O presente sem poesia

The PIGS, o retrato do Sul da Europa que o fotógrafo Carlos Spottorno traz aos Encontros da Imagem de Braga, assume com militância o papel da fotografia como registo documental: estas são imagens que dizem, literalmente, coisas sobre o nosso mundo, Portugal incluído.

Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno
Fotogaleria
The PIGS Carlos Spottorno

“Eu seria um escritor de ensaios ou novelas, nunca um poeta." Para Carlos Spottorno, a fotografia não pode ser outra coisa que não um registo documental. Das imagens quer que “digam coisas” sobre o mundo. E isso é especialmente evidente em The PIGS, um retrato do Sul do Europa feito por um espanhol que estudou em Itália e colocou Portugal na sua lista de lugares favoritos. A série exposta na B Concept Store, em Braga, um olhar mordaz sobre o quão feios podem ser os lugares onde vivemos, talvez seja paradoxalmente a forma mais certa de olhar para as consequências das crises que países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha têm atravessado.

The PIGS, admite Spottorno, é uma “uma colecção de clichés” que usa como título o acrónimo que entrou no vocabulário da imprensa internacional no auge da crise europeia para designar os quatro países do Sul da Europa. Vemos, por isso, um casal com os filhos numa praia deserta a minguarem perante o gigantismo do hotel devoluto, uma vaca que atravessa um bairro ou um jogo de futebol no meio da lama. Não é cada foto individualmente que é um cliché, mas o seu conjunto. Como peças que, colocadas lado a lado, constroem um imaginário comum.

Foi disso que se apercebeu com este trabalho,. Apesar das diferenças entre si – “Portugal, ao contrário de Espanha, é um país compacto. Nós temos os catalães e os bascos a pedirem para sair”, sublinha durante a conversa com o Ípsilon –, os quatro países acabavam por partilhar problemas comuns e uma certa continuidade visual, que é sublinhada pelo facto de nenhuma das imagens ser geograficamente identificada.

Spottorno estendeu o seu interesse aos países vizinhos e começou a inquietar-se com o uso cada vez mais frequente do acrónimo PIGS (que, em inglês, também pode ser traduzido como "porcos") em referência aos países do Sul. “No princípio não lhe dava importância, mas depois comecei a questionar-me”, recorda o fotógrafo. Paralelamente ao seu trabalho artístico, colabora com revistas e jornais europeus como Der Spiegel, Financial Times, Le Monde e El Pais Semanal. Está por isso suficientemente perto do jornalismo para perceber que, por trás daquela expressão, estava mais do que falta de profissionalismo. “Havia uma certa intenção de manipular a forma como se olha para estes países, com um fim concreto que é minar a sua credibilidade e debilitar a zona euro."

Outros trabalhos nesta edição dos Encontros da Imagem assumem uma relação muito evidente com o real e as estruturas de poder. O Colectivo composto por António Pedrosa, Miguel Proença, Lara Jacinto e Tommaso Rada faz em The Thin Line (Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa) um mapeamento da fronteira entre Portugal e Espanha. É um dos limites políticos mais antigos da Europa que, apesar de inexistente na prática desde os acordos de Schengen, há 20 anos, continua a ter uma presença bem evidente na paisagem. É também uma espécie de mapa de “geografias invisíveis” aquilo que Sue-Elie Andrade-De, francesa radicada em S. Paulo (Brasil), pretende fazer em Database (Mosteiro de Tibães), uma colecção de imagens sobre o poder e o estado do mundo, feita a partir de temas recorrentes nas partilhas e nas discussões das redes sociais.

The PIGS consegue, porém, ganhar destaque pela proximidade do tema. Não é só uma proximidade geográfica, mas também uma proximidade temporal: a crise ainda está viva nos quatro países e o ano é (ou foi) de eleições em quase todos eles. Não há como não falar de política. E isso não é um problema para Carlos Spottorno. Pelo contrário, é nessa forma de fazer fotografia que se revê. A série que trouxe a Braga é aliás a primeira parte de uma espécie de díptico a que se dedicou nos últimos anos. Depois do trabalho no Sul da Europa, foi até à Suíça e ao Luxemburgo fotografar os seus paraísos fiscais e publicou Wealth managment – uma série que é todo um contraste com a que apresenta em Braga, feita a preto-e-branco, num certo ambiente film noir. “Interessa-me a ideia de que o sistema económico sempre foi assim e sempre assim será. O segredo do sucesso do dinheiro é que é imutável”, explica.

Foto
The PIGS, de Carlos Spottorno: um retrato dos países desacreditados do Sul da Europa, em directo do coração da crise

Spottorno começou em 2008 a debruçar-se sobre os efeitos da crise, que já se adivinhava “longa e duradoura”, como parte de um projecto colectivo com outros fotógrafos espanhóis, seguindo o espírito da mítica campanha fotográfica lançada pela Farm Security Administration na América pós-Grande Depressão, e que levou fotógrafos como Walker Evans, Dorothea Lange, Arthur Rothstein ou Russell Lee acompanharem estrada fora os efeitos do programa de combate à pobreza rural do New Deal nas décadas de 1930 e 1940. Para esse trabalho, tinha-se comprometido a fotografar a Andaluzia, onde viveu longos anos. Acabou por ir parar a outros lugares que já conhecia, como Itália e Portugal, e por neles se reencontrar com o seu próprio mundo.

“Naquela altura eu queria era ir viver para Inglaterra, a Alemanha ou os EUA. Isto aqui é um inferno”, explica Carlos Spottorno. Depois de tantas viagens pelo Sul da Europa a preparar The PIGS, percebeu que, apesar de estes países terem uma cara “um pouco decadente e feia”, “as coisas funcionam bem, vive-se bem aqui”. A viagem acabou por servir para “fazer as pazes com estes sítios”. E assim a crise teve pelo menos este final feliz: uma reconciliação.

Sugerir correcção
Comentar