desviados para a empreitada de qualificação do espaço público do vizinho Bairro 2 de Maio, já terminada.

A construção da 4ª fase do Parque Urbano do Rio Seco, no vale situado entre a Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa e o bairro camarário 2 de Maio, perto do Palácio da Ajuda, é uma das quatro obras que a EDP se comprometeu a realizar e financiar. O compromisso consta de um protocolo aprovado em Junho de 2011 pelo executivo camarário e assinado no mês seguinte por António Costa e pelo presidente da EDP.

Para lá da conclusão do Parque Urbano do Rio Seco, cujas segunda e terceira fases — relativas à zona do monumento geológico e das grutas do Rio Seco, situadas na parte inferior do vale —, tinham sido financiadas pelo OP de 2008 e 2010, a EDP obrigou-se então a criar um espaço verde na Quinta do Zé Pinto, em Campolide, e outros dois em Marvila e no Alto de São João.

Eleito com 1539 votos
A intervenção da EDP nestes locais correspondia a uma parte das compensações negociadas com o município em troca dos terrenos necessários à construção, naquelas zonas, de quatro sub-estações de distribuição de electricidade. 

Embora o protocolo tenha sido aprovado em Junho de 2011 e contemplasse o financiamento da conclusão do parque do Rio Seco pela EDP, no valor de 480 mil euros, a câmara deixou nesse mesmo Verão que o projecto da obra, elaborado pelos seus serviços com um orçamento muito superior, de 800 mil euros, fosse incluído no OP desse ano, recebendo 1539 votos. 

O projecto com o nome “Implementação do Parque Urbano do Rio Seco - 4ª Fase”, elaborado pelos serviços camarários a partir das propostas dos munícipes que desejavam ver o parque terminado, foi o quarto mais votado entre os 227 submetidos a votação e foi contemplado com 800 mil euros. Nesse ano, conforme o regulamento do OP então em vigor e em resultado da votação, a câmara comprometeu-se a financiar e concretizar, no prazo de 24 meses, os cinco projectos vencedores com um total de 4,6 milhões de euros saídos do seu orçamento.

A execução do projecto do Rio Seco foi inscrita no plano de investimentos do município para 2012 e 2013 na rubrica correspondente  às despesas em “parques e jardins” do Departamento da Estrutura Verde, com a verba atribuída de 800 mil euros.

Até há alguns meses, porém, a parte superior do vale do Rio Seco, ao lado e por baixo do Instituto Superior de Ciência Sociais e Políticas, permaneceu ao abandono, sem qualquer obra. No princípio do Verão, um painel de grandes dimensões instalado no local anunciava que a obra então iniciada era da responsabilidade da EDP e intitulava-se “Parque Urbano do Rio Seco - 4ª fase”.

De então para cá foram abertos caminhos, montada a respectiva iluminação, construído um conjunto de pombais em madeira, um picadeiro e instalações apropriadas para os 20 cavalos de moradores na zona que ali ocupavam algumas barracas, mas ainda falta fazer muita coisa. Tudo faz pensar que está finalmente em construção a última fase do parque urbano cujo projecto venceu o OP de 2011. A obra, no entanto, está a ser paga pela EDP, ao abrigo do protocolo que lhe atribuiu 480 mil euros, e não pelo orçamento camarário onde tinha sido inscrita com 800 mil euros do OP. 

A explicação da câmara
Questionada insistentemente pelo PÚBLICO sobre o destino dado a esta verba do OP, a Câmara de Lisboa respondeu por escrito que “o Parque Urbano do Rio Seco 4ª fase, divide-se em duas frentes: envolvente do Bairro 2 de Maio, resultante do projecto vencedor do Orçamento Participativo 2011/12, e qualificação do Vale e Planalto do Rio Seco, cuja execução está em curso a cargo da EDP.”

Ou seja, o assessor de imprensa do vereador José Sá Fernandes, João Camolas, sustenta que a obra em curso no Parque Urbano do Rio Seco, não tem nada a ver com o OP e que o projecto escolhido pelos munícipes se referia à “envolvente do Bairro 2 de Maio”, já executada.

