Jacob van Rijs e o seu mercado de frutas com apartamentos lá dentro

Edifícios technicolor, taças para museus ou o rock feito complexo urbano: a 3.ª conferência Distância Crítica da Trienal de Arquitectura trouxe um dos discípulos mais futuristas de Rem Koolhaas ao CCB.

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Jacob van Rijs quarta-feira no CCB Miguel Manso
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O Markthal, cujo interior é revestido por imagens digitais da autoria do street-artist Arno Coenen DR
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A Casa Azul é uma cobertura DR
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O terraço da Casa Azul DR
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O futuro edifício que albergará as reservas da Boijmans Collection DR
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Jacob van Rijs durante a conferência Miguel Manso

O arquitecto Jacob van Rijs sublinha com traços largos a integração dos seus edifícios na paisagem e no futuro das cidades, mas os projectos mais distintivos do trabalho do atelier holandês MVRDV são tudo menos anódinos. O technicolor do seu mercado de Roterdão mistura sustentabilidade e revitalização dos quotidianos urbanos, a casa azul de Didden “faz as pessoas sorrir nos dias cinzentos” - porque na arquitectura, como disse Van Rijs a uma plateia cheia no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), “é possível ser moderno e conservador ao mesmo tempo”.

A terceira conferência Distância Crítica trouxe arquitectos, designers, estudantes e público não-especializado de várias nacionalidades ao CCB para mais uma conversa intercalar entre edições da Trienal de Arquitectura de Lisboa. Ao início da noite de quarta-feira, vieram ouvir um Jacob van Rijs enérgico e bem-humorado passar em revista alguns pontos altos do seu portefólio e das práticas do seu atelier, com sede em Roterdão e que se completa com Winy Maas e Nathalie de Vries. Bibliotecas, mercados, edifícios de habitação, centros comunitários e, no CCB, sobretudo projectos na Europa, focados na optimização do espaço urbano num continente e em países sem a escala ou os programas do centro de escritórios em Xangai ou do shopping de Pequim que também assinam. “Esta noite, é uma ementa muito holandesa que vos ofereço”.

Cor, muita, texturas, várias, formas que vão do anguloso ao circular, o vidro, o reflexo, o plástico reciclado ou a recuperação térmica, bem como o papel preponderante da investigação e de algum futurismo no seu trabalho. E começa por um dos projectos mais recentes, o Markthal de Roterdão, cujo carácter emblemático tem a popularidade aferida à boa maneira do século XXI – é a primeira referência sugerida e apensa ao MVRDV quando surge no Google o trabalho do atelier. Uma estrutura que “parece ter um programa muito normal” no centro nevrálgico da ressuscitada cidade holandesa (arrasada pela II Guerra, ferida pelos “edifícios baratos e feios” dos anos 1980), sugere Van Rijs.

Mas que se desenha como um arco elevado encimado por apartamentos e recheado por ar e por um mercado onde se vende, come e bebe – “à noite é uma sala urbana”. O interior desse arco é forrado por imagens de flores e alimentos em cores saturadíssimas tão penetrantes que até já se instituiu, numa varanda do primeiro piso, um sítio ideal para selfies. Uma estrutura como “a rede de uma raquete de ténis segura toda a fachada”, o granito das laterais faz “um edifício muito forte” e “até [o amigo e antigo colaborador] Rem Koolhaas passou por lá”, pelo Markthal aberto há um ano e que recebeu o dobro dos visitantes estimados – 8 milhões, and counting.

Mostrou também como pensou as reservas do Museum Boijmans Van Beuningen, o Collection Building também em Roterdão e que deve estar pronto em 2017, como um gabinete de curiosidades que expõe a colecção não mostrada no museu. Uma taça espelhada que “faz com que se fosse como se não estivesse lá”, num dos parques mais amados da cidade e cujas árvores que a construção vai retirar do solo ornamentarão a cobertura do novo projecto, explica o também professor da Universidade de Munique e um dos nomes de maior sucesso da geração formada no OMA de Koolhaas.

Há ainda a Casa Azul do bairro de Didden, uma cobertura azul-céu “que fica invisível quando o céu está limpo” e que alegra os dias nublados, que frisa a importância da “arquitectura aceite pelo público quotidiano, mas que é completamente nova” e equilibra o novo e o clássico, ou o futuro Rockmagneten em Roskilde. Vizinho do festival de música que se tornou sinónimo da cidade e que será a ponte entre o recinto do evento e a cidade, com passadeira vermelha e as tachas do rock, o veludo do interior dos estojos das guitarras ou o vinil – ou, aliás, um complexo de edifícios com museu, escola, residência de estudantes, escritórios e zona social.

Descrevendo brevemente, sobre vários projectos, as negociações com as autarquias, com os empreiteiros, com os utilizadores, os concursos ou os “sonhos” abandonados a meio, Van Rijs enfatizaria depois, em conversa com o arquitecto português Diogo Burnay no palco, que muita da sua forma de pensar se alicerça na sua nacionalidade. “Vem talvez do facto de na Holanda termos falta de espaço, há o mar, as montanhas”, reflecte, mas “tudo organizado”. “E a forma como crescemos a ver o espaço público a ser devorado por edifícios feios”. Passou a pensar com termos como “optimização”, “vida”.

E Jacob van Rijs não esqueceu o seu único projecto em Portugal, as pontes pedonais lúdicas em Leiria - as primeiras que fez, “mini-arquitectura porque lhes demos um programa” especial, contou, entre imagens da ponte “para ler”, da “ponte bar”, da ponte “piquenique” ou da sua preferida, a ponte “playground”. O jogo, no fundo, como um dos muitos vectores condutores do seu trabalho. Que o fez esconder sob uma parede de tijolo que se abre para revelar o elevador na biblioteca de Spijkenisse (sul da Holanda), a Book Mountain, para ser como um “abre-te sésamo”, contou e, salvo para os utentes com mobilidade reduzida, oculta também “para obrigar as pessoas a fazer exercício”.

Arrancou risos à plateia com os apartes sobre as peculiaridades dos arquitectos – fazer muitas fotografias dos projectos, o horror ao desalinho do vértice de um par de imagens numa página – ou sobre algumas vivências dos seus projectos - “não sei se os coelhos tinham vertigens”, comentou sobre os animais de estimação de um casal residente no Markthal, ou quando de repente apareceu, que “estranho”, Pierce Brosnan num dos seus edifícios.

Muitas histórias a alta velocidade, mas com tempo para responder brevemente ao seu agent provocateur, Diogo Burnay, sobre os desafios de um atelier que passou de ter “cinco letras e três pessoas” para mais de cem trabalhadores de 20 nacionalidades. Passar a pensar como comunicar com a imprensa generalista e não só com a especializada, reflectir sobre a sua “marca”, sobre as linhas ténues entre ter uma “linguagem comum” e a revisitação de fórmulas e tipologias – o sucesso “deu-nos um posicionamento, que pode ser brandable [comercializado sob uma marca] mas é também uma abordagem conceptual”.

Depois de ter recebido o chileno Smiljan Radic e o indiano Bijoy Jain, as conferências Distância Crítica, organizadas pelo CCB e pela Trienal, têm o próximo encontro marcado para 17 de Fevereiro de 2016 com a arquitecta Ellen van Loon, do OMA e que trabalhou no projecto da Casa da Música, no Porto.

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