Ministro acusa activistas angolanos de receberem instruções para causarem mortes

Autoridades de Luanda dizem que Luaty Beirão e os seus companheiros eram incentivados por estrangeiros e ironiza com a greve de fome. Julgamento de detidos em Benguela foi adiado.

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Manifestação de solidariedade com os detidos angolanos, em Lisboa Nuno Ferreira Santos

O Governo angolano insiste em relacionar a contestação interna com influências externas. O exemplo mais recente de que assim é são declarações do ministro do Interior, que acusa os 15 activistas detidos em Luanda desde Junho de terem discutido “como gerir apoios proveniente do exterior” e de receberem “indicações claras” para provocarem confrontos que causassem entre 20 e 25 mortos.

Ângelo da Veiga Tavares disse que, em 2014, Angola expulsou uma cidadã europeia por ter concluído que em reuniões com os agora detidos “dava indicações claras” de que as manifestações que fizessem deviam provocar “confrontos graves com a polícia”, ao ponto de “causar mortes” no número que quantificou.

A acusação directa foi reproduzida na edição desta quinta-feira do Jornal de Angola, que não avança dados que identifiquem a visada. Mas o site informativo Rede Angola disse que o ministro se referia a Ketty Terzi, uma italiana que trabalhou em vários projectos no país desde 1997. A 30 de Maio de 2014, a então coordenadora do Programa de Apoio aos Actores Não Estatais, um projecto apoiado pela União Europeia para reforçar a “consolidação de um ambiente político estável e democrático", foi notificada do cancelamento do seu visto de trabalho e recebeu ordem para deixar o país no prazo de oito dias.

Expulsa por alegadamente se reunir com o grupo de activistas, dois meses depois disse ao mesmo site que não lhe foi comunicada nem sabia oficialmente a razão que tinha motivado a expulsão de Angola.  

Nas suas declarações, o ministro disse também, citado pela agência Angop, que estrangeiros com estatuto diplomático “instigavam esses jovens e, coincidentemente, sempre na mesma perspectiva: provocar confrontos com a polícia e causar mortos para permitir a intervenção do Ocidente”.

“É por isso que em alguns casos a polícia prefere actuar de maneira a que as manifestações não atinjam um nível de confronto que corresponda aos reais intentos dos seus promotores”, afirmou também Ângelo Tavares, citado pelo jornal oficial, no texto que faz manchete e tem como título: “Polícia tem o dever de evitar o caos.”

As declarações do ministro do Interior, numa conferência de imprensa sobre o plano de comemorações dos 40 anos da independência, que se cumprem na próxima quarta-feira, dia 11, vêm na sequência de outras afirmações que procuram associar a interesses estrangeiros os activistas detidos por acusação de estarem a preparar uma rebelião e um atentado contra o Presidente, José Eduardo dos Santos.

No discurso sobre o Estado da Nação lido pelo vice-Presidente da República, Manuel Vicente, a 15 de Outubro, embora não tenha sido feita qualquer menção directa aos 17acusados foi dito que “há entidades estrangeiras interessadas em instalar o caos e a desordem nalguns países” africanos, mas que os angolanos não cederiam “diante de quem quer que seja”.

Nesta quarta-feira, num comunicado em que apelou ao cerrar de fileiras em torno do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, o bureau político do comité central MPLA, partido do Governo, criticou a “pressão” interna e externa e a “ingerência” estrangeira no caso de 15 activistas detidos.

Ironia com Luaty

O ministro do Interior de Angola referiu-se também a Luaty Beirão, que fez greve de fome durante 36 dias, dizendo, segundo a Rede Angola, que “valoriza muito pouco o bem vida”. Ângelo Tavares acusou o rapper de, em alegadas discussões para uma “incursão ao palácio presidencial”, defender, em caso de intervenção das Forças Armadas, “que não deveriam recuar, deveriam deixar-se morrer”.

Os 15 detidos e duas outras activistas que estão em liberdade e deverão começar a ser julgados no dia 16 de Novembro alegam que nas suas reuniões discutiam formas de resistência não-violenta a partir da leitura de livros.

O governante ironizou ainda com a luta de Beirão, que motivou acções de solidariedade a nível internacional. “Do último relatório que tive acesso, ele estava com uma hemoglobina de 14, se calhar é melhor do que muitos dos que estão aqui presentes.” A hemoglobina é uma proteína que tem como principal função o transporte de oxigénio. O valor mínimo de referência nos homens é de 14 g/dl.

Ângelo Tavares justificou a proibição de manifestações por, em seu entender, já virem “eivadas de vícios”. Foi uma alusão a um protesto que o designado Conselho Nacional de Activistas pretendia realizar junto ao palácio presidencial e ao Tribunal Constitucional, exigindo a demissão de Eduardo dos Santos e a libertação dos 15 detidos, e que foi proibida pelo Governo da Província de Luanda, que invocou motivos de segurança.

Solidariedade

Um conjunto de sete organizações de defesa dos direitos humanos – três angolanas e quatro internacionais – pediram entretanto à Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, que está reunida em Banjul, na Gâmbia, que aprove uma resolução pedindo a libertação imediata dos activistas angolanos e o fim de ameaças, perseguição e intimidação dos defensores dos direitos humanos no país.

"A leitura e discussão de livros não é crime e ninguém que tenha participado numa actividade tão pacífica deve enfrentar a prisão", disse Maria Lúcia da Silveira, directora da Associação Justiça Paz e Democracia (AJPD.) “A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos deve informar o Governo angolano que a liberdade de expressão e a reunião pacífica são direitos de todos os africanos, incluindo os angolanos.” As outras organizações que subscrevem o apelo são as também angolanas OMUNGA e SOS Habitat, a que se juntam a Human Rights Watch, a Humans Rights Institute Africa do Sul, a Rede dos Defensores dos Direitos Humanos da Africa Central (REDHAC) e o Centro Africano para a Democracia e Estudos de Direitos Humanos (ACDHRS).

O apelo soma-se ao de diferentes movimentos e organizações que se têm mobilizado para apoiar os activistas angolanos anti-regime. Uma petição dirigida às autoridades angolanas sobre liberdade de expressão em Angola, lançada pelo activista Rafael Marques em Seul, na conferência do Movimento Mundial para a Democracia – que terminou nesta quinta-feira e reuniu 450 participantes de mais de uma centena de países – recolheu o apoio, entre outros, da ex-primeira-ministra do Canadá Kim Campbell e de Law Kwun Chung, um dos líderes movimento estudantil de Hong Kong.

O julgamento sumário de 18 acusados de desobediência à autoridade, detidos no Lobito, província de Benguela, a 30 de Outubro, por tentativa de manifestação não autorizada de solidariedade com os activistas de Luanda, estava prevista para esta quinta-feira mas foi adiado para sexta. “O senhor juiz informou que já tinha processos marcados e que fica para amanhã. Entretanto eles continuam detidos”, disse à Lusa David Mendes, um os advogados de defesa. No sábado foram também detidos em Malanje seis jovens já libertados.  

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