Entre o “all you need is love” e o Portugal “contra a invasão”

Entre quem assistiu às manifestações a favor e contra a vinda de refugiados houve quem comentasse: “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria.”

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Manifestação em apoio dos refugiados terá juntado mil pessoas em Lisboa Enric Vives-Rubio
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Os quatro operários reformados dos estaleiros navais da Lisnave, confessos “homens de esquerda”, estão sentados num dos bancos de jardim da Avenida da Liberdade a ver passar a manifestação a favor da vinda dos refugiados para Portugal, que segundo a PSP chegou às cerca de mil pessoas. Separada da primeira por um bom meio quilómetro, vêem chegar a segunda manifestação, umas cerca de 40 pessoas, do partido de extrema direita Partido Nacional Renovador (PNR), “gente que não interessa a ninguém”, sentencia um deles.

Sobre a situação dos refugiados comentam, à vez: “Coitados, fugiram da guerra”, “tenho pena deles”. Rui Rodrigues, de 65 anos, conta que quando viu a fotografia do menino sírio afogado ficou chocado. "Quase não consegui jantar", diz. "A minha filha até chorou”. Mas quanto à vinda de refugiados, dos 1500 de que se falou no início, ou dos três mil que agora se aponta, não têm dúvidas: “Primeiro ajudávamos os nossos”, diz José António da Silva, de 68 anos. “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria, pessoas com cursos superiores a ganharem 200 euros. Os refugiados que vão para a França,  para a Suécia, para a América.”

Num banco mais abaixo, um casal assiste à mesma manifestação a discutir um com o outro. São casados, são pequenos empresários em Santarém. José Luís Latoeiro, 69 anos, fala dos retornados das ex-colónias e das tensões que causaram na sociedade portuguesa de então, lembrando que “todos acabaram por se encaixar”. A mulher, Isabel Malaquias, 55 anos, tem mais receio, e diz que, mesmo sendo a favor do acolhimento, lembra que “a situação do país é muito complicada, é muito complicado tê-los todos cá”. O marido percebe o que ela quer dizer. “Com o desemprego… pode conduzir a um racismo terrível, penetra na ignorância”, teme. “Não é por falta de coração”, completa Isabel.

Já dentro das duas manifestações, as posições estão perfeitamente definidas. Há consensos. No longo mar de gente que começou no Marquês do Pombal, e foi descendo até ao Terreiro do Paço estão sobretudo jovens e empunham-se cartazes categóricos, sem nuances:all you need is love” e “welcome home”, “ninguém escolhe ser refugiado”. A manifestação foi convocada nas redes sociais por um "movimento de cidadãos", no Dia Europeu de Acção aos Refugiados, e levou este sábado às ruas de várias cidades europeias milhares de pessoas.

Na pequena manifestação de extrema-direita esvoaçam três bandeiras de Portugal e quatro do PNR, canta-se o hino nacional e grita-se “ontem, hoje e sempre Portugal independente”. Maria Leonor Figueiroa Rego, reformada de 59 anos, militante deste partido há um ano, diz que veio mostrar-se “contra a invasão do Islão muçulmano”, lembrando que, no país, “temos pessoas que são despejadas das casas, que se suicidam”. “Primeiro matamos a fome aos nossos filhos, depois aos filhos dos outros. Isso não é racismo”, grita um irado jovem de camisa preta.

Gustavo Sousa, 19 anos, estudante de Belas Artes, piercing no nariz, veio com uma amiga que prefere não ser identificada, podia chamar-se Matilde. Partilham valores, ideias com o que os rodeiam ali na rua. Mas isso é o que se mostra abertamente. O que tem surpreendido Gustavo é ver em algumas pessoas da sua geração, do círculo de amigos, "pessoas que eu achava que conhecia, tendências xenófobas”. “É a situação que nos define”, diz Matilde, “é quando nos toca a nós. Quando os problemas são reais as coisas vêm ao de cima”.

Leonor Rodrigues, 54 anos, está com a filha. É das poucas pessoas da sua geração que vieram apoiar a vinda de refugiados. Diz que na sua vida há um antes e um depois da fotografia do menino sírio, Aylan Kurdi. “Aquela fotografia vai ficar. Eles não têm alternativa.”

Leonor lembra-se de outros que não tiveram escolha, dos “chamados retornados”, dos dias e dias que passaram a dormir no aeroporto de Lisboa e de, nessa altura, ela lhes ter ido lá levar comida e roupa. “São casos muito parecidos. As pessoas que hão-de chegar não têm alternativas. Como é que não as podemos receber?”. Portugal está em crise, sim, “mas são coisas diferentes”. Leonor Rodrigues não tem dúvida de que a manifestação onde ela está inserida é representativa do sentir dos portugueses, acredita que os que seguem atrás são “uma pequena minoria”. “Somos um povo super-humano.”

 

 
 

   

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