O regresso às aulas na primeira pessoa

A duração das férias, a saudades das aulas e a preocupação com os exames, com a média final ou com a distância entre a casa e a escola – em discurso directo.

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Carolina Rodrigues

Pais, alunos, professores e directores escolares encaram o arranque de mais um ano lectivo de perspectivas diferentes.

Com os olhos na média
Joana Andrade, 17 anos, aluna 12.º ano do Curso de Ciências e Tecnologias, Coimbra

Uma das coisas que mais me preocupam, mesmo antes de as aulas começarem, é as notas. Não porque seja obcecada com isso, não passo todo o tempo a estudar – além de fazer ginástica na Associação Académica de Coimbra, não perco uma oportunidade de sair com os meus amigos. Mas a verdade é que precisamos de ter média para entrar no curso que queremos – no meu caso, Terapia Ocupacional – e isso obriga-nos a pensar nas notas desde o 10.º ano.

Pode ter vantagens, talvez nos esforcemos mais. Mas penso que, se a média não fosse tão decisiva para o nosso futuro, acabaríamos por ser tão bons alunos como somos e seríamos mais felizes.

Mesmo os professores, os das disciplinas de exame, ficam tão ou mais nervosos do que nós, sempre com os olhos nos resultados das provas, o que não ajuda. Felizmente, na minha turma do secundário, até agora, não eramos competitivos, como noutras de que ouço falar, até na mesma escola.

Sempre nos ajudámos uns aos outros. Este ano, não sei como vai ser. Refizeram as turmas com base nas opções (eu escolhi Biologia e Psicologia). Tenho pena de deixar os meus amigos, mas vou conhecer gente nova, espero que corra bem.

Com a casa às costas
Filipa Marques, 45 anos, de Guimarães, professora de Educação Musical,a dar aulas em Monforte

A boa notícia é que tenho trabalho – ao concorrer para todo o país consegui garantir que não ficava com horário zero e em risco de ser apanhada pela mobilidade especial. A má é que, apesar de ser do quadro, de ter 45 anos de idade e de dar aulas desde 1993, nos últimos três anos passei a ter a vida que normalmente é a dos professores que têm contratos anuais e a andar com a casa às costas.

Desta vez fiquei colocada a 406 quilómetros de casa, em Monforte. Só para me ir apresentar na escola e arrendar quarto gastei 180 euros e temo bem que, tal como nos últimos dois anos, chegue à conclusão de que o que ganho mal chega para pagar o privilégio de ter trabalho.

Procuro, ainda assim, que isto não me afecte, como professora. Apesar das saudades da família e dos amigos e de todas as dificuldades, os meus alunos são sempre a prioridade.

Este ano, tanto quanto sei, os alunos serão, também, um desafio. Ainda não os conheci, mas, pelo que me dizem, são crianças que não querem estudar, cujos pais não valorizam a escola, e que cumprem a escolaridade obrigatória apenas para poderem beneficiar de apoios sociais. Espero, pelo menos, conseguir fazer com que se sintam bem nas aulas.

Os miúdos suspiram pelas aulas
António José Silva, 41 anos, consultor de comunicação,Coimbra, pai de duas crianças do 1.º ciclo

Tenho a noção de que os meus filhos, a Maria, que está no 4.º ano, e o Zé Miguel, que está no 2.º, são privilegiados: têm os mesmos (bons) professores desde o 1.º ano. Isso garante-lhes uma estabilidade que é essencial. E a nós, pais, uma segurança que a maior parte dos encarregados de educação não tem.

Ainda assim, este início ano está a ser pouco sereno, devido ao adiamento do primeiro dia de aulas para dia 21 de Setembro, no caso dos mais novos, e para o dia 18 no caso do André, o filho da minha companheira, que vai para o 5.º ano. Os miúdos suspiram por aulas, porque querem reencontrar os amigos; nós vemo-nos na aflição de às vezes termos de os levar para o local de trabalho. E tarefas aparentemente simples, como inscrevê-los em actividades extra-curriculares, têm esperar pela divulgação dos horários escolares, que também foi adiada…

Passada esta fase – que inclui a compra dos manuais escolares a preços absurdos – custa-me adivinhar o que a Maria vai passar por causa do exame do 4.º ano. Já vi, no ano passado, com o André, que, por mais que se procure desdramatizar a situação, as circunstâncias em que é realizado (em Maio e abrangendo muitos conteúdos), fazem com que afecte todo o ano lectivo.

