Refugiados não podem escolher país onde pedir asilo, diz a Alemanha

Face ao enorme número de entradas, Berlim reintroduziu domingo os controlos na fronteira com a Áustria, num gesto que foi seguido nesta segunda-feira por Viena. Será difícil um consenso sobre o programa de Juncker para distribuir refugiados pelos Vinte e Oito na reunião de ministros do Interior da U

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Refugiados à saída de um comboio especial na principal estação de comboios de Munique Michaela Rehle/reuters

Apesar do orgulho de se ter transformado num símbolo de generosidade e esperança, a Alemanha sentiu-se neste domingo a chegar ao limite das suas capacidades para acolher refugiados, interrompeu a circulação ferroviária com a Áustria e suspendeu os acordos de Shengen. “Os refugiados devem compreender que não podem escolher os países onde vão pedir asilo”, afirmou Thomas de Maizière, ministro do Interior da Alemanha, cujo país espera 800 mil pedidos de asilo este ano – e não vê uma ajuda substancial dos restantes Estados-membros da União Europeia.

Só no sábado chegaram à cidade de Munique 13 mil pessoas, e 63 mil nas últimas duas semanas. “Não é tanto o número de refugiados como a velocidade a que estão a chegar que está a tornar difícil para os estados e para os municípios lidar com a situação”, explicou o ministro da Economia alemão Sigmar Gabriel, numa entrevista ao jornal Tagesspiel.

Vêm numa corrida contra o tempo: querem ultrapassar a barreira que é a Hungria antes de terça-feira, o dia em que entra em vigor a nova legislação recém-aprovada pelo Parlamento de Budapeste com novas medidas punitivas para quem tentar cruzar a fronteira sem autorização que incluem penas de prisão. Sábado foi até agora o dia com a maior entrada de refugiados na Hungria: 4330 pessoas cruzaram a fronteira.

A etapa seguinte é a Áustria, país onde só nesta segunda-feira deverão entrar 10 mil refugiados vindos da Hungria domingo foram 13 mil. Numa tentativa para gerir a crise, o Governo austríaco anunciou nesta manhã que, à semelhança de Berlim, vai reintroduzir o controlo de passaportes e mobilizou dois mil soldados para apoiarem a polícia na gestão fronteiriça. Também a Eslováquia, outra dos países na rota dos imigrantes que procuram sair o quanto antes da Hungria, decidiu suspender os acordos de Schengen.

"Se a Alemanha reforça as suas fronteiras, a Áustria deve fazer o mesmo", disse o vice-chanceler austríaco, Reinhold Mitterlehner, enquanto o chefe de Governo, Werner Faymann, assegurou que a medida é sobretudo simbólica, uma vez que "o direito de asilo continuará a ser garantido", à semelhança do que acontece com o país vizinho. "Não temos conhecimento de nenhuma pessoa a quem tenha sido recusada entrada na Alemanha", disse Faymann.

O próprio Governo alemão insiste que a suspensão dos acordos de Schengen é "provisória" e que tem como único objectivo "conter" o fluxo de refugiados para o tornar mais gerível. Sigmar Gabriel admitiu, nesta segunda-feira, que deverão chegar neste ano ao país um milhão de pessoas em busca de asilo, um número acima dos 800 mil que o país dizia até agora esperar.

“É a falta de acção europeia quanto à crise dos refugiados que está a levar a Alemanha aos limites das suas capacidades”, acusou Sigmar Gabriel, acrescentando que o problema "não é em primeiro lugar o número de refugiados, mas a rapidez a que estão a chegar".

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados alertou que se os vários países da UE impuserem diferentes medidas de controlo fronteiriças os refugiados podem ficar “num limbo legal.”

Mas o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, cujo discurso tem sido todo virado para a protecção das fronteiras europeias, expressou a sua “solidariedade” com Berlim: “Compreendemos a decisão da Alemanha”, disse ao jornal Bild. Afirmou ainda que este deve ser apenas um primeiro passo, pois as fronteiras da Grécia precisam de ser “protegidas” o mais rapidamente possível.

