Evocativo, disruptor, o design português numa garagem de Alcino Soutinho

A experimenta Design instalou no Norte do país, nas catacumbas de uma obra icónica de Soutinho, a Câmara de Matosinhos, um olhar perspectivo sobre diversas áreas.

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A exposição Desejo, Tensão, Transição em Matosinhos Marco Duarte
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A exposição Desejo, Tensão, Transição em Matosinhos Marco Duarte
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A exposição As Far As The Mind Can See, no Palácio dos Correios, nos Aliados Marco Duarte
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A exposição As Far As The Mind Can See, no Palácio dos Correios, nos Aliados Marco Duarte

É um trabalho de aposição crítica. Lado a lado, a criação contemporânea e peças históricas do século XX do design português. Em modo evocação, por vezes, a mostrar a ruptura, noutros casos, José Bártolo e os restantes curadores por ele convidados para a exposição Desejo, Tensão, Transição, fizeram dela um percurso antológico pelas diversas áreas do design, na Galeria Nave, em Matosinhos, na cave da Cãmara Municipal, uma obra marcante do arquitecto Alcino Soutinho. E à nona edição, a bienal Experimenta Design estreia-se no Norte do país.

A cidade líquida andava diariamente na boca de Paulo Cunha e Silva. A cidade sem fronteiras, onde a cultura pode acontecer em qualquer lugar. E quis um triste acaso que, minutos depois do funeral do vereador da Cultura do Porto, a Experimenta Design (EXD’ 15) inaugurasse o seu próprio conceito de liquidez, saindo de Lisboa e instalando-se, pela primeira vez, no Norte, em Matosinhos e no Porto, no rasto da indústria e dos criadores, muitos deles instalados na região, como recordou, na concorrida inauguração de quinta-feira ao fim da tarde, Guta Moura Guedes.

Não adiar a abertura das exposições foi a forma de homenagear quem tanto contribuíra para que elas acontecessem. E esse sentido estava bem presente em muitas das cerca de duas mil pessoas que passaram, em três horas, pela antiga garagem dos Paços do concelho de Matosinhos: uma galeria municipal à altura de um desafio como este a que se acometeu o curador José Bártolo: construir, em 16 módulos, um olhar diverso sobre o design de mobiliário e de produto (com destaque para a louça) e sobre o trabalho de designers no campo editorial (publicações, cartazes, discos, etc) capaz de nos situar na produção portuguesa do século XX.

A tarefa não é fácil, de tão ampla nas possibilidades e territórios abrangidos. Talvez por isso, José Bártolo criou um circuito que começa, para descomprimir, com uma brincadeira. A brincadeira dos designers em torno da forma/função – com o colorido Galo Transfigurado, de Tomás Taveira, já de 1989, lado a lado com as já icónicas peças da Toyno (entre elas o pequeno pássaro-candeeiro Alípio, ou a Mesa (bicho) de Martinho Pita, em que a matéria, a madeira das pernas, parece ultrapassar, como árvore que cresce, a transparência do vidro.

Nos dois módulos seguintes, os desenhos geométricos e algumas peças do Arquivo da Fábrica de Sacavém, e o conjunto de publicações editadas entre 1933 e 1950 – sob o controlo, e muitas vezes por encomenda, do Serviço Nacional de Informação, o organismo responsável pela propaganda do Estado Novo – colocam-nos perante uma perspectiva mais histórica do trabalho do designer de produto e editorial. Que, neste último caso, pode ser comparado, mais à frente, com a escolha feita pelo projecto Best Portuguese Books Design de algumas das melhores publicações concebidas, desenhadas e produzidas em Portugal entre 2010 e 2013.

No módulo Sentar, José Bártolo, que tem trabalhado com a iniciativa Art on Chairs, de Paredes, põe lado lado algumas das produções mais recentes de cadeiras, de nomes como Toni Grilo ou Raul Cunca com peças marcantes de históricos como Daciano Costa, de quem podemos ver, por exemplo, a Superligeira, de 1963 ou a Reitoria, de 1969. A madeira e os tecidos têm sido os materiais de excelência, para este objecto, mas as escolhas do curador evidenciam a entrada de outras matérias-primas como a cortiça, bem presente em Cut Chair, de Toni Grilo, ou os metais, resgatados ao seu papel habitual de meros elementos estruturais, como acontece em Line, do mesmo autor.

O mobiliário está em grande destaque nesta exposição da Experimenta Design em Matosinhos, seja nos desenhos da Fábrica Olaio, com as suas evidentes influências do modernismo escandinavo que resistem ao passar do tempo, seja em dois outros módulos: um deles dedicado à produção de nomes da arquitectura com um dedo no design saídos chamada Escola do Porto (Fernando Távora, Álvaro Siza, Souto de Moura, Francisco Providência, Adalberto Dias, entre outros); o outro a explorar a produção de peças únicas, ou de séries muito limitadas, entre as quais brilha (literalmente, dada a miríade de espelhos que a compõem), a mesa Kaleidoscope, desenhada já este ano por André Teoman.

Lado a lado com os desenhos da extinta Fábrica Olaio, as 40 peças de produção contemporânea da histórica Vista Alegre são demonstração de como algumas marcas se reinventam, para se não tornarem apenas história. E, no mesmo espaço, a curadora Rita Gomes Ferrão mostra-nos no módulo Produção em série, artesanal, industrial, uma amostra da evolução da cerâmica portuguesa, ao longo da segunda metade do século XX e já no século XXI, com exemplos de como uma mesma técnica – e um mesmo material – se deixam moldar pela criatividade de quem o manipula, sem descurar a função deste tipo de objecto tão presente nas nossas mesas.

Todo o resto – e não é pouco – desta exposição que pode ser visitada até Março de 2016  é dedicada ao design editorial e de comunicação, seja no longo muro pejado de cartazes para iniciativas culturais, seja nos espaços dedicados a alguns dos mais recentes logos desenhados para 40 marcas por 18 ateliers portugueses, entre os quais o premiado logo Porto., do White Studio. Bártolo e os curadores convidados para cada um destes espaços quiseram ainda abordar o desenho associado ao humor e, num espaço próprio, onde até é possível dançar, expõem algumas das melhores capas de discos da música independente que se vai fazendo em Portugal, e nas quais a fotografia assume, ela também, um papel primordial.

 

A EXD'15 no Porto e em Lisboa

Para além da expo de Matosinhos, a EXD’15 estendeu-se ao Porto, onde inaugurou, também na quinta-feira ao início da noite, no inacabado último piso do Palácio dos Correios, nos Aliados, a exposição As Far As The Mind Can See, reflexão colectiva de designers de comunicação sobre a relação entre a mente, o indivíduo e a criatividade que se articula com a mostra As Far As The Eye Can’t See, que abriu esta sexta-feira em Lisboa, no Picadeiro do Museu dos Coches. Na capital, no Lounging Space da EXD’15, no Palácio do Príncipe Real, estão expostos 50 posters de alunos da Escola de artes Visuais de Nova Iorque, concebidos, desde 1947, para serem expostos nas estações de metro. Neste sábado à noite é inaugurada outra das principais exposições desta edição, From Hands to Mind, resultado de um projecto de pesquisa ainda em curso, sobre o design em três países africanos de língua portuguesa: Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

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