Oito razões para esta crise estar a acontecer agora

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Campo de refugiados sírio na Turquia Osman Orsal/Reuters

Uma mistura complicada de guerra, condições atmosféricas e considerações logísticas ajudam a explicar este extraordinário fluxo de refugiados e imigrantes para a Europa neste Verão, naquela que é a maior migração de pessoas para o continente desde a II Guerra Mundial.

1. A guerra na Síria

É a principal razão. A guerra na Síria foi crescendo ao longo de quatro anos sem um fim à vista. Não há processo diplomático digno desse nome para acabar com ela. Pelo menos 250 mil pessoas morreram. Não é de espantar, portanto, que as pessoas queiram fugir. Os sírios representam metade do fluxo migratório deste ano, que é o dobro do ano passado. Sem os sírios, o fluxo de pessoas à procura de um refúgio na Europa seria mais ou menos igual ao do ano passado. E o do ano pasado já foi um recorde, tal como tinha sido o ano anterior. Um agravamento em conflitos por todo o mundo alimentou níveis inéditos de deslocações de populações nos últimos anos. As pessoas estão a fugir de conflitos ou repressões em países como o Iraque, Afeganistão, Eritreia, Somália e Níger. Mas este está tornar-se o ano em que a guerra da Síria deu à costa na Europa.

2. A rota para a Europa tornou-se muito mais fácil

Até há pouco tempo, a travessia marítima da Líbia para Itália era a rota preferida para todos os migrantes e refugiados que fugiam para a Europa. Também existe uma outra rota, mais curta e menos perigosa, entre a Turquia e a Grécia. Mas a viagem da Grécia, através dos Balcãs, até aos destinos do Norte da Europa preferidos pelos migrantes era muito mais complicada do que aquela que os levava a Itália. Depois de a Macedónia ter levantado as duras medidas destinadas a impedir a entrada de migrantes no país, em Junho, a rota dos Balcãs abriu-se. A Turquia fica ao lado da Síria e também é mais acessível para pessoas de países mais para leste (Afeganistão, Iraque, Paquistão e do Bangladesh).

3. Os preços baixaram

A travessia da Turquia para a Grécia leva menos de uma hora e pode mesmo ser feita em 20 minutos, dependendo do ponto de partida. Isto torna a viagem de barco mais barata, além de que depois os refugiados já não precisam de pagar a traficantes para os passarem clandestinamente pelas fronteiras dos países balcânicos. As pessoas que estão a fazer planos para viajar dizem que agora só precisam de pagar aos traficantes entre dois a três mil dólares para completarem a sua viagem, quando antes gastavam entre cinco a seis mil , o que era necessário para chegar à Libia e apanhar um barco para Itália. Isto quer dizer que mais pessoas — muitas das quais já estava a juntar dinheiro para a viagem — podem agora suportar os custos.

4. O clima

É normal que o fluxo de imigração ilegal para a Europa aumente durante os meses de Verão, quando o mar é mais calmo e seguro. Uma das razões para o aumento no número dos que fazem a passagem é que estão a tentar fazer a viagem antes que chegue o mau tempo. Tendo em conta todos os outros factores, é difícil dizer se o Inverno vai fazer diminuir o número de chegadas. Uma coisa é certa: vai haver mais mortes. Devido a um barco que naufragou na rota Turquia-Grécia, na semana passada houve mais afogamentos do que no resto do ano — 56 esta semana, comparados com 55 até ao fim de semana passado.

5. A Alemanha aumentou o número de pedidos de asilo

Um enorme número de pessoas já estava em marcha para a Alemanha quando a chanceler Angela Merkel anunciou que podia oferecer residência temporária a todos os refugiados que ali chegassem. Mas não há dúvida de que esta oferta encorajou mais gente a dirigir-se à Alemanha. Os iraquianos começaram a juntar-se ao êxodo em maior número, e muitos dos que chegaram recentemente à Turquia para fazerem a viagem dizem que foram encorajados pelas imagens passadas na televisão dos alemães a darem as boas vindas aos refugiados. Resta saber se os novos controlos nas fronteiras da Alemanha, Hungria, Áustria e Eslováquia os vão desencorajar ou deter.

6. O recrutamento ordenado pelo Governo sírio

Perante a falta de gente para combater a rebelião contra o seu regime, o Presidente sírio, Bashar al-Assad, decidiu no ano passado chamar os reservistas para o Exército. Muitos sírios em fuga para a Europa são oriundos de zonas controladas por Damasco e dizem que querem escapar ao serviço militar obrigatório, que afecta todos os que completaram o serviço militar nos últimos dez anos — basicamente, todos os homens com menos de 30 anos.

7. O Governo sírio facilitou as viagens

Parece uma contradição à razão n.º 6. Mas não parece haver qualquer tentativa para impedir que os homens fujam ao recrutamento obrigatório. Pelo contrário, o Governo facilitou o acesso a passaportes nos últimos meses — quer na Síria quer nas embaixadas — e é possível adiar a incorporação mediante o pagamento de cerca de 300 euros. Isto confirma as suspeitas de muitos observadores que dizem que Assad está deliberadamente a encorajar o fluxo de refugiados, para países vizinhos da Síria e para a Europa, numa estratégia para esvaziar o país de potenciais opositores. “A catástrofe humanitária tornou-se uma estratégia de sobrevivência para Assad”, diz Emile Hokayem do International Institute for Strategic Studies (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos) de Londres. “Assad passou o fardo dos que se lhe opõem para cima de outros”. Porém, Assad culpa a Europa e os Estados Unidos pelo êxodo, dizendo que a maior parte dos refugiados foge do “terrorismo” que diz ter sido fomentado pelo Ocidente ao apoiar elementos da oposição.

8. A ajuda internacional teve poucos resultados

Antes deste fluxo em massa para a Europa, quatro milhões de sírios já tinham fugido do seu país em guerra, indo para a Turquia, a Jordânia e o Líbano e vivendo sobretudo em campos para refugiados. Porém, a ajuda internacional não foi eficaz e, ali, viveram vidas miseráveis, sendo-lhes negado o direito ao trabalho, além de a maioria das crianças não irem à escola. Muitos dos refugiados que partiram para a Europa já viviam como refugiados e dizem que educação dos filhos foi o principal factor a fazê-los partir em busca de novas vidas.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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