Europa quer aposta na prevenção como resposta a preço dos medicamentos inovadores

Ideia foi defendida pelo comissário europeu da Saúde. Objectivo é poupar dinheiro nas doenças que se podem evitar para ter orçamento para novos tratamentos.

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O grupo adianta que existem sete mil portugueses com DST a precisar de tratamento ADRIANO MIRANDA

“Porque é que somos tão ineficientes a utilizar instrumentos de prevenção que sabemos que funcionam?” A pergunta, em jeito de desafio, foi lançada em Bruxelas pelo comissário europeu da Saúde e Segurança Alimentar. Vytenis Andriukaitis reconheceu que o ritmo acelerado a que estão a chegar medicamentos inovadores ao mercado vai continuar a aumentar e a “colocar pressão financeira” nos sistemas de saúde dos 28 Estados-membros. Por isso, o responsável considerou que chegou a altura de a Europa combater o peso da inovação evitando, sempre que possível, que as pessoas adoeçam. “Temos de mudar o máximo possível o nosso paradigma dos cuidados de saúde para a prevenção”, insistiu.

O comissário defendeu a sua posição num encontro com um grupo de jornalistas, que decorreu na sequência de um seminário em Bruxelas, dedicado aos 50 anos de regulação e legislação na área do medicamento. O tema da prevenção, dos medicamentos inovadores e o problema relacionado com a eficácia e o preço dos mesmos foram transversais nos encontros. Já antes, durante a conferência, Andriukaitis tinha sublinhado que inclui na chamada “inovação médica” o foco na prevenção. “Precisamos de uma mudança da ideia de sistema de saúde ou de tratamento da doença para a prevenção e bem-estar”, reiterou, acrescentando ainda que toda a inovação deve também passar a ser mais escrutinada e que os países devem partilhar mais informação para que cada vez mais se pague em função dos reais resultados que os tratamentos trazem para os doentes.

“Os medicamentos, os tratamentos inovadores e as vacinas custam dinheiro. Por vezes, são tão caros que nem os países mais ricos conseguem suportá-los. O acesso aos medicamentos cria uma grande tensão na sociedade, em especial porque o financiamento dos nossos sistemas de saúde tem uma base solidária”, afirmou o comissário. Depois, considerou que, no futuro, o “equilíbrio entre solidariedade e lucro” deve passar por reduzir os factores de risco a que os cidadãos estão expostos e que são a causa de muitas das doenças que hoje mais peso têm.

Vytenis Andriukaitis admitiu que os orçamentos que os países dedicam à área da prevenção são demasiado curtos. Em geral os valores não vão além de 3% do total da despesa em saúde – como é o caso de Portugal. “A União Europeia gasta pouco em prevenção em saúde, como é o caso os acidentes e de várias doenças crónicas, como a diabetes ou o cancro. E isso tem consequências económicas”, reforçou. “É preciso combater os factores de risco e reduzir o peso das doenças crónicas nos sistemas de saúde. Temos de mudar o nosso paradigma da medicalização para a prevenção. Temos de encorajar as pessoas a serem mais saudáveis. Não são palavras simples, estamos preocupados com a nossa sociedade e o nosso futuro e a gestão dos riscos deve ser o caminho”, acrescentou o também médico.

Os alertas feitos pelo comissário lituano vão ao encontro das preocupações descritas no relatório A Saúde dos Portugueses – Perspectiva 2015, publicado recentemente pela Direcção-Geral da Saúde. Na globalidade os portugueses estão a perder anualmente cerca de 141 mil anos de vida saudável apenas por não terem hábitos alimentares correctos no que diz respeito ao consumo de produtos como a fruta ou os legumes. Três peças de fruta por dia poderiam ser o suficiente para inverter este retrato negro.

As estimativas apontam para que os hábitos alimentares inadequados sejam o factor de risco com mais peso nos anos de vida saudável que se perdem, com um valor que ascende a 19,2% em Portugal. A percentagem ultrapassa o peso atingido pela hipertensão arterial ou até mesmo consumo de tabaco e de álcool, dizia o mesmo documento da Direcção-Geral da Saúde. No total, as contas apontam para que as doenças crónicas não transmissíveis representem já 85% de todas as doenças em Portugal, sendo que a dieta pobre em fruta surge à cabeça como comportamento alimentar com mais influência nesta perda de saúde, seguida pela dieta rica em sal e pela dieta pobre em vegetais. As doenças do aparelho circulatório são a principal consequência destes maus hábitos, seguidas pelo cancro.

O exemplo da hepatite C
Para Vytenis Andriukaitis, ao evitarem-se algumas doenças, os países ficariam assim com mais verbas disponíveis para poder pagar os novos medicamentos que chegam ao mercado. No entanto, alertou que é preciso distinguir a verdadeira inovação das meras novidades e encoraja os Estados-membros a partilharem mais informação sobre os resultados dos tratamentos que são feitos aos doentes em cada país. “Devemos apoiar a cooperação entre Estados, mas a situação económica é diferente entre os vários países. O ideal é que Estados semelhantes cooperem e partilhem informação”, disse, recomendando que se evoluam para modelos de pagamento que tenham em consideração os resultados dos medicamentos.

Quando surgiu a polémica em relação ao preço dos novos tratamentos para a hepatite C, aprovados a partir de 2014, Portugal propôs uma compra conjunta a nível europeu para resolver o impasse criado. A solução foi levada a Bruxelas pelo ministro da Saúde e pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), mas não avançou. O Governo português acabou por fazer um acordo único, em que precisamente prevê pagar apenas pelos doentes que fiquem de facto curados.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se não haveria vantagem em a União Europeia avançar para a compra conjunta, o comissário contrapôs que “a questão dos preços é muito complexa”. “Sou a favor de encorajar os Estados-membros, mas não é uma decisão da Comissão Europeia. Claro que do ponto de vista económico era mais eficiente e o ideal era estabelecer acordos de longo prazo entre e indústria farmacêutica e os Estados-membros”, admitiu. Andriukaitis lembrou que a compra conjunta já acontece para as vacinas através do chamado Joint Procurement Agreement, mas explicou que não é possível estender de forma simples esse acordo a outras áreas.

No entanto, o responsável adiantou que a Comissão Europeia está a trabalhar em várias frentes no que diz respeito a inovadores. Uma das ideias passa por “introduzir mais transparência” em todo o sistema, para que os países tenham mais informação sobre os reais resultados do que é aprovado. Por outro lado, sem abdicar da exaustiva avaliação dos novos medicamentos, o comissário explicou que querem “flexibilizar o sistema para que os medicamentos cheguem mais rápido a alguns grupos” para os quais não há alternativas no mercado ou em que o tempo é crucial. Com esta medida esperam satisfazer os doentes, mas também incentivar a indústria farmacêutica a investigar em mais áreas – nomeadamente em novos antibióticos, visto que há cada vez mais resistência aos que existem no mercado.

A jornalista viajou a convite do Centro Europeu de Jornalismo.

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