Poemas num postal da Califórnia

Pessimistas, mas banhados pelo Sol. São os Gun Outfit, uma banda a descobrir e a receber.

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Os Gun Outfit insistem num pessimismo sensato e inteligente, dirigido ao mundo, ao conhecimento, à sociedade

Há pouco mais de uma semana, o site Pitchforkmedia, interrogava-se, num artigo inteligente, sobre a simpatia que certos intérpretes do punk demostraram pelas declinações da música country. As razões eram diversas (circunstâncias, contextos culturais, relações afectivas) e permitiam compreender cada exemplo. Ora o caso dos Gun Outfit ficaria muito bem no dito texto. Vindos da cidade de Olympia, Noroeste dos EUA, fizeram jus às origens com Dim Light (2010), disco que suavizava, com o lirismo da K Records, a velocidade dos Hüsker Dü e o volume dos Dinosaur Jr. Fora dos estúdios, afirmaram, entretanto, uma posição. Insistiam em tocar em espaços devolutos, armazéns, lojas de discos e livrarias. Foi o suficiente para a maioria da crítica afirmar: “Os Gun Outfit são punk-rockers genuínos” (embora, acrescente-se mais letrados do que muitos dos seus pares).

A partir de 2011 o rimo foi desacelerando e a distorção emudecendo. E discreta, mas acertadamente, as canções subiram à superfície. A recente mudança de ares terá contribuído para a metamorfose. Estabelecidos há mais de um ano em Los Angeles, os Gun Outfit banham-se agora no sol da Califórnia, na companhia dos The Byrds, Lucinda Williams, Bob Dylan, The Band ou Lee Hazlewood. Eis uma imagem que ilustra, como um postal, o quarto álbum de originais, Dream All Over. As primeiras notas de Gotta Wanna prometem a incandescência dos Mission of Burma, mas o que sobrevém é a gentileza. As guitarras e a bateria são puros veículos do diálogo de vozes entre Dylan Sharp e Caroline Keith que ora se separam, ora se juntam. Em termos sónicos, é difícil não evocar os Yo La Tengo, mas há uma clareza nos Gun Outfit que a banda de Hoboken nunca almejou. Daí que se ouça tão bem a voz de Keith, confiante, contra o claustrofobia do mundo moderno: “Deep water, open space/Gotta have room to move my body so I don’t go insane”.

A liberdade, a arte, as paisagens dos EUA, a história do rock and roll serão os assuntos que inquietam os Gun Outfit. E é muito bonito testemunhar o modo como os materializam numa arte tão imaterial. Legends of My Own, um das melhores canções do disco, parece habitada pela presença de Roger McGuinn, mas há algo no clamor tímido de Carrie que a afasta dos anos 60. E numa ode ambígua a Los Angeles, canta: “I looked familiar in a foreign land/I couldn’t speak, but I could understand / From another life I rode / Into a desert of my own / And when I put my blanket down / I’m going to dream all over”.

É, com Passo on Through, o momento mais cinético de Dream All Over. Nos restantes temas, a banda recua, sossega o rimo, exibindo e comunicando os versos (inspirados, dizem várias fontes, por Kenneth Anger e Susan Sontag). Em Only Ever Over anuncia-se o fim, a morte da música e da literatura. O tom é fúnebre, com a guitarra a escorregar, e Dylan lacónico, não parece preocupado. Mas no final, junta-se-lhe Carrie e ambos exortarão o ouvinte a um novo começo: “So cup a little coal/Try to make it glow / We’re going to have a fire before we go”. Esta redenção não é evidente nos magníficos Came to Be, Angelino (canção de perdição) e Worldly Way (com a Dylan a falar mais do que a cantar). Aproximando-se dos universos sonoros de Mazzy Star, OP8, Wall of Voodoo, Meat Puppets, os Gun Outfit insistem num pessimismo sensato e inteligente, dirigido ao mundo, ao conhecimento, à sociedade. Esta é sua a música punk, a sua música country. Por favor, recebam-na.

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