Portugueses enviam 50 toneladas de donativos a refugiados

Resultado de iniciativa cidadã, intitulada Aylan Kurdi Caravan, segue sábado em camiões para a Croácia.

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Esta quinta-feira ainda estavam a chegar donativos à loja A Vida Portuguesa, no Porto Manuel Roberto

Paula Ferraz entrou de férias terça-feira e atirou-se à tarefa: separar roupas e sapatos que ela, o marido e as duas crianças de ambos já não usam e podem dar jeito a algumas daquelas pessoas que todos os dias as televisões, as rádios e os jornais mostram num desespero, a tentar entrar na União Europeia.

Através das redes sociais, a lojista de 29 anos ficara a saber que simples cidadãos como ela tinham-se juntado, tinham montado uns 30 pontos de recolha de roupa quente, calçado confortável, comida não perecível, artigos de higiene, medicamentos de venda livre, brinquedos, e estavam a embalar tudo para levar até quem fugira com uma mão à frente e outra atrás.

Já não há como ignorar o que se passa nas fronteiras da União Europeia, corroborava Luís Costa, o marido, pousando os sacos que trouxera de casa. “Mesmo que não queira ver, sou bombardeado com imagens todos os dias.” No restaurante onde serve à mesa há dois televisores ligados.

Chamaram-lhe Aylan Kurdi Caravan, numa alusão ao menino recolhido morto numa praia da Turquia. É um movimento espontâneo de cidadãos. Prestes a fazer 40 anos, João Vasconcelos, director de uma incubadora de Leiria, publicou um desabafo numa rede social. E Maria Miguel Ferreira, com uma agência de comunicação incubada, telefonou-lhe. Outros fizeram o mesmo. 

Foi há uns dias. Foi sábado, 12 de Setembro. Criaram uma página no Facebook. De repente, havia uma dúzia de pessoas completamente embrenhadas em tudo o que aquilo implicava e dezenas de outras a oferecer os seus préstimos. Dias depois, umas 200 a colaborar de algum modo.

Deixaram de conseguir responder às mensagens, tal a torrente de palavras enviadas. Muitas de agrado, algumas de desagrado. Diz Maria Miguel Ferreira que cada vez mais de agrado, cada vez menos de desagrado. Parece-lhe que a sociedade está cada vez mais informada, mais capaz de perceber a diferença entre imigrante, requerente de asilo, refugiado, mais desejosa de ajudar.

Chegaram a pensar em carregar uma dezena de carrinhas e em seguir, em caravana, até à Hungria. Isso perdeu sentido. “Há uma lei que criminaliza o que queremos fazer, sobretudo se não estivermos bem articulados com Organizações não Governamentais”, salientou Maria Miguel. E uma barreira de arame farpado foi levantada na fronteira com a Sérvia.

As rotas refizeram-se. As pessoas começaram a usar a fronteira da Sérvia com a Croácia para entrar na União Europeia. O primeiro-ministro da Croácia, Zoran Milanovic, prometera recebê-las, “independentemente da religião ou cor da pele”, e “reencaminhá-las para os seus destinos preferidos”.

Fora de Lisboa, a recolha devia ter terminado às 12h de quinta-feira. Ao longo da tarde, porém, ainda havia gente a chegar com sacos, como Paula Ferraz e o marido, à loja Uma Vida Portuguesa, no Porto. No último andar, amontoavam-se embrulhos com inscrições em inglês: roupa de homem (M e L), roupa de mulher (S e M), roupa de criança (menina), roupa de criança (menino)...

Durante toda a tarde, os donativos foram seguindo em carrinhas de várias partes do país para um armazém em Alfragide. Há quem lá tenha ido entregar o que recolheu em casa ou no trabalho, por sua iniciativa. Alguns ficavam a ajudar. Outros ficaram a torcer à distância, publicando mensagens nas redes sociais.

Sábado, seguirá tudo em três ou quatro camiões TIR que foram disponibilizados pelo proprietário com motoristas e tudo. “Temos muito mais carga do que sonhamos”, reconheceu Maria Miguel. “Umas 50 toneladas” – roupas, conservas, medicamentos de venda livre, sobretudo.

Refizeram os contactos com organizações preparadas para receber e distribuir donativos, agora na Sérvia e na Croácia. Admitem, todavia, que o cenário possa alterar-se antes mesmo de os camionistas chegarem ao destino.

Diversos membros da organização viajarão de avião até Zagreb – Maria Miguel e João Vasconcelos irão domingo de manhã, outros ainda no sábado. Querem lá estar antes dos camiões. Planeiam ir à fronteira e acompanhar todo o processo no local. "Iremos certificar-nos de que os donativos são entregues às pessoas para quem foram recolhidos”, resume Maria Miguel.

Está aberta uma conta para a qual ainda podem ser enviados donativos (NIB 0033 0000 4547 2046 934 05). A organização acordou com o Centro Português de Refugiados entregar-lhe tudo o que fosse doado e não chegasse a tempo ou não pudesse ser transportado para a Croácia por não se justificar em termos de custos.

 

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