Também tu, Polónia? — ou os riscos das derivas radicais

Estou seriamente preocupado com a apropriação do PS pela extrema-esquerda. Não augura nada de bom.

1. Enquanto se aguarda pela desenvolução do enigma político português, a dinâmica política europeia não abrandou nem estagnou. Setembro foi marcado pelas eleições gregas e pela validação popular da estratégia de retractação de Tsipras. A história não acabou aqui e o estádio actual de aplicação prática do acordo com as instituições europeias suscita as maiores reservas, que podem fazer reaparecer o problema grego daqui a pouco tempo. Seguiram-se-lhe as eleições catalãs, com a sua veleidade referendária da auto-determinação, que culminaram numa vitória de Pirro dos secessionistas, desejosos de converter este desenlace frustre numa afirmação da volição independentista. Também aqui a procissão vai no adro e tudo pode voltar a efervescer. Vieram depois as eleições lusas, com o seu resultado paradoxal, em que os partidos que executaram o memorando da Troika venceram as eleições, mas em que a falta de maioria absoluta abriu a perspectiva de os partidos derrotados poderem aliar-se entre si para governar. Também este cenário, agora provável, tem tido amplos ecos na Europa e é aí seguido com uma especial atenção.

2. O facto político mais relevante dos últimos tempos é obviamente a situação política saída das eleições polacas. E que só será ultrapassado pelo resultado das eleições espanholas do Natal que, a julgar pelas sondagens mais recentes, se traduz num empate entre o PP, o PSOE e o Ciudadanos. As eleições na Polónia trazem duas grandes novidades: pela primeira vez, um só partido foi capaz de obter uma maioria absoluta de lugares nas duas câmaras do parlamento e, pela primeira vez, não há qualquer força de esquerda no Sejm. A primeira novidade interessa mais à política interna, a segunda interessa, e de sobremaneira, à política europeia e à política comparada. A vitória com maioria absoluta dos conservadores, de pendor eurocéptico e nacionalista, do partido Lei e Justiça (PiS) é causa de desconfiança nos fóruns europeus. Na sua experiência anterior de governação (2005-2007), liderada pelos gémeos Kaczinsky, a tensão com a União Europeia e com a Federação Russa foi especialmente visível. A linha política dominante foi então de conservadorismo popular ou populista, profundamente anti-liberal, muito nacionalista e com laivos de fundamentalismo católico e moralista, cujo “braço armado” era (e continua a ser…) a omnipresente Radio Maryja.

3. A verdade é que, no novo contexto político-eleitoral, o PiS, sem mudar de liderança – que continua nas mãos do gémeo sobrevivente, Jaroslaw Kaczinsky –, levou a cabo uma profunda renovação dos protagonistas políticos. E assim fez eleger nas presidenciais o seu candidato, claramente mais moderado e menos radical, Andrzej Duda. E apresentou como candidata ao lugar de Primeira-Ministra, a chefe de campanha deste último, Beata Szydlo, com um perfil mais temperado e menos histriónico. Não falta quem diga que Kaczinsky acabará por tirar o tapete à sua herdeira e por vir, mais tarde ou mais cedo, a ser de novo entronizado como Primeiro-Ministro. Para já, um tal temor não passa de simples especulação. A grande dúvida é, por conseguinte, a de saber se o caminho que o PiS vai querer trilhar é a via húngara da “orbanização” do regime – sugerida pela linha dura dos anos 2005-2007 – ou a via conservadora “à inglesa”, já que o Partido Conservador é o seu mais importante parceiro europeu – via esta indiciada pela escolha de novos rostos moderados. O caminho da “orbanização” – sustentado pela admiração nutrida pelo carisma de Viktor Orban e pela aproximação nacionalista dos restantes países do grupo de Visegrado (Hungria, Eslováquia e República Checa) – consubstanciar-se-ia na tentativa de domesticação do sistema judicial e do mundo mediático, numa maior estatização da economia, num reforço das políticas sociais de distribuição, num dogmatismo moral de cariz religioso e num nacionalismo exacerbado de matiz xenófoba. Só se distinguiria do trilho húngaro na relação com a Rússia de Putin, que, ao invés do caso magiar, seria e será decerto muito tensa e hostil. A via conservadora britânica, que tenho como mais provável, virar-se-ia essencialmente para um distanciamento da Europa, apoiando a reivindicação de uma alteração dos tratados e de uma renacionalização das políticas comuns e execrando qualquer política de acolhimento de refugiados ou migrantes de fora da Europa. A divergência com a linha britânica surgirá decerto na questão maior da liberdade de circulação dos cidadãos da União, por causa da enorme quantidade de trabalhadores polacos emigrados no Reino Unido. Esta linha democrática conservadora, apesar das promessas eleitorais de sinal estatizante e social, acabaria por dar sequência à política económica de sucesso dos governos da Plataforma Cívica, agora derrotada, para poder tirar proveito do mercado interno europeu e do forte investimento estrangeiro presente em território polaco.   

4. Estas promessas de reforço das políticas sociais (mais abono de família, descida da idade de reforma, etc.) tiraram espaço à esquerda, que foi varrida do mapa político. O espectro parlamentar fica pois dividido entre o centro-direita e a direita “pura”, quando não radical. E tal como no caso húngaro, sobeja o risco de o centro e a direita moderada se radicalizarem por terem de competir, apenas e só, com forças populistas e extremistas de direita. O apagamento dos partidos de esquerda e de centro-esquerda é, por isso, motivo de séria e profunda preocupação.

É, por isso, que, também por cá, estranho que tantos estranhem a genuína inquietação que tenho revelado com a deriva radical do PS. Estou seriamente preocupado com a apropriação do PS pela extrema-esquerda. Não augura nada de bom. Nem para o país, nem para o sistema político. Todos vamos pagar, nos sentidos literal e metafórico de “pagar”, essa deriva. E ela pode acabar num varrimento do PS. É aí, e não no lado direito e central do espectro político, que mora o risco de “pasokização”.

 

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