Candidatos de esquerda à Presidência criticam Cavaco

Não é a indigitação de Passos Coelho que está em causa, é o “tom de desafio e de confronto” e a “intenção de excluir” PCP e BE, aponta Sampaio da Nóvoa. Marcelo não comenta.

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Sampaio da Nóvoa Miguel Manso

Este sábado à tarde, depois das ondas de choque da comunicação ao país do Presidente Cavaco Silva, dois dos principais candidatos à sua sucessão vão estar em campanha. E parecem ter trocado de lugar. À mesma hora, às 16h, Marcelo Rebelo de Sousa, professor de Direito Constitucional, candidato até agora único da direita, vai estar no “emblemático salão” da Voz do Operário, na Graça, em Lisboa. António Sampaio da Nóvoa, ex-reitor de Marcelo, que se candidata à esquerda, vai reunir-se num hotel no Saldanha com os constitucionalistas (e seus apoiantes) Jorge de Miranda e Jorge Reis Novais para ouvir opiniões sobre o “momento crítico” que vivemos.

As palavras de Cavaco têm, necessariamente, efeitos diferentes sobre estes dois candidatos. Uma polarização entre esquerda e direita coloca Marcelo num terreno que os números das sondagens – e a bonomia com que sempre falou do PCP, até na própria da Festa do Avante - pareciam desmentir. Ao PÚBLICO, o candidato não quis comentar a “actual situação política” nem o conteúdo da comunicação de Cavaco: “O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa não quer fazer qualquer declaração sobre a actual situação política. Amanhã, o professor fará uma intervenção onde, se entender oportuno, se referirá a essa matéria”, informou o gabinete de imprensa da sua candidatura.

Já Nóvoa divide a comunicação de Cavaco em duas. A primeira parte, a indigitação de Passos Coelho para formar Governo, não lhe merece críticas: “É uma decisão natural, porque respeita os formalismos necessários em democracia e corresponde à tradição política e constitucional portuguesa.” Já o resto… “A escolha dos portugueses, tomada livremente nas eleições legislativas, deve ser respeitada. Todos os partidos, todos os votos, contam. É preocupante que o senhor Presidente da República tenha manifestado a intenção de excluir da nossa vida democrática, e de qualquer solução de governo, partidos que representam mais de um milhão de cidadãos.”

Maria de Belém, que é militante do PS, escolhe um tom mais cauteloso: “Terminou o tempo do Presidente da República, iniciou-se o tempo do Parlamento. Não pode o Presidente da República condicionar nunca a actuação do parlamento."

De todos os candidatos ouvidos pelo PÚBLICO, o único que critica a indigitação de Passos é Edgar Silva, apoiado pelo PCP. “O processo de indigitação deve respeitar integralmente a composição do Parlamento e as opiniões manifestadas pelo conjunto das forças políticas aí representadas”, afirma ao PÚBLICO o candidato, que considera ainda que toda a comunicação do Presidente da República “desrespeita a Constituição”.

Marisa Matias, eurodeputada do BE, aceita como “legítima” a decisão de indigitar o ainda primeiro-ministro, enquanto o socialista Henrique Neto a considera “apropriada”.

Onde todos os candidatos, com a excepção de Marcelo, concordam é na crítica aos argumentos do Presidente. Edgar Silva: “Não é admissível que alguém que assume as mais altas funções do Estado teça considerações sobre a legitimidade dos partidos.” Marisa Matias: “Não há nada que justifique um discurso de cruzada ideológica. O Presidente da República resolveu expulsar um milhão de portugueses da democracia.” Henrique Neto: “O actual Presidente da República deixou de representar todos os portugueses.” Sampaio da Nóvoa: “Ao dramatizar a escolha política dos partidos e deputados, numa intervenção que sabia de antemão que iria ter eco internacional, o Presidente da República pode ter provocado uma instabilidade até agora inexistente.” Maria de Belém: “O Presidente da República deve usar a palavra sempre no sentido da construção e não da desconstrução".

O que fariam, então, os candidatos? Henrique Neto é o único que defende, neste contexto, um acordo de “bloco central”. “Teria responsabilizado os dois partidos mais votados para acabarem com as quezílias e colocarem o interesse nacional acima dos seus interesses partidários”, defende o industrial.

Outros candidatos defendem que o PS tem condições para formar Governo, com o apoio da maioria de esquerda no Parlamento. “Nas actuais circunstâncias, em que a Assembleia da República não pode ser dissolvida, será impensável que um Presidente não aceite dar posse a um Governo com maioria parlamentar”, defende Sampaio da Nóvoa. “Daria posse à solução de governação estável, com apoio parlamentar, um objectivo que o próprio Presidente várias vezes invocou”, afirma Marisa Matias.

E o que farão se, depois das eleições, encontrarem um Governo em “gestão”, sem plenos poderes, porque Cavaco Silva recusou dar posse à alternativa que PS, PCP e BE defendem? Mais uma vez, há diferenças. Sampaio da Nóvoa daria posse a um Governo de esquerda: “Faço minhas as palavras do Senhor Presidente da República, quando salientou que 26 dos 28 governos da União Europeia dispõem de apoio parlamentar maioritário e que não há nenhum motivo para que Portugal seja uma excepção.” Marisa Matias também.

Edgar Silva não acha, sequer, “concebível” qualquer cenário “em que fosse confrontado com um governo de gestão em funções”. Henrique Neto é o único que, nessas circunstâncias, optaria por convocar novas eleições. “A convocação de eleições é, nestes casos, a solução desejável. “

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