Ataques em Paris aproximam Obama e Putin na reunião do G20

Presidentes dos EUA e da Rússia falaram durante 35 minutos à margem da reunião na Turquia e disseram que "é ainda mais urgente" encontrar uma solução para a guerra na Síria.

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Barack Obama e Vladimir Putin falaram durante 35 minutos AFP

Os ataques terroristas cometidos em Paris em nome dos extremistas do Estado Islâmico vieram alterar de forma radical as conversações internacionais que estavam agendadas para este fim-de-semana, tanto na Áustria, no sábado, como na Turquia, domingo e segunda-feira. Numa imagem que se tornou rara desde o início da guerra no Leste da Ucrânia, há quase dois anos, Barack Obama e Vladimir Putin estiveram à conversa mais de meia hora, em privado, num diálogo considerado "construtivo" por Washington.

O conteúdo da conversa não foi revelado, mas a fotografia partilhada na rede social Twitter pela representante russa na reunião do G20 na Turquia, Svetlana Lukash, adquiriu rapidamente o estatuto de imagem icónica: num canto reservado do hotel Regnum Carya, em Antalya, Obama e Putin estão sentados frente a frente, quase colados um ao outro, com expressões graves e a ouvirem atentamente o que um e outro têm para dizer.

As manifestações de esperança numa aproximação de posições sobre o que fazer para travar os extremistas do Estado Islâmico no Iraque, mas principalmente na Síria, não se fizeram esperar. A própria representante russa partilhou uma mensagem de um utilizador do Twitter que ficou bem impressionado com a fotografia: "Uma imagem rara de dois líderes mundiais com pontos de vista diferentes a discutir assuntos como adultos. O mundo precisa de mais momentos como este."

As declarações oficiais sobre a conversa entre Obama e Putin, que demorou cerca de 35 minutos, dão conta de uma conversa construtiva, apesar das já conhecidas diferenças.

"O Presidente Obama e o Presidente Putin concordaram com a necessidade de haver uma transição política liderada pelos sírios, que seria antecedida por negociações mediadas pelas Nações Unidas entre a oposição síria e o regime, para além de um cessar-fogo", disse à agência Reuters um representante da delegação dos Estados Unidos, sob a condição de anonimato. Segundo o mesmo responsável, Obama salientou a importância de a intervenção russa na Síria se concentrar no combate ao Estado Islâmico – uma das críticas que são feitas ao envolvimento da Rússia é que as suas forças têm atacado também os grupos de rebeldes que combatem o Exército sírio de Bashar al-Assad.

Do lado russo, o diplomata e conselheiro do Kremlin Iuri Ushakov (que foi embaixador da Rússia em Washington entre 1999 e 2008) disse que "os objectivos estratégicos em relação ao combate contra o Estado Islâmico são, numa questão de princípios, muito similares, mas há diferenças na vertente táctica" – por outras palavras, tanto a Rússia como os EUA querem destruir as forças do Estado Islâmico, mas não se entendem quanto ao caminho para lá chegar. 

Num comentário à declaração final do grupo internacional de apoio à Síria, que se reunira no sábado, em Viena, Barack Obama levantou o pé do acelerador nas críticas à intervenção da Rússia na Síria, apesar de não haver qualquer indicação de que os dois países possam vir a coordenar-se directamente. O Presidente dos EUA salientou o envolvimento de todos os países nos ataques contra os extremistas do Estado Islâmico, e salientou "a importância dos esforços militares russos na Síria centrados nesse grupo".

Coube ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, deixar um alerta contra a estratégia russa de não se limitar a atacar o Estado Islâmico, no seu apoio ao Presidente Bashar al-Assad: "Precisamos de mais cooperação, mas também de mais boa vontade, especialmente por parte das acções russas na Síria. Devem centrar-se no Estado Islâmico, e não na oposição síria moderada."

Tusk acusou a estratégia russa de instigar "uma nova vaga de refugiados" para a Europa. "Temos alguns sinais de que isso está de facto a acontecer", disse o presidente do Conselho Europeu.

Mesmo que não tenham sido discutidos pormenores sobre os próximos passos, é revelador do novo clima criado pelos ataques em Paris que Obama e Putin tenham dito um ao outro que "é ainda mais urgente" encontrar uma solução para a guerra na Síria, que já fez mais de 250.000 mortos, sete milhões de deslocados e mais de quatro milhões de refugiados em quatros anos e meio.

Apesar da aproximação entre os dois líderes (suficiente para que pudessem conversar à margem de uma reunião formal, algo raro nos dias que correm), de Washington não chegam indicações de que a política norte-americana irá sofrer alterações significativas – ainda que os ataques em Paris tenham levado as autoridades francesas a pressionar a Casa Branca para reforçar o seu envolvimento na Síria.

Em declarações ao jornal The Washington Post, um dos conselheiros de segurança nacional de Barack Obama, Ben Rhodes, disse que o caminho é outro – pelo menos por agora.

"Não acreditamos que as tropas americanas sejam a resposta para o problema", disse o conselheiro, referindo-se ao possível envio de soldados norte-americanos para o terreno na Síria, uma decisão que o Presidente Barack Obama afastou desde que ordenou os primeiros ataques aéreos, mas para a qual tem sido pressionado a olhar cada vez com mais abertura.

"O envio de mais tropas americanas para entrar num combate em larga escala no Médio Oriente não é a melhor forma de lidar com este desafio", afirmou Ben Rhodes, repetindo a política oficial da Casa Branca. Em vez disso, sublinhou o conselheiro de Barack Obama, os ataques terroristas em Paris "podem servir para criar um maior sentimento de urgência na comunidade internacional para o apoio aos vários elementos da campanha anti-Estado Islâmico, e para uma solução diplomática no conflito sírio".

Apesar de aparentemente pouco se ter alterado, o encontro entre os Presidentes da Rússia e dos EUA dominou o primeiro de dois dias da cimeira do G20, em Antalya, onde os ataques terroristas em Paris adquiriram um protagonismo que passou a rivalizar com o tema principal da agenda: a discussão de medidas para lidar com a chegada à Europa de centenas de milhares de cidadãos de países africanos, do Médio Oriente e asiáticos, a maioria em fuga da guerra na Síria e da violência e perseguição no Iraque, Afeganistão, Paquistão ou Eritreia.

 

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