O gesto é tudo

The Walk é um gesto técnico extraordinário que explica como o 3D não precisa de ser um mero espectáculo de feira, mas não consegue erguer à sua volta mais do que um filme anónimo.

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The Walk: entretenimento correcto mas pouco entusiasmante

É instrutivo pôr lado a lado o novo filme de Robert Zemeckis, o realizador de Regresso ao Futuro, Quem Tramou Roger Rabbit? e Forrest Gump, e Homem no Arame, que valeu ao inglês James Marsh o Óscar de melhor documentário em 2009.

É instrutivo porque é a mesma história que os dois filmes contam: o feito do funâmbulo francês Philippe Petit que, em Agosto de 1974, esticou um cabo de aço entre as duas torres do World Trade Center nova-iorquino e atravessou o abismo de 400 metros de altura sem rede. Zemeckis e Marsh basearam-se ambos no livro que Petit escreveu sobre o feito, sublinhando como, para o acrobata, a chave da sua “loucura” residia apenas no gesto – um gesto artístico, radical, poético, um desafio libertário para procurar a beleza e o sonho no quotidiano.

Ao reconstituir de modo romanceado esta história recorrendo à tecnologia cinematográfica mais avançada – rodando em 3D no écrã de grande formato IMAX – Zemeckis prossegue a sua própria demanda do gesto técnico inovador, do aparente impossível que a mistura animação/imagem real em Quem Tramou Roger Rabbit? conseguiu tornar viável. Tecnicamente, aliás, The Walk é uma proeza notável, comparável ao modo como Wenders e Godard exploraram a tecnologia em Pina e Adeus à Linguagem – o 3D é parte integrante da vertigem que o filme cria, torna literalmente táctil o desafio físico e técnico de andar na corda bamba a 400 metros de altura. (Os espectadores com medo das alturas farão melhor em vê-lo em projecção normal, tal é a perfeição da ilusão.)

Até aqui tudo bem. O problema é que The Walk é também a mais recente manifestação do equívoco em que Zemeckis caiu no pós-Forrest Gump, manifestado nas suas esquecíveis experiências de animação por captura de movimento em 3D: a confusão do gesto técnico com o gesto poético, artístico, a convicção de que um e outro são, ou podem ser, equivalentes, quando não são. Tiremos ao filme a espectacularidade da proeza final, a sensação de verdadeira suspensão das leis da gravidade que o passeio pelos céus de Petit transporta, o sucesso na recuperação do olhar arregalado de quem vê uma coisa pela primeira vez. O que resta? Muito pouco: um entretenimento correcto mas pouco entusiasmante (apesar do entusiasmo com que Joseph Gordon-Levitt se atira a Petit), que parece cumprir todas as figuras obrigatórias deste tipo de aventuras mas fá-lo apenas como meio para chegar a um fim, ou, no caso, a um final espectacular. E se é tão instrutivo compará-lo ao documentário de James Marsh, é porque The Walk só é tridimensional na imagem. No resto é lisinho, lisinho, lisinho – flat, como diriam os surfistas.

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