A “selva” de Calais está à beira da ruptura e o Inverno está à porta

Se as estimativas do início de Junho davam conta de 2500 migrantes no local, agora os números oscilam entre os 4000 e os 6000.

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As condições de vida na "selva" são cada vez mais difíceis Philippe Wojazer/reuters
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Lama e mais lama nas "ruas" da "selva" Philippe Wojazer/reuters
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A aquecer água para o chá Philippe Wojazer/reuters
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Melhoramentos na estrutura da mesquita Philippe Wojazer/reuters
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A mercearia Philippe Wojazer/reuters
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Um hotel para quem acaba de chegar Philippe Wojazer/reuters
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Vista aérea da zona do acampamento em Calais Pascal Rossignol/reuters

“Não tenho nada para me proteger do frio, por isso vou vestir mais uma camisola que me deram as associações”, desabafa Abdulilah, um homem nos seus 50 anos: na “selva” de Calais, na costa francesa frente a Inglaterra, as temperaturas nocturnas já rondam os cinco graus.

Com a aproximação do Inverno, as associações presentes neste acampamento que mais parece um bairro de lata, onde se acumulam entre 4000 a 6000 migrantes, estão preocupadas com as condições de vida cada vez mais precárias e duvidam da chegada de dispositivos humanitários suplementares prometidos pelo Governo francês.

“Patinhamos na lama. Há sítios onde a água estagnou e é muito difícil circular, os pontos de água potável estão em condições duvidosas. Estamos ao vento, à chuva e ao frio, é ainda pior do que nas outras “selvas” que aqui estiveram”, diz François Guennoc, da organização L' Auberge des Migrants.

Nas vielas sinuosas deste acampamento com ar de bairro pobre sul-africano, ouve-se por todo o lado o som dos martelos em operações de solidificação dos abrigos improvisados para os proteger das adversidades climáticas que se advinham para os próximos meses.

Desde Setembro, as passagens ilegais para a Grã-Bretanha a partir do porto de Calais, onde se situa o imenso terminal do Eurotúnel, que chegaram a ser 150 por dia em Agosto, fazem-se agora a conta-gotas devido ao enorme reforço das grades de segurança e das câmaras de vigilância.

No entanto, as chegadas à “selva” não abrandaram: 630 mil migrantes entraram ilegalmente desde do início do ano na Europa. Para alguns, Calais é o último obstáculo a vencer antes de chegar a Inglaterra, o seu destino preferido.

Paralelamente, os pedidos de asilo em França multiplicaram-se, incitando à sedentarização, segundo as associações: “O Estado recebe entre 125 a 150 pedidos por semana”, principalmente de sudaneses e eritreus, indica o prefeito de Pas-de-Calais, Fabienne Buccio.

Como consequência, a “selva” cresce de dia para dia. Se as estimativas do início de Junho davam conta de 2500 migrantes no local, agora os números oscilam entre os 4000 e os 6000, entre eles muitas mulheres e crianças

“Estamos à beira da ruptura. Há falhas na protecção das pessoas e atrasos no processamento dos pedidos de asilo. É inaceitável que um Estado, sexta potência mundial, caucione isto”, denuncia Jean-François Corty, responsável pelas missões em França da organização Médicos do Mundo.

Calais é “o símbolo da insuficiência dos poderes públicos”, segundo aquela associação, que realizou em 2014 mais de duas mil consultas médicas, e 3200 desde o início de 2015.

O último relatório do defensor dos direitos humanos Jacques Toubon, contestado pelo Ministério do Interior, também critica a situação sanitária do campo, apontando para a insuficiência de pontos de água potável e a ausência de um dispositivo regular de recolha do lixo.

O Governo anunciou no fim de Agosto um dispositivo humanitário destinado a oferecer a 1500 pessoas um alojamento, mas parece que a promessa suscitou mais interrogações do que soluções, segundo as associações no terreno.

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Vista aérea da zona do acampamento em Calais Pascal Rossignol/Reuters

Está previsto que, até 31 de Dezembro, 125 contentores mobilados e aquecidos com capacidade para alojar 12 pessoas cada um, sejam instalados para formar um campo fechado. “Haverá um perímetro materializado com um dispositivo de identificação de indivíduos para que saibamos que eles vivem no local”, explica Guillaume Alexandre, director da Vida Activa, o operador contratado pelo Estado para a sua construção. Mas o funcionamento dos contentores ainda está em fase de estudo, tendo sido excluída a utilização de distintivos de identificação “porque podem ser roubados por outros migrantes”.

“Estamos completamente à toa. E então o que fazemos aos restantes dois terços? Haverá mais promiscuidade e tensões mais fortes. Isto só vai agravar a situação!”, queixa-se Christian Salomé, presidente do L' Albergue de Migrants, para quem uma tal situação só poderá “criar inveja” e conflitos entre “os felizardos dos contentores e os outros”.

O Governo francês não se chega à frente para uma eventual segunda fase. Mas o director da Vida Activa diz “ter capacidade para fazer crescer o campo de contentores, de forma a acolher 3000 pessoas, em função daquilo que lhe for pedido pelo Estado”.

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