Portugal vai a votos, mas a solução de governo pode demorar

Todas as sondagens conhecidas indicam que nenhuma força política terá maioria absoluta, que a direita está mais perto de ganhar as eleições mas a maioria parlamentar será de esquerda. Uma equação difícil para um país que ainda tenta levantar-se do chão.

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Às eleições deste domingo em Portugal concorre um número recorde de partidos Miguel Manso
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Paulo Portas (CDS-PP) e Pedro Passos Coelho (PSD) lideram a coligação Portugal à Frente: as sondagens dão-lhes vantagem Miguel Manso
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António Costa (PS) deixou a prefeitura da capital Lisboa para tentar ser primeiro-ministro Diogo Baptista
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O líder comunista, Jerónimo de Sousa, tenta capitalizar um eleitorado tradicionalmente fiel Nuno Ferreira Santos
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Catarina Martins (ao centro) fez o Bloco de Esquerda renascer nas sondagens Nuno Ferreira Santos

Portugal vai hoje a votos decidir se dá a maioria parlamentar à coligação de direita que governou o país nos últimos quatro anos, três dos quais sob um programa de austeridade imposto pelo memorando de entendimento com a troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), ou ao Partido Socialista, que esteve no Governo durante os seis anos anteriores e foi obrigado a pedir ajuda financeira externa de 78 mil milhões de euros.

Depois de uma aliança de Governo formada em 2011, na sequência das últimas eleições legislativas, o Partido Social Democrata (PSD) dirigido por Pedro Passos Coelho, actual primeiro-ministro, e o Centro Democrático e Social-Partido Popular (CDS-PP), presidido pelo vice-primeiro-ministro Paulo Portas, formaram para estas eleições a coligação Portugal à Frente (PaF), consagrada num acordo de Governo para a próxima legislatura.

São os únicos dois partidos de centro-direita a concorrer a este acto eleitoral, que se realiza dentro do calendário constitucional, depois de terem governado juntos durante os quatro anos de legislatura, tornando-se o primeiro governo de coligação da história da democracia portuguesa a conseguir completar o seu mandato.

De resto, são no total 16 as forças políticas que concorrem a estas eleições, entre partidos e coligações, na sua maioria de esquerda. Destas, só quatro têm representação parlamentar, embora sejam seis os partidos com assento parlamentar. Isto porque o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) concorrem coligados sob a sigla CDU (Coligação Democrática Unitária). Na Assembleia da República — órgão legislativo de uma única câmara, sentam-se PSD e CDS, à direita, PS, PCP, PEV e Bloco de Esquerda do outro lado.

O sistema eleitoral
Para eleger os 230 deputados da Assembleia da República, os partidos apresentam-se a votos nos 22 círculos eleitorais, correspondentes aos 18 distritos em que administrativamente se divide o país, as duas regiões autónomas (Açores e Madeira) e outros dois círculos reflexo da emigração que caracteriza o país: Europa e Fora da Europa.

Apesar da competição geográfica, todos os deputados, quando se sentam no Parlamento, representam todo o país, e não as regiões por onde foram eleitos. Cada círculo eleitoral elege um número variável de deputados de acordo com o método de Hondt, obtendo uma representação parlamentar proporcional ao número de habitantes.

Neste sistema misto parlamentar-presidencial, chamado semipresidencial, cabe ao Presidente da República, após as eleições, ouvir todos os partidos que alcançaram assento parlamentar e convidar a constituir Governo o líder do partido (ou coligação) com maior número de deputados eleitos.

Para alcançar a maioria absoluta no Parlamento são necessários 116 deputados. Nas últimas eleições legislativas, em 2011, nenhum partido obteve sozinho esta maioria, mas o PSD convidou o CDS-PP para uma coligação governamental.

No entanto, para formar governo não é necessária uma maioria absoluta — aliás, nos 41 anos do Portugal democrático, só por quatro vezes houve maioria absoluta no Parlamento, três vezes com o PSD (sozinho ou em coligação) e uma com o PS, então liderado por José Sócrates. Mas um Governo apoiado numa maioria relativa é sempre mais frágil, pois pode ser derrubado na sequência da aprovação de moções de censura ou de rejeição de moções de confiança e Orçamentos do Estado.

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Como o Parlamento não pode ser dissolvido nos primeiros seis meses após as eleições, quem vier a ser indigitado primeiro-ministro terá, em caso de não ter maioria absoluta, de tentar criar condições de governabilidade pelo menos até Abril ou Maio, já depois da posse do novo Presidente da República a eleger em finais de Janeiro.

O que dizem as sondagens?
A maioria das sondagens divulgadas antes das eleições deste domingo sugere que a coligação de direita está mais próxima de se manter no governo, embora sem maioria absoluta. Na sondagem da Intercampus para o PÚBLICO, a estação de televisão TVI e a rádio TSF, a coligação Portugal à Frente fica em primeiro lugar, com 37,2%, e o PS em segundo lugar, com 32,9%, em linha com os restantes estudos de opinião conhecidos no mesmo dia.

