Ao penúltimo dia das negociações não houve reuniões, mas ainda não há acordo

Depois de anunciadas as "condições" para um governo apoiado à esquerda, os negociadores estiveram a trabalhar nos bastidores. São quase todos homens e a maioria tem menos de 40 anos e estudou Economia.

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António Costa e Catarina Martins quando as negociações estavam no início Daniel Rocha

As negociações estão em aberto. Há vários pontos importantes à espera de um "sim" definitivo. O aumento do salário mínimo é um deles. Quer o PCP, quer o BE defendem um aumento imediato, enquanto o PS apenas tem admitido um calendário para a sua actualização ao longo da legislatura.

Até ao fim do dia de quarta-feira, o PCP e o BE ainda não tinham acordado com o PS nenhum documento que sirva pelo menos de base a uma negociação entre os três partidos à mesma mesa. Mas este foi um dia estranhamente calmo em termos negociais. "Estranheza", é mesmo o que revela uma fonte do BE contactada pelo PÚBLICO. Isso e alguma "preocupação".

É que, apesar da sintonia demonstrada pelos líderes em Belém, há ainda pontos em aberto à mesa das negociações. Como o PÚBLICO revelou nesta terça-feira, dois deles são significativos: o calendário para a devolução da sobretaxa do IRS e o peso da factura da electricidade. São duas questões que envolvem garantias importantes a nível orçamental e sobre as quais não há acordo entre BE e PS.

Do lado do PS a situação é encarada com normalidade. Os membros da equipa técnica do PS passaram o dia a trabalhar nos documentos que sintetizam as conversas com PCP e BE e a preparar a reunião desta quinta-feira com os comunistas. Fontes socialistas garantem que esta será, provavelmente, a última reunião deste tipo.

Daqui para a frente, se tudo correr como planeado, a negociação passa do Parlamento para as direcções dos três partidos. Aí serão acordados os últimos pontos. E, sobretudo, dar-se-á forma ao conteúdo que os negociadores debateram nas duas últimas semanas. A forma é importante. Questões como a durabilidade do acordo, o tipo de entendimento (coligação, acordo parlamentar, participação no executivo) e a expressão das matérias que nele constam. Será entre os três líderes que será decidida também a abordagem aos complicados limites deste acordo sobre questões europeias. De que forma BE e PCP mantêm a sua autonomia em matérias como o Tratado Orçamental e o enquadramento da zona euro, ao mesmo tempo que viabilizam orçamentos e negoceiam o próximo Programa de Estabilidade e Crescimento, em 2016?

Seja qual for o desfecho, nas duas últimas semanas os três partidos inauguraram uma relação política nova. E passaram muitas horas sentados à mesa – especialmente os negociadores que mais ou menos assíduos iniciaram este processo.

Estão em estado de "prontidão" desde as eleições. E em reunião permanente há uma semana e meia. Quando não estão a reunir-se, estão a preparar reuniões. Ou a fazer contas. Para uns, o Parlamento é território desconhecido. Para outros, é a própria política a novidade. Mas tem sido deles o trabalho que permite, agora, aos líderes do PS, PCP e BE mostrarem uma convergência inédita na política nacional.

A probabilidade estatística de haver um acordo à esquerda depois das eleições legislativas de 4 de Outubro era com certeza mais alta do que esta: entre os 14 negociadores do acordo, entre PS, BE e PCP, só há duas mulheres. São irmãs. E gémeas. Joana e Mariana Mortágua, ambas do BE, são também as mais novas.

O Bloco escolheu os seus negociadores entre os novos deputados eleitos. São seis, e o mais velho é Pedro Soares. Jorge Costa partilha com Mariana Mortágua os debates políticos com o PS.

À sua frente, o coordenador socialista é Pedro Nuno Santos, mas o mais interventivo nas reuniões é o economista Mário Centeno. Afinal, foram coordenados por ele os cálculos do cenário macroeconómico que serviram de base ao programa com que o partido concorreu às eleições. E é por ele que passam os principais embates com os partidos de esquerda que exigiam uma mudança profunda na estratégia. Questões como o "estímulo económico" que Centeno pretendia provocar com a baixa na TSU e as questões laborais – de que Centeno não queria abdicar como "símbolo" de uma política de apoio à competitividade – acabaram por cair.

O PS leva dois quadros do Banco de Portugal para as negociações. Além de Centeno, está presente Ricardo Mourinho Félix, eleito por Setúbal. Da equipa faz parte também um assessor especial do grupo parlamentar, Hugo Mendes, sociólogo, investigador universitário, especialista em assunto sociais (é um dos autores do livro Estado Social: de Todos para Todos).

O PCP apostou em três membros da comissão política do comité central. O mais velho é Jorge Cordeiro, 59 anos. João Oliveira, líder parlamentar, e Vasco Cardoso, formado em Gestão, ainda não chegaram aos 40.

Mas vários outros negociadores foram entrando e saindo das reuniões. Adalberto Campos Fernandes, médico, especialista em saúde pública, esteve presente nos primeiros encontros e deu o seu contributo sectorial. Também Helena Freitas, deputada eleita por Coimbra, onde é professora, e ex-presidente da Liga para a Protecção da Natureza, participou em encontros com a delegação comunista. Isto, apesar de se ter mostrado muito crítica da solução que o PS procurava nestas negociações... Logo após as eleições escreveu na sua página do Facebook : "Sendo verdade que existe uma grande maioria de portugueses contra a coligação (facto que Passos e Portas fingem que não percebem), trata-se de uma 'maioria negativa', como muito bem disse António Costa. Uma maioria que não se apresentou aos eleitores, e, portanto, para efeitos de governo, não existe, não é legítima. Poderia sê-lo num outro país, mas em Portugal assumir que ela existe e constituir assim um governo seria uma traição ao eleitorado e ao próprio eleitorado do Partido Socialista." No fundo, Helena Freitas experimentou o drama de qualquer negociador: entrar com uma convicção e ter de sair com outra...

 

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