"Eu estive cinco meses em gestão", lembra Cavaco Silva

O Presidente da República avisa, na Madeira, que vai continuar a "recolher o máximo de informação junto daqueles que conhecem bem a realidade social, económica e financeira" do país antes de tomar uma decisão sobre a situação política.

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Cavaco Silva afirmou estar "descontraído" com o actual cenário político em Portugal ENRIC VIVES RUBIO

O Presidente da República tentou esta segunda-feira, na Madeira, desdramatizar a actual situação política do país, lembrando que em 1987, enquanto primeiro-ministro, esteve cinco meses à frente de um governo em gestão.

“Eu estive, como primeiro-ministro, cinco meses em gestão, disse Cavaco Silva, à margem da sétima jornada do Roteiro para uma Economia Dinâmica, aconselhando os jornalistas a recordarem as “medidas importantes” que o governo teve que tomar durante esse período.

Recusando comentar a situação política, porque estava na Madeira para falar de Economia Dinâmica, o Chefe de Estado sublinhou os passos que tem dado para resolver o impasse político, dizendo que vai manter os portugueses informados do que está a ser feito.

O calendário de Cavaco Silva para a resolução da crise política passa por “recolher o máximo de informação junto daqueles que conhecem a realidade social, económica e financeira portuguesa”, para depois poder orientar o poder político – “qualquer que ele seja” -, sobre as linhas que permitam o país manter uma trajectória de crescimento económico e de criação de emprego.

Um timing que não encontra eco nas palavras dos três candidatos à Presidência da República. Sampaio da Nóvoa, pediu no domingo, num jantar-comício em Lisboa, uma resposta rápida de Cavaco Silva, considerando que um governo de gestão é “inconstitucional”. O candidato independente argumentou que o actual momento de transição deve ser curto e excepcional.

Também Maria de Belém  já alertou que um governo de gestão não é adequado para o momento que o país vive, e mesmo o candidato mais à direita, Marcelo Rebelo de Sousa, defende que um país que está a sair de uma situação de crise, não pode viver sem Orçamento durante cinco ou seis meses.

Mas nada disto parece interferir com a agenda de Cavaco Silva, que voltou a sublinhar ontem que não se vai precipitar. “Vejam bem o que aconteceu quando as orientações adequadas não foram seguidas”, disse aos jornalistas, no final de uma visita à empresa tecnológica ACIN-iCloud Solutions, aconselhando os portugueses a seguirem o que está a fazer através da página online da Presidência da República.

O enigma de 1987
Sobre o seu governo de gestão em 1987, o Presidente da República não adiantou a solução do enigma. Mas uma consulta aos arquivos da época, há mais de 28 anos, revela aquilo a que Cavaco parece aludir. Dez dias depois de ter sido aprovada uma moção de censura contra o Governo que liderava (aprovada com os votos do PS, PRD e PCP), o então-primeiro-ministro, em “gestão”, foi a Pequim assinar um tratado importante.

Trata-se da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinada a 13 de Abril de 1987. Aí, Cavaco Silva, como primeiro-ministro português, e Zhao Ziyang, o seu homólogo chinês, “declaram que a região de Macau (incluindo a Península de Macau, a Ilha da Taipa e a Ilha de Coloane, a seguir designadas como Macau) faz parte do território chinês e que o Governo da República Popular da China voltará a assumir o exercício da soberania sobre Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999”.

Este é o exemplo que Cavaco, hoje, quer dar de actividade ao alcance de um Governo de gestão. A assinatura de um “tratado internacional bilateral”, para mais um que garantia a transferência de uma parte de território nacional, seria, deste ponto de vista, um exemplo bastante de que o país não fica entre parêntesis por ser governado por um Executivo deposto pelo Parlamento.