De facto, o Bairro 2 de Maio foi alvo de um vasto conjunto de trabalhos concluído recentemente, mas essa obra é totalmente distinta daquela que os munícipes elegeram para ser financiada pelo OP. A única coincidência está em que as obras do bairro também foram orçamentadas pelos serviços camarários em perto de 800 mil euros e situam-se numa zona contígua ao vale do Rio Seco.

A intervenção no bairro foi feita através da empreitada nº 26/DMAU/2012, da Direcção Municipal de Ambiente Urbano, e recebeu a designação, no anúncio camarário de abertura do respectivo a concurso público, em Março de 2013, de “Qualificação do Rio Seco 4 - Bairro 2 de Maio”. Sem abandonar a referência ao Rio Seco, o nome dado à empreitada parece pretender fazer a ponte com o projecto do OP, embora nada tenha a ver com ele.

De resto, na informação escrita sobre a actividade camarária apresentada à Assembleia Muncipal em Setembro do ano passado pelo anterior presidente da câmara, António Costa, aquela empreitada é designada com um nome que traduz a verdade da obra: “Qualificação do espaço público do Bairro 2 de Maio”. A seguir ao nome da obra, todavia, o director municipal que subscreve este capítulo da informação escrita, acrescenta: “Financiamento do Orçamento Participativo (Empreitada 26/DMAU/2012)”, confirmando assim que a verba do OP não foi aplicada na conclusão do Parque Urbano do Rio Seco.

Os trabalhos efectuados através da empreitada de qualificação do espaço público do Bairro 2 de Maio consistiram fundamentalmente na repavimentação de todas as ruas, reconstrução dos passeios, instalação de novos contentores de lixo, substituição do sistema de iluminação pública plantação de árvores e arranjo de pequenos espaços verdes.

"O que interessa é a obra"
Quem também não percebe muito bem o que é que se passou com o projecto vencedor do OP de 2011 é o presidente da Junta de Freguesia da Ajuda, o socialista José Videira. “Para nós não interessa quem é que pagou. O que interessa é que a obra esteja feita e concluída”, afirma o autarca, que já estava à frente do executivo quando o projecto da conclusão do parque urbano venceu o OP. 

“A perspectiva inicial do OP era só a ravina, mas alargou-se um bocadinho ao interior do Bairro 2 de Maio”, onde foi requalificado o espaço público, diz José Videira, frisando que estas intervenções são da responsabilidade da câmara e não da junta. No que respeita à conclusão do parque urbano, na zona a que chama “ravina”, o autarca refere que a câmara pediu a colaboração da junta para gerir o centro hípico ali criado e diz que os donos dos cavalos, residentes no Bairro 2 de Maio, “entenderam o projecto” e colaboraram na sua concretização. 

Os animais, pertencentes a nove proprietários, estavam instalados em várias barracas, mas são bem tratados e servem para actividades de lazer dos seus donos e familiares, tendo a câmara decidido assumir os custos da sua reinstalação. Também alguns pombais precários que existiam na zona vão ser transferidos para a “aldeia columbófila” que a EDP já ergueu no local. 

No caso do centro hípico, José Videira diz que a junta ficará responsável pela gestão, manutenção e conservação do espaço, e ainda pelo fornecimento de água e luz. Os donos dos cavalos, por seu lado, comprometeram-se a colaborar em iniciativas de carácter pedagógico e em actividades da junta de freguesia.

Um deles, Marco Batista, um trabalhador gráfico de 36 anos, elogiou a iniciativa da câmara. “Ficámos com condições que nunca imaginámos”, disse ao PÚBLICO, referindo-se ao novo picadeiro e às modernas cavalariças de que agora passam a dispor sem qualquer custo. De acordo com o porta-voz do vereador Sá Fernandes, a criação do centro hípico implicou contactos com a junta de freguesia e a Faculdade de Medicina Veterinária, localizada nas proximidades, e foi “um dos pontos que provocou o atraso na conclusão total dos trabalhos” financiados pela EDP e que deviam ter ficado prontos em Julho de 2012. A sua conclusão está prevista para Janeiro de 2016.

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