Adiamento foi útil, infelizmente
Alcides Sarmento, de 50 anos, director do Agrupamento de Escolas de Moimenta da Beira

O arranque do ano lectivo está a ser mais sereno do que em anos anteriores, mas é ridículo ficarmos satisfeitos com isto, quando, apesar de todas as antecipações, tenho de fazer horários e distribuir serviço a professores que ainda não sei quem são, só para dar um exemplo.

O adiamento do início aulas é outra coisa que não se percebe. É útil, mas é útil infelizmente. Bom era que tivessem sido criadas condições para as escolas receberem os alunos mais cedo e, em contrapartida, efectuarem uma interrupção de uma semana no início de Novembro.

Por que é que não se faz como noutros países europeus, que desenham o calendário escolar para três ou quatro anos e deixam o ano lectivo seguinte preparado, o mais tardar, em Julho? Cada vez menos se justifica que este seja um momento de confusão nas escolas.

Só no nosso agrupamento perdemos 90 a 100 alunos por ano, por causa da emigração, da migração interna e da baixa taxa de natalidade. Em 2008 eram 2029 os que estudavam no agrupamento e este ano não ultrapassam os 1400.

Os professores também são cada vez menos, o que devia permitir agilizar todos os procedimentos de colocação e assegurar a estabilidade no sistema. Mas não. Todos os anos sai um despacho a organizar o ano lectivo seguinte, normalmente tarde e muitas vezes com alterações profundas – até dá a ideia de que os ministros competem para ver qual deixa mais assinaturas no Diário da República…

Devia haver mais pausas
Raquel Pernas, enfermeira, de 37 anos, mãe de um aluno do 2.º ciclo e de uma aluna do secundário, Lisboa

Neste momento, o que mais desejo é que os meus filhos comecem as aulas, o que só acontecerá, no dia 18. A Madalena, que vai para o 10.º ano, está em casa desde 6 de Junho, e o Diogo, que acabou o 5.º, já não tem aulas desde o dia 13 do mesmo mês. É demasiado tempo de férias, que podia ser reduzido, no Verão, e distribuído por pequenas pausas, durante o ano lectivo, a meio dos períodos. Evitar-se-iam picos de trabalho e de cansaço e seria mais produtivo para alunos e professores.

Isso seria especialmente importante no secundário, na medida em que as notas já contam para a entrada na universidade. É uma coisa em que, quer queiramos quer não, temos de começar a pensar muito cedo.

A Madalena, por exemplo, optou por ir para o curso de Línguas e Humanidades para fugir à Matemática, a única disciplina a que teve uma nota inferior a 4, no 9.º ano. Preocupa-me um bocadinho, porque o curso de ciências dá acesso a uma variedade maior de licenciaturas, com oportunidades de emprego, mas apoiei a sua escolha, claro. Acho que é muito importante que eles gostem do que fazem e não estou especialmente preocupada com o próximo ano. Vou continuar a acompanhá-los em casa, mas conto que continuem a ter a sorte de ter bons professores.

Só me preocupam os exames
Carolina Rodrigues, 11 anos, aluna do 6.º ano, Cinfães

As férias foram boas – fui à praia, à piscina, brinquei com as minhas amigas, ouvi música, li e descansei, porque estava a precisar. Os períodos são muito longos e estudei muito. No fim do ano estava tão cansada que, quando me deitava, adormecia logo. Mas agora quero ir para aulas. Só começam no dia 21, mas já tenho a mochila preparada, com os manuais e os cadernos novos. É só dar uma vista de olhos pelos livros do 5.º ano (porque já passou muito tempo e já me esqueci das coisas) e estou pronta para começar.

Estou ansiosa por ver os meus amigos da escola, os auxiliares de educação, os professores do ano passado e por conhecer os novos.

Para mim, os bons professores são aqueles que são bons a dar aulas e se preocupam connosco: se nos virem mais em baixo vêm falar connosco e perguntam se estamos bem. Os auxiliares fazem sempre isso e é muito importante – estão sempre preocupados se vêem alguém triste e também educam. Fazem tudo o que um bom professor faz, menos dar aulas.

No ano passado, ao princípio, foi um bocadinho difícil: a escola é grande e eu perdia-me. Também tinha várias salas, vários professores, era tudo muito diferente. Este ano já não há esse problema e estou contente por voltar. A única coisa que me preocupa são mesmo os exames, porque vou ter de estudar ainda mais e no ano passado já estudava muito.

(Textos escritos com base nos depoimentos de J.A, F.M, A.J.S., A.S.; R.P. e C.R.)

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