Rui Moreira assume pelouro da Cultura na Câmara do Porto

O presidente nomeou o braço direito de Paulo Cunha e Silva, Guilherme Blanc, como seu adjunto.

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Rui Moreira decretou já três dias de luto pela morte do vereador Adriano Miranda

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, assumiu o pelouro da Cultura, depois da morte inesperada do vereador Paulo Cunha e Silva. Num despacho emitido ainda durante a manhã desta quarta-feira, Rui Moreira nomeou o braço-direito de Cunha e Silva na Cultura, Guilherme Blanc, como seu adjunto, e deu indicações para que toda a programação já agendada para os próximos dias se mantenha, convicto de que essa seria a vontade do seu vereador. De momento, esta solução é encarada como definitiva, até ao final do actual mandato.

Na noite de segunda-feira, em mais uma sessão da Assembleia Municipal, Adriana Aguiar-Branco, eleita pela lista independente de Rui Moreira, agradeceu a Paulo Cunha e Silva “por ousar inscrever internacionalmente o Porto como cidade produtora de conhecimento, de liberdade crítica, provocadora de novas ideias e caminhos de pensamento”. Na bancada destinada ao executivo, o vereador da Cultura sorria, agradecido com os elogios que ocuparam parte da intervenção da deputada e que começaram com uma frase algo irónica: “O pelouro da Cultura não parece gostar de descansar e nem nos quer dar descanso.” A questão que atravessava a cabeça de muitos, depois da morte prematura do vereador é: e agora? Quem está à altura de substituir Cunha e Silva? Rui Moreira, que decretou já três dias de luto pela morte do vereador, mas só irá falar durante o funeral, na Igreja da Lapa, resolveu o problema, assumindo ele mesmo o pelouro e mantendo a equipa montada por Cunha e Silva.

Antes de se conhecer esta decisão, havia algumas dúvidas sobre como o desaparecimento de Cunha e Silva seria ultrapassado. “Costuma-se dizer que não há pessoas insubstituíveis, mas não consigo sequer imaginar como é que o lugar que ele deixa pode ser ocupado”. A meio da manhã desta quarta-feira, Manuel Pizarro, o líder dos socialistas na Câmara do Porto, que formou uma aliança pós-eleitoral com Rui Moreira, garantindo uma maioria no executivo, expressava assim a dúvida sobre a dificuldade em encontrar alguém que continue a imprimir o mesmo ritmo à actividade cultural que este legara à cidade. Já Amorim Pereira, líder da bancada do PSD, amigo de Cunha e Silva há mais de 30 anos, dizia-se sereno em relação ao futuro da Cultura do Porto. “A minha única preocupação é a tristeza com esta morte. Do ponto de vista político, a vida já nos ensinou, ao longo da democracia, que não há pessoas insubstituíveis, mas dificilmente substituíveis, e o Paulo Cunha e Silva será, certamente, uma delas, mas penso que não devemos preocupar-nos e que será encontrada uma solução”, disse. Antes de se conhecer a solução encontrada por Moreira, Pedro Carvalho, da CDU, via a morte de Cunha e Silva como “uma perda para a cidade e para a cultura” e também ele acreditava que o vereador “dificilmente" seria "substituível nos instantes mais próximos".

O trabalhador incansável, que na mesma semana – como enumerou Aguiar-Branco – era capaz de oferecer à cidade a abertura de uma retrospectiva completa de Manoel de Oliveira, a inauguração da exposição As Far as the Mind Can See, da bienal ExperimentaDesign (que passa pela primeira vez pelo Porto) e a estreia de primeira produção própria do Teatro Municipal do Porto (Ícones do Desporto), é uma das qualidades destacadas pelos vereadores da Câmara do Porto, e aquela que lhe terá permitido “fazer tanto com o pouco tempo que teve”, como descreveu Amorim Pereira.

Para Manuel Pizarro, Paulo Cunha e Silva era, sobretudo, “uma figura gloriosa”. “Não há ninguém que tenha trabalhado com ele que possa ficar indiferente à sua influência, ao seu exemplo, ao seu espírito construtivo, à sua vontade de ligar o passado e o futuro”, disse ao PÚBLICO. Pizarro poderia dizer apenas que “o gajo era um génio”, mas numa declaração mais formal, refere-se ao colega da Cultura como “uma pessoa de enorme complexidade e ao mesmo tempo com uma desconcertante atenção às coisas simples”. Já a socialista Carla Miranda, vereadora sem pelouro e actriz, refere-se a Paulo Cunha e Silva como “um homem culto, com mundovisão, uma pessoa muito criativa” que foi capaz de fazer “o mais difícil”. “Ele tinha o mundo inteiro dentro da cabeça e conseguia executá-lo, trazê-lo até nós”, explicou. A vereadora diz que a marca mais forte que Cunha e Silva deixa no Porto é “a ideia de que toda a cidade podia ser motivo e espaço de festa, a cidade líquida de que ele falava”.

O termo “cidade líquida” foi usado por Paulo Cunha e Silva a partir do primeiro instante em que assumiu o pelouro da Cultura e explicado em entrevista ao PÚBLICO, poucos dias depois, como uma referência a “uma cidade onde tudo pode acontecer em todo o lado”. Foi com esse conceito como fio condutor que o pelouro criou programas como “Um Objecto e os seus discursos por semana” ou “Cultura em Expansão”. Que o piso 3 do Palácio dos Correios se abriu a espectáculos e exposições (é lá que estará a exposição As Far as the Mind Can See), que foi criada a Galeria Municipal na Biblioteca Pública Almeida Garrett ou o programa de arte pública da cidade. “A cultura embrenhada no nosso quotidiano era o Paulo Cunha e Silva”, sintetiza Manuel Pizarro.

Nos dois anos em que esteve à frente da Cultura da cidade, Paulo Cunha e Silva deixou outras marcas profundas. Agregou os teatros Rivoli e Campo Alegre num único conceito de Teatro Municipal do Porto, e devolveu os espaços à cidade, com uma programação intensa, dirigida por Tiago Guedes. Quebrou a tradição da uma Feira do Livro organizada em parceria com a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, entregando-a aos serviços municipais e instalando-a, de novo, nos jardins do Palácio de Cristal. Agora, andava entusiasmado com o grande projecto ainda não totalmente divulgado para o antigo Matadouro Industrial do Porto e a última publicação que partilhou no Facebook – onde era extremamente activo – foi precisamente neste espaço, que visitou na terça-feira de manhã, e onde já se anunciara que, entre outras valências, irá instalar-se o Museu da Indústria.

Mas Paulo Cunha e Silva nunca tinha apenas um projecto entre mãos, e se já anunciara, no final do Fórum do Futuro, na semana passada, que o do próximo ano seria sobre a Ligação, ao projecto Porto Olhos nos Olhos, dos jornalistas do PÚBLICO Manuel Roberto e Mariana Correia Pinto, revelara, em Outubro, que uma coisa que ainda queria fazer este ano era “chamar a atenção para a Biblioteca Pública Municipal do Porto”, que considerava ser “o equipamento cultural mais importante da cidade”.

Biblioteca e Matadouro eram os dois grandes projectos para os próximos tempos. Na conversa para a página Porto Olhos nos Olhos, Cunha e Silva sintetizava: “Se trabalharmos nessas duas coisas teremos uma cidade espectacular."

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