Mas o exemplo de Macau é, todavia, limitado. Desde logo porque as negociações deste tratado foram iniciadas dois anos antes, durante a visita de Estado do Presidente Ramalho Eanes a Pequim, em 1985. As negociações, propriamente ditas, realizaram-se entre 30 de Junho de 1986 e 23 de Março de 1987. Ou seja, antes da queda do Governo, a 3 de Abril desse ano. Por isso, a assinatura, por Cavaco Silva, foi apenas um passo de um processo que começara antes. E não terminou aí… O Parlamento português viria a ratificar o tratado já depois das eleições legislativas (19 de Julho de 1987) em Dezembro.

Nas declarações no Funchal, Cavaco Silva referiu-se especificamente a "dois casos de crise anteriores, que aconteceram em 1987 e em 2009", mas esta última referência foi um lapso. À Lusa, fontes de Belém esclareceram que o Presidente da República se referia, além do caso de 1987, ao Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Santana Lopes, tendo, por lapso, referido 2009 e não 2004.

No entanto, as mesmas fontes retificaram, ao final da tarde, que Cavaco Silva se referia, afinal, a 2011, quando o então primeiro-ministro socialista José Sócrates se demitiu. Em 2011, José Sócrates apresenta a sua demissão a 23 de Março, aceite 10 dias depois pelo Presidente da República, Cavaco Silva. A 7 de Abril, o Chefe de Estado anuncia a dissolução do parlamento e marca eleições antecipadas para 5 de Junho. E é já durante este período que o Governo faz o pedido de ajuda internacional e assina o memorando de entendimento com a troika. 

Roteiro pelas empresas de sucesso
Mas aqui, a única informação de agenda disponível é referente ao Roteiro para uma Economia Dinâmica, que Cavaco Silva iniciou ontem na Madeira, inaugurando o Design Centre Nini Andrade Silva. Ali, num antigo forte transformado em restaurante e centro de design, o Chefe de Estado visitou com interesse o espaço, recebeu um Menino Jesus estilizado da designer madeirense e ouviu-a dizer que nada mais era do que a imagem de uma grande equipa.

A comitiva presidencial rumou depois para a tecnológica, que Passos Coelho, em Maio passado, também visitou naquela que foi a primeira visita oficial à Madeira. A empresa, que desenvolve e produz soluções de software para todo o mundo, era um dos casos de sucesso que Cavaco Silva queria apontar na região. “Têm 62 mil clientes, e apenas 0,5% deles são portugueses”, sublinhou o Chefe de Estado, da apresentação do CEO da empresa, José Luís de Sousa.

E de sucesso em sucesso, a comitiva rumou a Câmara de Lobos, onde visitou as instalações da Vinhos Barbeito, que exporta 60% da produção para o “exigente” mercado japonês, e a futura unidade hoteleira do Grupo Pestana no Funchal, onde ouviu o secretário regional da Economia, Turismo e Cultura, apresentar os dados económicos da região autónoma e o peso que o turismo tem na Madeira. “Recebemos 24 turistas por habitante”, disse Eduardo Jesus, comparando estes números com o resto do país. “Só este ano, é que Portugal atingiu a marca dos 10 milhões de visitantes.”

A visita, que termina esta terça-feira com mais uma ronda por empresas que conseguem ultrapassar as limitações da ultraperiferia do arquipélago, foi bem recebida pelo presidente do Governo regional, Miguel Albuquerque. “É excelente para a Madeira que o senhor Presidente da República faça esta visita e conheça estes casos de sucesso”, afirmou o chefe do executivo madeirense, mantendo-se à margem da crise política em Lisboa.

Independentemente da cor política do Governo, Albuquerque garante um bom “relacionamento institucional”, acrescentando que este impasse em nada prejudica a Madeira. “Nós estamos a preparar próximo o Orçamento de forma a termos a nossa autonomia financeira, que foi sempre o nosso objectivo”, sintetizou.

Com regresso a Lisboa marcado para o final da tarde, Cavaco Silva embarca esta manhã na fragata NRP Bartolomeu Dias, para uma curta viagem até ao Caniçal, onde irá visitar empresas sediadas no Centro Internacional de Negócios da Madeira. À tarde, desloca-se ao Madeira Interactive Techonologies Institute, fazendo depois o balanço da jornada na sede do Governo regional.

 

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