Ataque aéreo dos EUA no Afeganistão destrói hospital e mata 19 civis

Alto comissário da ONU para os Direitos Humanos diz que o ataque é “trágico, indesculpável, e até, possivelmente, criminoso”.

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Fotografia divulgada pelos MSF depois do bombardeamento DR
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O centro dos MSF que foi alvo do bombardeamento norte-americano Reuters
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Fotografia divulgada pelos MSF depois do bombardeamento DR
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Fotografia divulgada pelos MSF depois do bombardeamento DR

Um bombardeamento da força aérea norte-americana destruiu um hospital na cidade afegã de Kunduz, o único em todo o Nordeste do Afeganistão que tinha condições para tratar ferimentos graves, e onde na última semana foram atendidas quase 400 vítimas de uma ofensiva taliban. O ataque fez pelo menos 19 mortos, entre os quais três crianças e funcionários dos Médicos Sem Fronteiras.

Numa primeira reacção, os responsáveis militares dos EUA no Afeganistão confirmaram que ordenaram um ataque aéreo em Kunduz, mas salientaram que os alvos eram “indivíduos que ameaçavam” as forças norte-americanas.

“O ataque pode ter provocado danos colaterais numa instalação médica localizada nas imediações”, disse o coronel Brian Tribus, sublinhando que o “incidente” estava a ser investigado.

Os danos colaterais a que o responsável militar norte-americano fez referência são, segundo os Médicos Sem Fronteiras (MSF), nove funcionários da organização e sete pacientes, incluindo três crianças. Para além das vítimas mortais, o ataque aéreo norte-americano fez 37 feridos: 19 funcionários dos MSF, cinco dos quais em estado grave; e 19 pacientes e familiares.

O gabinete do Presidente afegão, Ashraf Ghani, anunciou que o responsável máximo pelas forças internacionais lideradas pelos Estados Unidos pediu desculpa pelo ataque contra o hospital. Segundo a agência Reuters, o general John Campbell explicou “com detalhe” o que aconteceu e lamentou as mortes provocadas pelo ataque aéreo.

Mas os detalhes do que aconteceu na madrugada de sábado foram amplamente divulgados nas contas nas redes sociais e no site dos Médicos Sem Fronteiras.

Os primeiros bombardeamentos começaram por volta das 2h10 da madrugada de sábado (5h40 em Portugal continental), e os funcionários da organização telefonaram aos responsáveis da NATO no Afeganistão nove minutos mais tarde, e logo em seguida à hierarquia militar norte-americana em Washington.

“Os bombardeamentos continuaram mais de meia hora depois de os responsáveis militares americanos e afegãos, em Washington e Cabul, terem sido informados pela primeira vez”, garante a organização, num comunicado publicado no seu site.

No mesmo texto, os MSF exigem “a urgente clarificação do que aconteceu e uma explicação para o que pode ter levado a que este terrível evento tenha acontecido”, até porque a localização do hospital era bem conhecida das forças norte-americanas e afegãs, e também dos combatentes taliban: “A organização Médicos Sem Fronteiras quer deixar claro que todas as partes em conflito, incluindo em Cabul e em Washington, foram claramente informadas sobre a localização exacta (coordenadas GPS) das suas instalações – hospital, casa de acolhimento, escritório e uma unidade de estabilização em Chardara, a Noroeste de Kunduz.”

Essa informação, segundo os Médicos Sem Fronteiras, foi transmitida “a todas as partes e em várias ocasiões nos últimos meses, a última das quais no dia 29 de Setembro”.

Em comunicado, o secretário da Defesa norte-americano, Ashton Carter, disse que os EUA estão “ainda a tentar determinar exactamente o que aconteceu”, mas enviou os seus sentimentos “a todos os que foram afectados”.

“Está em curso uma profunda investigação sobre este incidente trágico, em coordenação com o governo afegão”, disse também o secretário da Defesa dos EUA.

Os combates em Kunduz intensificaram-se desde o fim-de-semana passado, quando os taliban tomaram a cidade, naquela que foi a sua maior conquista militar desde que foram afastados do poder em 2001 por uma coligação liderada pelos EUA, logo após os atentados terroristas de 11 de Setembro do mesmo ano em Nova Iorque e Washington.

As forças afegãs, com o apoio aéreo norte-americano, dizem ter recuperado o controlo de Kunduz nos últimos dias, mas os combates prosseguem nas ruas da cidade. As vítimas destes combates – tanto residentes como militantes taliban – foram tratadas no hospital dos Médicos Sem Fronteiras, e as forças afegãs garantem que os seus inimigos usavam a instalação como escudo.

Um porta-voz do Ministério do Interior do Afeganistão, Sediq Sediqi, disse à BBC que entre 10 e 15 taliban estavam escondidos no hospital, e que alguns deles morreram no ataque aéreo norte-americano, mas os Médicos Sem Fronteiras não confirmaram esta informação.

O alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, disse que o ataque contra o hospital é “absolutamente trágico, indesculpável, e até, possivelmente, criminoso”.

“Os responsáveis militares internacionais e afegãos têm a obrigação de respeitar e proteger os civis em todas as situações, e as instalações e o pessoal médico são objecto de uma protecção especial. Estas obrigações aplicam-se seja qual for a força aérea envolvida, e independentemente da localização”, disse o representante da ONU. 

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