Ali, o alfaiate sírio, tem uma máquina de costura e baloiços para as filhas

Primeira família refugiada que chegou a Portugal vai morar em Ovar. Ali e Nada têm trabalho assegurado e esta sexta-feira foram recebidos com flores e um jantar de boas-vindas.

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Ali Mustafa Alkhamis, a mulher Nada, e as três filhas na casa onde vão residir em Ovar. ADRIANO MIRANDA
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Ali Mustafa Alkhamis e as três filhas: Dimas de nove anos, Inas de sete e Rimas de quatro. ADRIANO MIRANDA
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Ali Mustafa Alkhamis já tem emprego em Portugal. ADRIANO MIRANDA
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Adriano Miranda

Ali Mustafa Alkhamis, a mulher, Nada, e as três filhas, Dimas de nove anos, Inas de sete e Rimas de quatro, a primeira família síria refugiada a chegar a Portugal trazida pela organização Famílias como as Nossas, chegaram esta sexta-feira à noite, pelas 21h30, a Ovar depois de uma viagem de duas horas de São Martinho do Porto. À sua espera, uma casa totalmente mobilada, com fruta na mesa da cozinha, três quartos, despensa composta, um baloiço no pátio das traseiras e uma máquina de costura para Ali, alfaiate sírio. As bicicletas e o triciclo para as miúdas ainda vão chegar.

Na recepção de boas-vindas, flores à porta de casa e um “muito obrigado” dito em português por Ali. Nada, de lenço na cabeça, não quis fotos e resguardou-se. As filhas, com cara de sono, ainda posaram para fotos. E Dimas, a mais velha, conseguiu cantar em português O atirei o pau ao gato quase do princípio ao fim. Ali mantém o sorriso e a surpresa da máquina de costura no anexo aumenta-lhe a felicidade. Na segunda-feira, Ali disse que queria viver ali. Esta sexta-feira à noite poucas palavras. Repetiu vários “obrigado” e um “Sinto-me muito feliz” no meio de uma conversa. Malas colocadas na casa nova, mais uma viagem até ao jantar de boas-vindas. O inglês ainda é difícil de perceber. Ali quer saber onde está a mulher. Nada, recatada, está no piso de cima. “Português pouco”, diz quando interpelado.

Sexta-feira dia 13, não é de azar, é um recomeço de vida. Ali tem já um emprego à sua espera numa multinacional, cujo nome não divulga e que não fica muito longe de casa. A entrevista de emprego está assegurada e deverá acontecer durante este mês. Nada, que sempre tratou das lides de casa, tem lugar na mesma empresa, mas o processo será mais lento, uma vez que não fala inglês nem português. Essa parte também será resolvida. O casal terá aulas intensivas de português durante as duas e as quatro da tarde. E as filhas têm uma equipa multidisciplinar, professores de Português, educadores, assistentes sociais e psicólogos, pronta a ajudar e que já se terá reunido para afinar a intervenção. “Estão a definir estratégias de aproximação e a pedir materiais às editoras”, adianta Salomé Costa, tesoureira da União de Freguesias de Ovar, e voluntária da Ovar, Vamos Ajudar?, e que esta sexta-feira partiu para São Martinho do Porto para trazer a família. Em sua casa, no Furadouro, voluntários ficaram a preparar o jantar de boas-vindas com pratos sírios e portugueses. “Vão recomeçar a vida deles”, diz Salomé Costa.

Ali, Nada e as filhas não caíram em Ovar de pára-quedas. No domingo passado, já tinham estado na cidade numa gala solidária do grupo de voluntários Ovar, Vamos Ajudar? No dia seguinte, Ali disse que queria viver ali.

O trabalho da União de Freguesias de Ovar e dos voluntários da Ovar, Vamos Ajudar? confunde-se nesta missão. Todos querem ajudar a família síria e contribuir para que a sua integração seja tranquila. A autarquia inscreveu-se na Plataforma de Apoio aos Refugiados, assinou o protocolo. Estava tudo pronto, faltavam as famílias. Quando percebeu que Ali estava numa situação de alojamento temporário em São Martinho do Porto disponibilizou-se para tratar de tudo. Arranjou uma casa, tratou do contrato de arrendamento, 250 euros por mês que deverão ser suportados por apoios de empresas e de particulares, para tentar não mexer nas contas da autarquia. Uma ajuda por dois anos, no máximo, mas que será suspensa logo que Ali consiga pagar as despesas.

Projecto de vida
Nuno Félix, da organização sem fins lucrativos Famílias como as Nossas, tenta gerir emoções. Ali e Nuno Félix tratam-se por irmãos. A família que durante um mês esteve a seu cargo vai morar em Ovar. Fez questão de os acompanhar na viagem. “É um misto de emoções. Um sentimento bom de dever cumprido e de saber que encontraram uma situação muito interessante que dá alguma estabilidade e um projecto de vida em Portugal.” Há uma certeza que o reconforta. “Tudo isto nos mostra que fizemos o que estava certo e que Portugal está pronto para acolher estas pessoas e que há muita gente para ajudar”.

A primeira família de refugiados sírios chegou a Portugal no início de Outubro na Caravana Famílias como as Nossas composta por 12 pessoas, seis carros, que percorreram mais de seis mil quilómetros de estrada e gastaram mais de mil euros em combustível e portagens. A família de Ali estava na estação central de Viena, na Áustria, à espera de seguir para a Alemanha. No corpo, quilómetros de caminho da rota dos refugiados sírios, desesperança no futuro. Mais de cinco horas por montanhas da Síria à fronteira com a Turquia. Mais duas horas e meia de travessia do mar Egeu com coletes unidos por um cordel. Grécia, Macedónia, Sérvia, Croácia, Hungria e Áustria. Os ombros de Ali foram o meio de transporte das filhas, Nada empurrou um carrinho de bebé para não cansar as pequenas.

A Caravana Famílias como as Nossas vai partir mais uma vez. As malas estão praticamente feitas. Esta segunda-feira, pelas 11h00, parte em viagem humanitária para ajudar refugiados na fronteira Eslovénia e Áustria. Os três carros vão cheios de roupas e brinquedos e poderão regressar com uma ou mais famílias refugiadas. A organização já fez chegar dois contentores à Croácia e enviará mais roupas para a Eslovénia através do Alto Comissariado para os Refugiados da ONU. A recolha de donativos prossegue e a 5 de Dezembro parte de avião, em missão de voluntariado, para um campo de refugiados da Macedónia. Quem quiser participar só terá de oferecer uma semana de trabalho.

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