Filipe Faísca conta-nos histórias daquilo que ainda não vimos

O que é a narrativa da moda? Está no nosso quotidiano, mas também no espectáculo na passerelle. Este domingo, o designer vai mesmo contar Short Stories e pôr-nos a pensar em mulheres.

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Filipe Faísca, fotografado em 2008 Daniel Rocha
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Croquis da colecção que este domingo é apresentada na ModaLisboa Filipe Faísca
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Croquis da colecção que este domingo é apresentada na ModaLisboa Filipe Faísca

Quando escolhemos uma peça para vestir, estamos a eleger a forma como nos apresentamos ao mundo – e a contar-lhe uma história. Discreta, festiva, sedutora, combativa, somos candidatos a ser personagem, pessoa. Este domingo, o designer português Filipe Faísca, cujos desfiles têm marcado, como pequenos acontecimentos, as estações de moda portuguesas desta vez conta-nos várias Short Stories no último dia da 45.ª ModaLisboa.

Relatos de vidas de várias mulheres, escritos e narrados pela jornalista Sandra Nobre, aliam-se às “rendas e plissados” da sua colecção para o próximo Verão. Todos a bordo, que esta é uma viagem entre o tempo e o espaço.

A colecção que às 15h deste domingo sobe à passerelle chama-se Now. Agora, Filipe Faísca pode descrever-se como um designer narrativo, cujo trabalho era numa primeira fase “quase um grito, uma força, uma energia que comunicava de forma escultural têxtil ou através da roupa”, mas que sempre tentou contar histórias, explica na sua loja em Lisboa dias antes do desfile. “Foi-se tornando claro que há uma mensagem”, explica ao PÚBLICO, e a proposta de Sandra Nobre e do seu projecto Short Stories dará “corpo” ao que Faísca nos quer dizer com as mulheres que imagina vestir. 

Num mundo em que parece todos os dias parece haver, algures, um desfile de moda, os que se distinguem são aqueles que têm uma ou várias histórias para contar, escritas pelas roupas e encadernadas pela encenação que as rodeia - pisquemos o olho ao conceptual Rick Owens ou ao luxuoso Lagerfeld na Chanel, por exemplo. O papel da narrativa no discurso de moda está amplamente analisado e vem mesmo à cabeça Paul Ricoeur e o seu conceito de narrativa identitária – “a narrativa constrói a identidade da personagem, o que pode ser chamado a sua identidade narrativa” (Soi-même comme un autre, 1990) - ou a simples equação adolescência+roupas=tribo.

Now é Filipe Faísca a trabalhar a “ideia de tempo e de espaço”, conceitos que nos regem “mas que não existem - cada vez mais entramos em confronto com eles”. O conflito é o coração de uma história, ou “sinais de histórias”, pensando também na “tendência internacional na moda que é misturar o Verão com o Inverno, viajar”, tempo e espaço cada vez menos constritores. Sandra Nobre, jornalista freelance e autora do projecto Short Stories, que desde 2013 faz livros personalizados sobre as histórias de quem lhas peça para contar (biografias, histórias de amor, de viagens...), propôs-lhe e recebeu dele histórias. Imagens Faísca como a elegantefrequent flyer semi-despida pelos controlos de segurança nos aeroportos, por exemplo.

Nas últimas estações, Faísca teve o Call-center de Joana Vasconcelos, a parceria com a Fundação Rui Osório de Castro que apoia crianças com cancro, ou, já em 2007 e quando melhor conheceu Nobre, a emblemática Portugal, Portugal com Zeca Afonso e o burel a levarem a sala às lágrimas de portugalidade… Este domingo, e depois de outro chamariz de público e histórias-espectáculo chamado Nuno Gama, no desfile de Now contam-se histórias de várias mulheres em aeroportos, estações de comboios, lugares de transferência e de trânsito de onde as manequins (com algumas surpresas no elenco) vão a Ibiza, Paris, Santorini ou ao Porto.  

“Nunca vi as histórias só como livros e sempre achei interessante poder transformá-las noutros formatos”, diz Sandra Nobre, que lecciona ainda workshops de storytelling e que matutava em “contar uma história como pano de fundo” de desfile, de colecção. 

No desfile estarão duas centenas dos seus livros cosidos à mão, as histórias que vão caminhar em sapatos Christian Louboutin e acessórios da marca de luxo Montblanc. É a primeira vez que a Montblanc se associa a um designer português num desfile (numa edição em que o próprio tema da ModaLisboa é Timers) depois de também pela primeira vez um designer externo, Marc Newson, criar uma caneta, a Montblanc M, que será apresentada no evento.

Now, que mulheres? “A mulher que eu idealizo é libertina, que se solta dos seus preconceitos, que arrisca, festeja, e com alguma tristeza. E também há as tendências”, sorri. “Rendas e plissados - são o ideal para viagens. Não se amachuca”, ri-se. “Eu vejo-os sempre como mil-folhas, como as páginas dos livros”, associa Sandra. “E as rendas são o que fazemos com as palavras”. A história de Renata, passaporte cheio e conversas com a avó de permeio, foi das primeiras a gravar-se na cabeça de Faísca. Este domingo, Renata vai à ModaLisboa. 

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