O contabilista Nikos fecha duas empresas por dia. "Está tudo parado"

Com o acordo para o terceiro empréstimo, os impostos aumentaram tanto que muitos gregos dizem que não vão conseguir pagar.

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Os impostos já aumentaram e as pensões já foram cortadas. As eleições não mudam nada, pensam muitos gregos ARIS MESSINIS/AFP

Pantelis Charos, 44 anos, tenta explicar a Grécia do memorando em imagens. “É como se quisesses fazer dieta e o médico te desse dois quilos de carne para comer”, diz. “Não vais emagrecer”. Ou: “É como pedir que uma pessoa corra depois de lhe cortarem as pernas.” E finalmente: “É como quererem que tenhamos três mãos.”

Ou seja: é impossível. “Não gosto do memorando [para o terceiro empréstimo], mas não é porque seja difícil. É porque é impossível. Não é solução”.

Pantelis está sentado atrás do balcão da sua loja de sapatos, que foi do pai, e antes do avô. Sabrinas, sandálias, no expositor e no balcão cor de laranja. “Acho que vou ser eu quem a vai fechar.” A caixa registadora, aponta, está desligada. “Ainda nem a abri.”

O programa acordado com os credores da Grécia para 86 mil milhões de euros nos próximos três anos pelo governo de Alexis Tsipras tem uma grande componente de aumento de impostos. Mas como os gregos vão ter cada vez menos rendimentos, vai haver quem não os possa pagar.

Pantelis pega no dossier da loja para explicar uma nova regra de impostos: “No ano passado tive quatro mil euros de lucro. Paguei 1242 euros de imposto. Este ano tenho de pagar 1242 de novo. Mas estou a ter prejuízo.” O imposto das empresas é agora pago com base no ano anterior e apenas depois ajustado, para assegurar que o Estado recebe o mais possível.

“Não há solução: se não pagamos, vamos para a prisão por não pagar; se pagamos, as Finanças desconfiam de termos dinheiro para pagar ainda que tenhamos prejuízo”, diz, não desfazendo o sorriso semi-irónico.

Pantelis enumera os impostos até parecer que vai rebentar: “Mais 50 cêntimos por litro de gasolina – pagamos 1,40 euros. Um euro extra para o tabaco – um maço custa 4 euros. Mais IVA na comida. Mais impostos para as empresas. Imposto das casas calculado sobre o preço antigo, sobrevalorizado. Mais 3% de imposto de solidariedade… uffff”

“Não sei como vamos passar o Inverno. O Inverno é sempre pior para a economia”, nota. Lá fora, a brisa sopra suave, o calor abranda devagar, o Verão está a ameaçar acabar.

Nos últimos cinco anos, a economia diminuiu 25%. Tudo piorou com o controlo de capitais imposto antes do referendo de Julho, agora suavizado mas ainda assim em vigor. “Acho que vamos demorar muito tempo a sair desta crise.”

As eleições, para Pantelis, não mudam nada. Usa mais uma imagem para explicar os políticos: “São como pessoas que não percebem nada de medicina a tentar fazer uma cirurgia. Não sabem sequer onde começar a cortar”, diz Pantelis, que não quer dizer em quem vai votar nas eleições antecipadas de domingo.

Mais de 20 mil milhões 
Nos primeiros sete meses do ano, o Estado conseguiu apenas 22,3 mil milhões de euros, quando o esperado eram 25,77 mil milhões. Com as novas medidas o objectivo é, segundo o site Keep Talking Greece, é cobrar mais de 20 mil milhões de euros nos próximos meses.

O analista Dimitris Rapidis, do centro de estudos Bridging Europe, de Atenas, diz que mais de 15 mil empresas gregas já se mudaram para a Bulgária para evitar o recente aumento da carga fiscal. “Vemos mais evasão fiscal e/ou empresas a fechar porque não conseguem pagar os impostos, o que quer dizer mais desemprego”, nota ainda, por e-mail.

Além disso, “os bancos não conseguem revitalizar a actividade económica com empréstimos e programas de investimento, porque têm uma dívida que a recapitalização não consegue resolver”.

Nikos Triantafillou, 32 anos, lida com esta realidade todos os dias. Nikos trabalha numa empresa de contabilidade e está na principal repartição de Finanças de Atenas para fechar uma empresa. Mostra a declaração final de encerramento, prestes a entrar na pasta verde com os documentos: o processo começou no dia 3 de Julho e acabou hoje.

“Fecho duas empresas por dia”, diz. Há dez anos, quando começou, “era uma por semana: e a maioria era de pessoas que não as geriam muito bem”, relata.

Com os vários acordos com os credores da Grécia, a vida de Nikos mudou: “Normalmente mudam as regras todas no Verão. Resultado: não posso tirar férias. Há três anos que não tiro”.

Depois, com a repetição de eleições, nada se move: “As pessoas não pagam impostos para ver se as coisas mudam depois das eleições. Os clientes não pagam. As empresas não pagam às pessoas. Fica tudo parado.”

Rendimento médio: 600 euros
Já o contabilista Alexis (que prefere não dizer o apelido), 39 anos, tem sobretudo como clientes pessoas singulares, “com rendimentos médios”. O que é ter rendimento médio hoje na Grécia? “Quer dizer pessoas que ganhem 600, 700 euros por mês”, diz Alexis, no seu gabinete, numa arcada do centro da cidade. A que corresponde um imposto anual de cerca de 1200 euros, calcula. “Mais ou menos”, sublinha. Há cinco anos, o rendimento médio seria de 1200 euros. E o imposto, sensivelmente 90 euros por ano.

“Muitos clientes dizem que este ano não vão conseguir pagar”, nota. “Não sei dizer quantos vão acabar por pagar ou não; sei que cerca de metade tem dito que não vai conseguir. Mas não há outro remédio. Se não pagarem, o Estado fica com poupanças, ou bens.”

Saindo da arcada onde está o gabinete de Alexis a cidade está um pouco menos frenética. As aulas começaram esta semana, há menos turistas nos restaurantes. Muitos têm já ementas com os novos preços depois da subida do IVA de 13% para 23%. Os produtos alimentares também aumentaram, alguns passaram para o escalão superior depois do último acordo. E os agricultores passaram a pagar 26% em vez de 13% de imposto, o que se poderá reflectir também em alguns preços.

Numa loja de produtos alimentares perto do principal mercado da cidade, Andreas Karapatakis explica que “metade dos preços da loja subiram dez por cento com as novas medidas”, incluindo o fim dos benefícios fiscais dos produtos vindos das ilhas, cujo IVA subiu de 9,25% para 26%. “Tudo muda, com esta crise, nada é certo”, comenta Andreas, que tem a loja há cinco anos e já viu de tudo, bons tempos (em 2012), péssimos tempos (2013 e 2014), maus tempos (agora).

Analistas sublinham que a rede de segurança familiar é essencial na crise, e por isso o Governo tentou não mexer nas pensões. Mas acabou por ceder aos credores, e os primeiros cortes das pensões já foram aplicados – para uma reforma de 600 euros, serão menos 12 euros por mês, para uma de 800, o corte será de 24, por exemplo.

“Preocupam-me muito os reformados”, diz a farmacêutica Eugenie Moutsis. “Atendo muitos, e tantos já têm dificuldade em pagar os medicamentos”, diz. “Os que ainda conseguiram sobreviver”, acrescenta secamente. “Porque a outra metade já morreu.”

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