Europa prepara-se para duplicar o orçamento de resposta à crise dos refugiados

Eslováquia insiste em recusar a quota de refugiados que lhe foi atribuída e ameaça levar a União Europeia a tribunal.

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Continuam a chegar migrantes e refugiados às costas da Europa. Aqui, a fronteira entre a Grécia e Macedónia. AFP

Os líderes dos Vinte e Oito reúnem-se esta quarta-feira em Bruxelas para tentarem dar uma primeira resposta unificada à maior vaga de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, embora ainda sejam evidentes as divisões entre Estados-membros sobre a melhor linha de acção.

Para além do contestado sistema de quotas para a distribuição de refugiados pela União Europeia, a Cimeira de Líderes vai discutir um pacote de milhares de milhões de euros para os países europeus da linha da frente do fluxo migratório, vizinhos de fora da Europa com um grande encargo de refugiados e ainda linhas de apoio humanitário. Está em causa, como afirmou o presidente da Comissão Europeia antes do início do encontro, “quase o dobro dos recursos para atacar a crise de refugiados”: de 4600 milhões de euros para 9500 milhões.

Jean-Claude Juncker propõe um fundo de emergência de 100 milhões de euros para os Estados-membro mais afectados pela passagem de refugiados, outro de 600 milhões de euros para agência europeias de fronteira, a accionar em 2016, e mais 200 milhões de euros, já este ano, destinados ao Programa Alimentar Mundial.

Os líderes dos Vinte e Oito vão ainda discutir o envio de 700 milhões de euros para a Sérvia e Macedónia e para a Turquia, que alberga cerca de 2,2 milhões de refugiados, um montante que pode chegar aos 1000 milhões de euros. Valores avançados pelo diário britânico Guardian.

Não se espera uma Cimeira de Líderes pacífica. Na terça-feira, quatro Estados-membro votaram contra o plano de distribuição de 120 mil refugiados da Grécia e Itália, dois dos países mais afectados. Destes quatro votos negativos, apenas a Eslováquia insistia nesta quarta-feira em não aceitar a fatia de 802 pessoas que lhe foi atribuída. O primeiro-ministro eslovaco disse nesta quarta-feira que não só vai ignorar o sistema de quotas como apresentará também uma queixa no Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo, por considerar que a soberania do seu país não foi respeitada. 

“Vamos seguir em duas direcções: a primeira, apresentar uma queixa no tribunal de Luxemburgo… a segunda, não implementar [o acordo] dos ministros do Interior”, disse Robert Fico, ainda durante a manhã, a horas de começar o encontro dos Vinte e Oito. 

República Checa, Hungria e Roménia, os outros três votos contrários, admitiram já que não vão desafiar a vontade dos outros Estados-membro na Cimeira de Líderes. Fazem-no relutantemente e podem aproveitar o encontro desta quarta-feira para se fazerem ouvir. As principais críticas vindas destes países do Centro da Europa dirigem-se aos países mais ricos do Norte, a quem acusam de provocar grandes fluxos migratórios com as suas políticas mais inclusivas. 

Uma das principais figuras da resposta autoritária na Europa à chegada de refugiados é o primeiro-ministro húngaro, Victor Orbán. A Hungria está a construir várias vedações nas suas fronteiras, primeiro com a Sérvia e agora com a Croácia. Isto para além de ter criminalizado a imigração ilegal e de ter concedido esta semana mais poderes ao exército para travar o caminho de quem tenta entrar irregularmente no país. 

Antes de seguir para Bruxelas, Orbán esteve na Alemanha, a quem acusou de "imperialismo moral" e a quem pediu mais autonomia para a política de migração húngara. "Mesmo que a Alemanha decida aceitar a migração em massa, por favor não faça com que o mesmo seja obrigatório para os outros", disse. 

Bruxelas vai também discutir novas medidas de registo para quem chega irregularmente à Europa, como sistemas para a recolha de impressões digitais, por exemplo, e sistemas mais rápidos de documentação de refugiados e migrantes. Mais do que isto, segundo escreve a Reuters, Grécia e Itália devem ouvir dos seus parceiros pedidos para que restrinjam o movimento para a Europa de quem chega pelo Mediterrâneo. 

A oposição eslovaca
O que a Eslováquia rejeita é um modelo de distribuição voluntária de refugiados, que substituiu, no início da semana, um primeiro formato, esse obrigatório. Mas há ambiguidades. A União Europeia funciona por tratados, que são vinculativos mesmo para quem votou contra eles. A decisão da maioria dos ministros europeus, que se espera que seja aprovada nesta quarta-feira, aplica-se por isso aos quatro países que votaram contra. Em todo o caso, não estão previstas sanções para os Estados-membro que não cumpram a sua quota.

Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, disse nesta quarta-feira que os tratados da UE têm de ser cumpridos. “Uma decisão é uma decisão, independentemente da maneira como se votou”, disse, num alerta ao desafio eslovaco. “A decisão é legal, é válida e vinculativa para todos os membros.”

Os quatro países que na terça-feira votaram contra o sistema de quotas insistiram numa decisão unânime, como acontece habitualmente com as políticas europeias que interferem na soberania dos Estados-membro. Mas o alerta já estava dado à entrada da reunião de terça-feira pelo ministro espanhol do Interior, Jorge Fernández Díaz, que disse que aquele seria um dia de decisão, com ou sem unanimidade. Foi o que aconteceu, quase duas semanas depois de Juncker revelado uma proposta de acolher e distribuir 120 mil refugiados pelos Vinte e Oito  a somarem-se a um primeiro acordo sobre 40 mil pedidos de asilo. 

A Eslováquia é, de entre os quatro votos contrários, o que menos refugiados tem de acolher no sistema de quotas. A República Checa recebe 1591 novos refugiados; a Hungria, 1294; Roménia, 2475; e a Eslováquia, 802. Mais, se se contabilizarem os asilos atribuídos ao abrigo da primeira proposta de 40 mil refugiados. O Governo português diz que espera receber até 4500 refugiados, apesar de estar apenas obrigado a 4047 pelo sistema de quotas. 

Mas esta é apenas uma fracção das cerca de 480 mil pessoas que as Nações Unidas estimam já terem chegado à Europa desde o início do ano. Para isso mesmo alertou Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, no Twitter, onde alertou também para a necessidade de melhores controlos de fronteira e de mais ajuda humanitária para países como o Líbano. "Falamos de milhões de potenciais refugiados a tentarem chegar à Europa, não de milhares", escreveu.

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