Operação Furacão acusa administradores do grupo, mas poupa família Espírito Santo

Segunda acusação do megaprocesso de fraude fiscal proferida 11 anos após o início da investigação. Desta vez, foram acusados 19 arguidos.

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Ricardo Salgado foi poupado Miguel Manso

A segunda acusação proferida no âmbito da Operação Furacão, o megaprocesso de fraude fiscal que está a ser investigado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) há 11 anos, concentra-se na actividade de uma empresa, a Esger, que foi entre 1993 e 2000 do Banco Espírito Santo, passando nessa altura para a Espírito Santo Resources, uma entidade que integrava o universo do Grupo Espírito Santo (GES).

Quatro administradores da Esger são acusados de fraude fiscal, um por 49 crimes e dois por 48, o mesmo número de ilícitos imputados à própria empresa. Contudo, o elemento da família Espírito Santo que tutelava a empresa, José Manuel Espírito Santo, não foi acusado. O líder do grupo e do banco, Ricardo Salgado – que foi igualmente accionista individual da Esger – também foi poupado pelo Ministério Público.

“Nos autos não foi recolhida prova bastante de que houvesse uma intervenção, ou mesmo um conhecimento do tipo de estruturas que vieram a ser constituídas através dos serviços prestados pela Esger, e da sua concreta utilização nos esquemas sob investigação, pelos clientes a eles aderentes, razão pela qual não se procedeu à constituição como arguidos de pessoas ou entidades ligadas ao BES, maxime ao seu departamento de Private Banking, ou ao Grupo Espírito Santo”, lê-se no despacho de acusação, um documento com mais de 1100 páginas a que o PÚBLICO teve acesso.

O Ministério Público reconhece a ligação da Esger, ao BES, mais concretamente ao seu Departamento de Private Banking, dando conta que os profissionais daquela unidade “aconselhavam os seus clientes a entrar em contacto com a Esger, no sentido de ser marcada uma reunião na qual fosse encontrada uma solução de aplicação de fundos e de optimização a nível fiscal”. Normalmente era marcada uma primeira reunião com o cliente do Private Banking do BES e com elementos da Esger, a qual decorria tanto nas instalações da Esger, como nas do BES ou nas do cliente.

A acusação dá conta dos “contactos frequentes” entre um dos administradores que é arguido e o departamento de Private Banking, “onde se deslocava para reunir com clientes apresentados pelos gestores do Private Banking do BES, para discussão de assuntos relacionados com os esquemas em causa”.

O Ministério Público explica que a ideia de constituir a Esger terá nascido por volta do ano de 1990, no decurso de urna reunião tida, em Paris, entre José Manuel Espírito Santo e outros dois empresários Luís Emílio Borges Rodrigues e Pedro Menéres Cudell. E refere que a empresa nasceu com o propósito de “proporcionar um conjunto de serviços relacionados com a constituição e gestão de sociedades não residentes, utilizadas em soluções de investimento e de optimização fiscal, a clientes nacionais do departamento de Private Banking do então Banco Espírito Santo, e a determinados clientes do então BIC - Banco Internacional de Crédito”.

Segundo a acusação, os administradores da Esger conceberam e desenvolveram esquemas que permitiam a terceiros obter vantagens fiscais traduzidas no não pagamento de impostos ao Estado Português, através da utilização de sociedades não residentes, em nome das quais faziam produzir facturas que não correspondiam com a realidade dos serviços, das mercadorias e dos preços que faziam constar dessas mesmas facturas.

Eram criadas sociedades de fachada na Irlanda e Reino Unido que apenas serviam para emitir facturas relativas a mercadorias - na maioria inexistentes e noutros casos com o valor muito empolado - compradas pelas empresas nacionais. Estas pagavam às sociedades que funcionavam como testas-de-ferro os valores facturados e registavam as facturas falsas na sua contabilidade como custo, diminuindo assim o lucro sujeito a imposto. O dinheiro recebido pelas sociedades de fachada era depois transferido para contas bancárias de outras sociedades entretanto criadas em zonas off-shore e das quais eram últimos beneficiários os gestores das empresas clientes. Por este serviço os promotores cobravam habitualmente 5% dos valores facturados e transferidos.

Estes esquemas lesaram o Estado português em mais de 46 milhões de euros, contudo, cerca de dois terços desta verba foi regularizada pelos beneficiários, que aceitaram pagar os impostos em falta para evitarem ser acusados de um crime. Estes arguidos beneficiaram da figura da suspensão provisória do processo.

Houve, no entanto, 13 arguidos, empresas e pessoas singulares, clientes da Esger que não regularizaram as dívidas fiscais sendo, por isso, alvo de uma acusação por fraude fiscal qualificada. “A concepção e disponibilização dos referidos esquemas de facturação foram desenvolvidas, pelo menos, nos anos de 2000 a 2008. A utilização e disponibilização destes mesmos esquemas, provocou ao Estado um prejuízo, ainda não regularizado, num montante superior a 16 milhões de euros”, precisa o DCIAP, numa nota.

A primeira acusação da Operação Furacão foi proferida em Junho de 2013, tendo então o DCIAP imputado crimes de fraude fiscal qualificada a 24 pessoas e seis empresas.

No centro da primeira acusação estava o Finibanco, entretanto adquirido pelo Montepio Geral, uma das seis empresas acusadas de fraude fiscal qualificada. Ainda falta terminar a investigação relativamente a uma outra empresa promotora destes esquemas ligada ao Banco Comercial Português. com Rosa Soares

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