“Se se preocupam com os refugiados, deixem de apoiar terroristas”, diz Assad

Presidente da Síria diz que não tem responsabilidades no êxodo criado pela guerra. Israel está preocupado com o armamento russo no país e Netanyahu agendou um encontro em Moscovo com Putin.

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Assad deu uma entrevista a seis órgãos russos enquanto Moscovo aumenta a sua presença militar no país AFP

Bashar al-Assad falou primeira vez sobre a vaga de refugiados que fogem da guerra na Síria e que às dezenas de milhares chegam agora à Europa em busca de asilo. A sua interpretação da crise humanitária é simples: basta que o Ocidente deixe de apoiar secretamente os grupos extremistas na Síria para que os refugiados sírios voltem ao seu país. “Se se preocupam com os refugiados, deixem de apoiar terroristas”, disse Assad nesta quarta-feira. “É isto que penso em relação à crise. É este o cerne de todo o tema dos refugiados.”

A explicação de Assad toca num ponto sensível das alianças ocidentais no Golfo e com a Turquia. Embora seja também falacioso. É verdade que grupos extremistas sunitas como a Al-Qaeda, o seu poderoso braço sírio Frente al-Nusra e até o autoproclamado Estado Islâmico recebem uma parte importante do seu financiamento de doadores privados sauditas. Isto mesmo foi dito por Hillary Clinton em 2009, quando era secretária de Estado norte-americana, numa comunicação interna revelada pela Wikileaks. Já a Turquia preferiu durante muito tempo permitir que o Estado Islâmico se instalasse e operasse nas suas fronteiras. Pelo menos enquanto combatiam dois inimigos em comum: os curdos e o próprio regime de Assad.

De acordo com o líder sírio, isto é prova de uma acção concertada do Ocidente que tem por objectivo afastá-lo do poder. “O Ocidente apoia terroristas desde o início da crise”, sublinhou, numa entrevista conjunta a seis meios de comunicação russos. Nas suas palavras, Assad retira-se por completo das causas do êxodo da Síria. Mas é o seu exército quem mais mata no país e quem o faz mais indiscriminadamente. O Governo sírio é acusado pela esmagadora maioria de organizações que monitorizam o conflito de atacar sistematicamente zonas residenciais com armamento pesado, muitas vezes como retaliação a operações de grupos rebeldes e jihadistas. As Nações Unidas acusam-no do mesmo, embora, na opinião de Assad, tudo não passe de construções ocidentais. “Enquanto seguirem esta propaganda, terão mais refugiados.”

A entrevista desta quarta-feira acontece ao mesmo tempo que Moscovo aumenta a sua presença militar na Síria. As forças russas estão a construir novas instalações na sua base em Latakia, na costa do Mediterrâneo e bastião alauita do Presidente sírio. Segundo o Pentágono, o Kremlin já lá tem duas centenas de marines, tanques e veículos blindados, para além de habitações para 1500 soldados. Os transportes de armamento são diários.

Israel preocupado
O Presidente russo diz que Moscovo continuará a enviar armas ao aliado sírio para a luta contra o “terrorismo” e não exclui a possibilidade de uma missão mais robusta no país. Segundo a Reuters, está na calha a entrega de um dos avançados sistemas antiaéreos russos SA-22. Isto apesar de nenhum grupo rebelde ou jihadista possuir aviação. Washington não aceita que a Rússia ajude Assad, mas Vladimir Putin insiste em dizer que a luta contra o extremismo no país não pode ser vencida sem a ajuda do exército sírio.

As possíveis ramificações da presença russa na Síria preocupam Israel. De tal maneira que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu agendou um encontro com Putin para a próxima semana, em Moscovo. “[Netanyahu] apresentará as ameaças a Israel que surgem do crescente envio de armamento avançado para a arena síria e da transferência de armamento letal para o Hezbollah e outros grupos terroristas”, disse um responsável israelita à Reuters, falando sobre a visita a Moscovo. 

A grande preocupação em Jerusalém é que a Rússia não só impeça a queda do Governo sírio mas também fortaleça o Hezbollah, o braço armado do Irão no Líbano e um dos principais aliados de Assad no terreno. Israel bombardeou no passado remessas de armamento avançado que acreditava terem sido enviadas pelo Irão para o Hezbollah através da Síria. Ser a Rússia a fazê-lo, contudo, levanta problemas a Netanyahu.

O Ocidente está dividido sobre como lidar com o regime de Assad no conflito sírio. Os ataques aéreos ao Estado Islâmico não têm travado o grupo, apesar de mais governos estarem agora a participar – a Austrália realizou já o primeiro ataque na Síria esta semana e França prepara-se para o fazer. A indefinição agrava-se com a entrada em jogo da Rússia que, segundo escreve o New York Times, apanhou Washington de surpresa. 

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