Festival Cantabile, uma celebração da música de câmara

Obras lapidares da música de câmara de Beethoven e Schubert e um apontamento da criatividade de Wolfgang Rihm em interpretações de alta qualidade no Festival Cantabile

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Diemut Poppen

Um público bastante numeroso, sobretudo se compararmos com a assistência restrita que normalmente costuma assistir aos recitais de música de câmara, acorreu na quarta-feira ao Grande Auditório Gulbenkian para assistir ao segundo programa do Festival Cantabile.

Organizado desde 2010 pelo Goethe-Institut Portugal, em co-produção com a Fundação Gulbenkian, o festival tem como directora artística a violetista Diemut Poppen e tem combinado a apresentação de obras emblemáticas da música de câmara do Classicismo e do Romantismo para formações instrumentais variadas com algum repertório do século XX.

Solistas do próprio festival (além da própria Diemut Poppen, o violinista Barnabás Kelemen, o violoncelista Lászlo Fenyo e o clarinetista Sebastian Manz) em conjunto com instrumentistas da Orquestra Gulbenkian (Jordi Cayuelas no violino, Manuel Rêgo no contrabaixo, Kenneth Best na trompa e Ricardo Ramos no fagote) apresentaram um programa aliciante e coerente, constituído pelo Septeto em Mi bemol Maior, op. 20, de Beethoven, e pelo Octeto em Fá Maior, D. 803, de Schubert, duas obras notáveis com fortes ligações entre si, já que seguem a mesma organização estrutural e o mesmo “espírito”, uma condição imposta a Schubert pelo conde Ferdinand Troyer, intendente do Arquiduque Rudolfo (amigo e aluno de Beethoven), quando lhe encomendou a obra em 1824.

Entre estas duas criações de amplas dimensões, previa-se a interpretação de Vier Male, quatro peças para clarinete, de Wolfgang Rihm (n. 1952), figura maior da criação contemporânea, mas provavelmente para não tornar o programa excessivamente longo, apenas foi tocada a primeira. É pena que não se tenha ouvido todo o ciclo, não só pela riqueza da escrita de Rihm (que explora com ousadia, mas também com intensa expressividade, as possibilidades técnicas do clarinete até aos seus limites) mas também porque Sebastian Manz é um músico exímio, um verdadeiro virtuoso que ofereceu um interpretação de grande apuro e eloquência.

Também nas obras de Beethoven e Schubert, o clarinetista se distinguiu pela sua sonoridade límpida e pela musicalidade com que dialogou com os restantes intervenientes. Nas cordas, os solistas do Festival Cantabile mostraram igualmente um elevado nível, quer na articulação  do trabalho de conjunto, quer como “vozes individuais” que emergem da textura quando o discurso musical o solicita, contando com um bom apoio dos solistas da Orquestra Gulbenkian, apenas com alguns deslizes ocasionais na trompa. Os grandes contrastes de carácter entre os andamentos que compõem as obras de Beethoven e Schubert, as quais se inscrevem na tradição dos divertimentos do período Clássico, elevando-os a um elevado grau de perfeição e rasgando novas perspectivas, foram transmitidos de forma convincente e com sentido de estilo: desde o cantabile dos andamentos lentos e da elegância de fraseados nas séries de variações aos momentos mais rítmicos e vivos de pendor dançante, passando pelas ocasionais secções mais sombrias como o inquietante  Andante molto que precede o final do Octeto de Schubert, onde o violoncelista László Fenyo teve uma empolgante prestação.

Os solistas do Festival Cantabile voltam a apresentar-se na sexta-feira, às 21h, nas Ruínas do Convento do Carmo, em conjunto com a Orquestra Gulbenkian, num programa com obras de Max Bruch, Luís Tinoco e Beethoven, e o festival terá ainda mais dois concertos de câmara nos dias 26 e 27, respectivamente no Banco de Portugal (Largo de São Julião) e no Palácio Foz.

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