Pingue-pongue à porta da AR: esquerda, direita, esquerda, direita…

À esquerda comparava-se este 10 de Novembro ao 25 de Abril e 1.º de Maio. “Estamos a viver um momento histórico, saibamos aproveitar”, dizia Arménio Carlos. À direita pediam-se eleições

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Manifestação a favor de um governo de esquerda.... Miguel Manso
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... e manifestação contra a queda do Governo de direita Miguel Manso

O cenário em frente à Assembleia da República, no dia em que a moção de rejeição derrubou o Governo de direita, fazia lembrar a cena do pólo aquático do filme Palombella Rossa, de Nanni Moretti, no qual se reflecte sobre o comunismo: o protagonista hesita em passar a bola da direita para a esquerda, da esquerda para a direita. Só que nesta terça-feira não havia hesitações nas pessoas que estavam numa e noutra manifestação à porta do Palácio de São Bento.

De frente para a Assembleia da República, do lado direito apoiava-se um governo de direita; do lado esquerdo, da CGTP, apoiava-se um governo de esquerda. As manifestações estavam separadas por grades colocadas a uma larga distância, com polícia a toda a volta do Parlamento e carrinhas do corpo de intervenção estacionadas no topo da escadaria. Houve um detido por alegada agressão a um polícia. Nada de grave, contou o comissário Rui Costa, sem esclarecer de que lado da manifestação saiu o homem.

À direita — por onde passaram, por exemplo, os centristas Nuno Magalhães, António Carlos Monteiro e os sociais-democratas Luís Montenegro e Marco António Costa — gritou-se “Assis, Assis, salva o país”, “Costa fora” ou “Nós não queremos comunas no governo”. Do lado da CGTP, com muito mais gente e onde estiveram ao final da tarde os bloquistas Pedro Filipe Soares, Jorge Falcato, mas também os comunistas Jerónimo de Sousa e João Oliveira, ouviu-se: “Contra a política de direita, pela derrota deste Governo PSD-CDS. Isso hoje pode e vai acontecer, este Governo vai para a rua.”

Para Manuela Prates, operária têxtil de 64 anos, estar na manifestação da CGTP é “sentir as emoções” que sentiu no 25 de Abril e no 1.º de Maio. “Nesse dia, chorei, chorei, chorei. Sinto a mesma alegria da liberdade e da democracia”, disse, enquanto se ouvia Os vampiros, de Zeca Afonso: “Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada.” Manuela Nunes, 66, reformada, trazia na mão uma vassoura com cravos de papel: começou o “tempo das limpezas”, observou, bem-disposta. “Sempre sonhei com a união da esquerda, estou muito feliz.”

Do outro lado da barricada, Estela, 55, licenciada em História mas desempregada, com uma bandeira nacional pelos ombros, admitia que já foi “de esquerda”, mas agora acha que “não funciona”. “Assisti ao 25 de Abril, manifestei-me, protestei, passei por muitas coisas e sei que esta coligação de esquerda não vai resultar.” Propõe eleições: “O PS não tem legitimidade. Não votámos neles. Acho que devia haver eleições com a maior brevidade possível, assim tirávamos as dúvidas.”

Deste lado direito estavam vários jovens, muitos de camisa e gravata. “Estamos contentíssimos pela quantidade de gente que está cá hoje, mas tristíssimos pelas razões que nos levaram a juntar”, dizia João, 22 anos, que se disse “CDS e monárquico”. Neste grupo de cinco são “todos monárquicos”, contava Pedro. “Mas não somos reaccionários, estamos aqui porque rejeitamos um governo questionável e com tiques de autoritarismo. Este não foi um processo democrático. Queremos um governo escolhido realmente pelos portugueses.” Da varanda do Palácio de S. Bento, Passos Coelho e Paulo Portas acenavam. “Venho felicitar as pessoas que aqui estão a manifestar-se”, disse aos jornalistas o então ainda primeiro-ministro.

Mário Gonçalves, organizador da concentração pelo Governo de direita, sabia que a manifestação da CGTP tinha muito mais pessoas, mas denunciava: terá havido autocarros do agrupamento de escolas de Montemor-o-Novo desviados para levar pessoas até Lisboa, deixando as crianças sem transporte.

“A direita está em pânico”
Antes de discursar, o secretário-geral da CGTP sublinhou aos jornalistas que a proposta de aumento do salário mínimo nacional (SMN) do PS é insuficiente e tardia, porque remete para 2019 a fixação nos 600 euros, quando a CGTP quer esse  valor já para o ano. Citado pela Lusa, Arménio Carlos acrescentou que a CGTP está disponível para apresentar propostas e negociar o aumento do SMN em sede de Concertação Social, mas não deixará de defender os trabalhadores.

Quando discursou em frente ao Parlamento, diante do microfone, Arménio Carlos gritou alto e bom som: “O Governo de Passos e Portas vai para a rua.” Aplausos. Para o secretário-geral, “a direita está em pânico”, agora que “há outra política”, agora que sabe que “vai cair o Governo”. “Hoje os vencedores estão deste lado”, dizia. Apesar disso, sublinhou várias vezes que não está tudo feito, é preciso continuar a lutar.

A “nova maioria” de esquerda que resultou das eleições — que “não são para [eleger um] primeiro-ministro, mas deputados” — “implica uma mudança de política que dê resposta aos problemas concretos”, disse. E o governo que “em breve assumirá funções não poderá deixar” de dar essas respostas. “A maioria na Assembleia da República tem de representar uma mudança de política a sério”, reiterou.

Assim que Arménio Carlos se referiu ao Presidente da República, os aplausos cessaram. Em vez deles, os assobios eram tantos e tão prolongados que quase nem se conseguia ouvir o secretário-geral dizer que Cavaco Silva, “independentemente das suas opções e desejos pessoais, não pode deixar de cumprir a Constituição” e dar posse ao novo governo.

Porque houve, considerou, uma “vontade de mudança política”. Por isso, “por muito” que lhe “custe”, o Presidente vai ter de dar posse ao Governo socialista, apoiado pela esquerda. Até em nome da “estabilidade que sempre reclamou”, dizia, argumentando que não será um governo de iniciativa presidencial ou um de gestão que assegurarão essa estabilidade.

“Cabe ao Presidente da República de uma vez por todas respeitar a vontade soberana do povo português.” Nesse momento, a multidão aplaudiu. E o discurso subiu de tom: “Quarenta e um anos depois de Abril, o povo é quem mais ordena e em Portugal quem manda são os portugueses.” A resposta não se fez esperar, os manifestantes gritaram: “O povo unido jamais será vencido!” “Hoje é um momento muito especial. E a nossa participação vai ser ainda mais importante nos próximos dias”, declarou Arménio Carlos. “Estamos hoje a viver um momento histórico, saibamos aproveitar esta oportunidade.”

Do outro lado, na manifestação de apoio ao Governo de direita, não restava quase ninguém. Alguns manifestantes ainda gritavam palavras de ordem encostados às grades, mas a Trova do vento que passa, canção de António Portugal e Manuel Alegre, cantada por Adriano Correia de Oliveira, a sair das colunas da CGTP, abafava tudo.
 

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