Hollande e Merkel apelam à união para evitar "o fim da Europa"

Discurso histórico dos dois líderes no Parlamento Europeu, num momento decisivo: "Não precisamos de menos Europa mas sim de mais Europa. A Europa deve afirmar-se, ou então assistiremos ao fim da Europa."

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"Estamos a falar do regresso às fronteiras nacionais", avisou Hollande Vincent Kessler/Reuters

Os líderes da Alemanha e de França foram esta quarta-feira ao Parlamento Europeu lançar um apelo emotivo ao fim das divisões na União Europeia, em duas declarações a uma só voz que soaram a última oportunidade. Para François Hollande, a forma como a crise dos refugiados e migrantes está a ser gerida pode fazer o continente "regressar ao tempo das fronteiras nacionais", o que equivale a dizer, segundo o Presidente francês, que pode estar próximo "o fim da Europa" tal como a conhecemos.

A presença no Parlamento Europeu de ambos os líderes do eixo franco-alemão, histórico motor da construção europeia, foi ela própria uma forte mensagem. Foi a primeira vez que tal aconteceu desde Novembro de 1989, quando Helmut Kohl e François Mitterrand foram juntos a Estrasburgo incentivar os seus parceiros a estarem à altura dos acontecimentos dessa época – a queda do Muro de Berlim, que acontecera semanas antes, e a posterior reunificação alemã, tendo como pano de fundo o desmembramento da União Soviética.

Vinte e seis anos depois, a Europa enfrenta novos desafios, igualmente determinantes para o seu futuro, e foi por isso que Angela Merkel e François Hollande decidiram fazer uma prova de vida da influência conjunta de Berlim e Paris.

François Hollande foi o primeiro dois dois líderes a discursar, e deixou claro que a União Europeia só tem um futuro se não ultrapassar as suas divergências actuais – ou seja, não ter futuro nenhum.

"Não precisamos de menos Europa mas sim de mais Europa. A Europa deve afirmar-se, ou então assistiremos ao fim da Europa, à nossa morte", afirmou o Presidente francês, dirigindo-se aos líderes europeus que defendem uma maior transferência de poderes para os governos de cada país.

Hollande admitiu que as instituições da União Europeia – e, naturalmente, os seus líderes – "foram lentos a perceber que as tragédias no Médio Oriente e em África teriam consequências para a própria Europa", mas defendeu que agora é tempo de tentar emendar os erros do passado.

Para isso, os países da União Europeia devem "sair das suas conchas nacionais", numa referência indirecta a países como a República Checa, Hungria, Eslováquia e Roménia, que rejeitaram a imposição de um sistema de quotas para receber cerca de 120.000 refugiados nos próximos tempos – uma proposta aprovada em Setembro por outros 23 membros da União Europeia e com a abstenção da Finlândia.

"Temos de enfrentar esta tragédia humanitária que é o influxo de refugiados. A única solução é uma Europa forte", reafirmou François Hollande.

Regras de asilo esão "obsoletas"
Num tom semelhante, a chanceler alemã, Angela Merkel, disse que "os esforços nacionais isolados não são uma solução para a crise dos refugiados", e afirmou que as regras para a obtenção de asilo na União Europeia estão "obsoletas".

"Sejamos honestos, o Protocolo de Dublin, na sua forma actual, está obsoleto. A verdade é que não provou ser sustentável face aos desafios nas nossas fronteiras. Por essa razão, defendo um novo acordo que preveja uma justa e equitativa partilha deste problema", disse Merkel.

De acordo com o Protocolo de Dublin, um refugiado tem de pedir asilo no primeiro país a que chega na União Europeia, mas não é isso que tem acontecido. Milhares de pessoas têm como objectivo chegar a países como a Alemanha ou a Suécia, e não querem ser registadas na Grécia, que enfrenta graves dificuldades económicas. Depois, vêem-se numa espécie de jogo do empurra em países como a Hungria, a Croácia ou a Eslovénia, onde muitas também não chegam a ser registadas.

O risco de uma deriva nacionalista na Europa foi um dos temas que mais se fez ouvir por entre as palavras da chanceler alemã, numa crítica ao crescimento de partidos como a Frente Nacional, em França, e à actuação do governo húngaro, de Viktor Orbán, que mandou construir várias vedações ao longo da fronteira com a Sérvia e com a Croácia para impedir a entrada de mais refugiados e migrantes.

Sem se referir directamente à Hungria, Angela Merkel disse que respostas como a construção de vedações não fazem sentido nos dias de hoje, numa época em que "os eventos a nível global afectam a Europa, quer se queira, quer não".

"Temos de reconhecer que, mesmo que nos tentássemos isolar completamente, pagando o preço de termos pessoas a sofrer nas nossas fronteiras, isso não iria ajudar ninguém. Fechar-nos e isolar-nos na época da Internet é uma ilusão. Não se resolveria nenhum problema, e surgiriam outros problemas graves."

No final dos discursos, Merkel e Hollande ouviram declarações de apoio mas também duras críticas, vindas das várias bancadas parlamentares. As mais incisivas foram lançadas pela líder da Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, que chegou a dirigir-se ao Presidente francês como "vice-chanceler, administrador da província França". O líder do partido anti-europeísta e anti-imigração britânico UKIP, Nigel Farage, minimizou o papel de Paris e descreveu a Europa como um país "totalmente dominado pela Alemanha".

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