Recorde-se que, por questões de segurança, em 2004, Portugal suspendeu os acordos de Shengen durante o período de realização do Rock in Rio e do Euro 2004, em Lisboa, repondo as fronteiras terrestre e aérea. A decisão foi tomada na sequência dos atentados terroristas de 11 de Março em Madrid, que mataram 201 pessoas e feriram mais de 1500.

Divididos em Bruxelas
A suspensão dos acordos de Shengen e da circulação ferroviária com a Áustria, retomada parcialmente nesta segunda-feira, é um grito de alerta, a marcar a reunião extraordinária, agendada para esta segunda-feira, dos ministros dos Interior dos Vinte e Oito, em Bruxelas. Vão debater o agravamento da crise dos refugiados do Médio Oriente e o plano de emergência para distribuir 120 mil requerentes de asilo que agora estão na Itália, Grécia e Hungria – as principais portas de entrada desde afluxo anormal – e também a criação de um mecanismo permanente de relocalização para futuras situações de crise.

Embora ainda não haja uma confirmação oficial, este sistema de quotas obrigatório atribuiria cerca de 3000 refugiados a Portugal, a que se juntariam os cerca de 1700 que Lisboa já aceitou receber, em Julho, ao abrigo de um sistema semelhante, mas de participação voluntária.

Só que as previsões para esta cimeira ministerial são tudo menos optimistas. A Eslováquia promete vetar qualquer sistema de distribuição por quotas que seja obrigatório.  À partida, este plano apresentado pelo presidente da Comissão Europa, Jean-Claude Juncker, tem a oposição dos países da Europa Central – além da Eslováquia, a Hungria, República Checa, Polónia e Roménia, com os Bálticos a sentirem-se também desconfortáveis.

O sistema proposto por Juncker é inspirado no que a Alemanha usa para distribuir os refugiados pelos estados federados alemães e, na verdade, não suscita grande entusiasmo em nenhum dos outros países da UE. Paris apoia-o, porque o Governo francês fez questão de se solidarizar com a Alemanha, assumindo uma posição moral, e a Itália, que tem assumido grande parte dos problemas de ser um dos maiores pontos de entrada dos migrantes, com pouco apoio do resto dos membros da UE, também.

“As quotas não vão funcionar. Quem pede asilo na Europa, não o pede na Hungria, na Eslováquia, na Roménia, ou na República Checa mas sim na Alemanha ou na Suécia, porque é onde querem viver”, critica o primeiro-ministro checo, Bohuslav Sobotka.

Mas, nestes países, vinga ainda uma posição xenofóba de rejeição destes refugiados porque são, esmagadoramente, muçulmanos. No sábado, enquanto em muitas cidades da Europa se realizaram manifestações pedindo aos governos que façam mais pelos refugiados, em Varsóvia, por exemplo, foram maiores as concentrações contra eles, em que se viam cartazes com dizeres como “O Islão é a morte da Europa.”

A verdade, no entanto, é que os números propostos pela Comissão Europeia são uma gota de água, quando este ano já chegaram à Europa mais de 400 mil refugiados, pelo menos metade dos quais sírios, e a interminável guerra na Síria já obrigou um milhão de pessoas a fugir das suas casas este ano e deve obrigar outro milhão a fazer o mesmo até ao fim de 2015, afirmou Yacoub el-Hillo, o coordenador humanitário para a Síria das Nações Unidas. Há 7,6 milhões de deslocados internos e quatro milhões que procuraram refúgio da guerra no estrangeiro.

Os países vizinhos, como a Jordânia e a Turquia, que até agora absorveram a maioria dos refugiados sírios, chegaram a um ponto de ruptura, pelo número de pessoas que acolheram e pela falta de ajuda internacional: “O Programa Alimentar Mundial deixa de ter um dólar que seja para alimentar cinco milhões de sírios que estão deslocados dentro do seu país a partir de Novembro”, explicou Hillo, citado pela Reuters. “A Europa ainda pode tentar ajudar as pessoas que estão na Síria. Senão, este interminável comboio humano vai continuar para todas as direcções, incluindo a Europa”, afirmou.

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