No mesmo estudo, a CDU, dirigida por Jerónimo de Sousa, alcança 8,8% e o Bloco de Esquerda, liderado por Catarina Martins, 7,9%, sendo possível que alguma outra força política possa conseguir representação parlamentar.

Apesar de quatro anos de grande austeridade — com grande aumento de impostos, substanciais reduções de apoios sociais e perda de rendimento efectivo dos trabalhadores —, não se verificou no país nenhum fenómeno de popularidade política de novos partidos, como aconteceu em Espanha com o Podemos ou na Grécia com o Syriza. Surgiram novos partidos, como o Livre (esquerda) ou o Partido Republicano e Democrática (centro), mas o sistema parece continuar cristalizado nos partidos com assento parlamentar. Aliás, o Bloco de Esquerda, que em 2011 tinha perdido metade dos seus deputados, ficando apenas reduzido a oito, este ano parece ter “renascido” e, pelo menos nas sondagens, aproximou-se bastante da CDU.

Certo é que a pulverização de partidos à esquerda está a roubar eleitorado ao PS, de acordo com os estudos de opinião. Que, a confirmarem-se, se traduzirão numa maioria de deputados de esquerda no Parlamento, mesmo que venha a ser formado um Governo de direita.

É neste contexto estreito — impossibilidade de haver novas eleições pelo menos até Maio e provável maioria de esquerda no Parlamento — que a geometria política ditada pelos resultados eleitorais deste domingo pode tornar-se uma dor de cabeça, primeiro para o Presidente da República e depois para os partidos.

Os líderes do PSD e do CDS não se cansaram de referir, na campanha eleitoral, os “riscos” de não se verificar uma maioria absoluta e poder vir a ser o PS a formar governo, mesmo que não tenha vencido as eleições. Por isso, agitaram o fantasma de uma coligação entre os socialistas e os comunistas e/ou bloquistas.

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Mas, por seu lado, o líder do PS, António Costa, foi dando sinais de que não fará uma coligação de governo com nenhum partido, preferindo optar por acordos parlamentares ora à esquerda, ora à direita, para fazer aprovar leis e Orçamentos do Estado. Foi assim, aliás, que Costa geriu a maior autarquia do país, a Câmara de Lisboa, durante seis anos, com sucesso.

A campanha eleitoral, muito centrada nas questões políticas e na governabilidade, não esclareceu, no entanto, se os partidos estão ou não dispostos a se entenderem para garantir condições de governabilidade para quatro anos. Pelo contrário. O socialista António Costa chegou mesmo a afirmar que não aprovará um Orçamento do Estado de um governo de maioria de direita, ao contrário do social-democrata Pedro Passos Coelho, que disse que viabilizará um orçamento do PS.

Por seu lado, CDU e BE sempre se afirmaram inimigos da austeridade e encostaram o PS à direita, como contraponto às suas propostas. No entanto, a bloquista Catarina Martins deixou cair a sua exigência de renegociação da dívida externa, afirmando estar disposta a dialogar com o PS no pós-eleições, impondo, porém, algumas linhas vermelhas em torno de temas como pensões ou despedimentos.

Um país a tentar sair da crise
Depois de três anos de assistência económica e financeira, a economia portuguesa ainda está débil mas a tentar levantar a cabeça. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,4% no segundo trimestre deste ano comparado com o mesmo período do ano passado, mas a dívida pública portuguesa voltou a aumentar em Agosto, atingindo 229,1 mil milhões de euros, sendo o rácio da dívida de 130,2% do PIB.

Por outro lado, o défice está em 4,7% do PIB, muito longe dos 2,7% com que Portugal se comprometeu com as instâncias europeias em cumprir até ao final deste ano. E a taxa de desemprego está no nível mais baixo (12,4%) desde o início de 2011, embora ensombrada pelos números da emigração, que continua a um nível muito elevado — 110 mil portugueses procuraram outros países no ano passado, estimando-se que um total de meio milhão tenha saído em quatro anos — num país que deixou de atrair imigrantes e tem uma das maiores percentagens de idosos do mundo.

Em compensação, as exportações têm aumentado. Entre 2013 e 2015, Portugal subiu do lugar 51 do ranking da competitividade do Fórum Económico Mundial para a posição 38 — à frente de países como a Itália e muito perto da Espanha. Os destinos dos produtos portugueses são sobretudo países europeus, mas a internacionalização da economia em países como Angola e o Brasil está a ser refreada pelo resfriamento do clima económico destes.

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Ainda assim, nas últimas semanas, as agências de notação financeira Standard&Poor’s e Fitch reviram em alta o rating de Portugal para BB+, ainda que alertando para os riscos de instabilidade política e para a necessidade de continuar a cumprir as obrigações externas. Se esta revisão em alta foi uma boa notícia para a coligação que ainda governa, também descansou os credores face à eventual alteração de governo, pois é uma prova de que acreditam que o PS de António Costa cumprirá as metas orçamentais. Como, aliás, ele sempre garantiu que faria.

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