Pais e professores não estão preparados para a dislexia

Troca sistemática de letras e leitura esforçada podem levar uma criança a ser injustamente rotulada na escola. Contudo, estes são sinais característicos da dislexia, uma dificuldade específica da aprendizagem para a qual pais e professores não estão preparados. O desempenho escolar de um menino disléxico presta-se a ser confundido com preguiça e falta de atenção, sobretudo porque no universo escolar português escasseia informação sobre esta perturbação específica da leitura e escrita.

Da capacidade dos professores para identificar o problema depende em grande medida um diagnóstico atempado, que deve ocorrer no segundo ou terceiro ano de escolaridade. Psicólogos e técnicos de educação especial são os profissionais mais habilitados a lidar com a dislexia. No entanto, nesta matéria a oferta no país é reduzida. Os especialistas que existem não têm mãos a medir. A avaliação de um caso é uma tarefa complexa, já que a dislexia não se revela num padrão único.

No plano científico, esta dificuldade é objecto de abordagens muito distintas, o que agrava a insegurança de pais e educadores. Sucede frequentemente que os adultos preocupados em ajudar uma criança se questionem sobre quais os passos a dar e a quem devem dirigir-se.

Filomena Pereira é coordenadora do Núcleo de Orientação Educativa e de Educação Especial do Departamento de Educação Básica do Ministério da Educação (ME). Em seu entender, o enquadramento da dislexia a nível oficial não tem sido aperfeiçoado porque a comunidade científica não consegue alcançar um consenso. "Não existe sequer uma definição da dislexia assumida e aceite por todos", sublinha. "Enquanto os especialistas não se entenderem entre si, o ME tem que ser cauteloso".

A experiência ensinou-lhe que a dislexia tende também a ser usada para justificar vários problemas que às vezes nem passam pelo aluno, mas sim pelo professor. "É preciso abandonar o paradigma segundo o qual, sempre que uma criança não tem sucesso, é nela que reside o 'defeito'. Grande parte das dificuldades de aprendizagem têm origem no contexto da sala de aula", defende a responsável do ME. De qualquer modo, Filomena Pereira garante que, uma vez assinalada uma suspeita de dislexia, o ministério acciona os meios possíveis.

Direito a turmas pequenas

A coordenadora nacional de Educação Especial da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Isabel Teresa Palha, não tem qualquer dúvida de que a dislexia precisa, não só de um maior investimento por parte do ME, mas também de um movimento com força na sociedade civil. "Nunca houve uma acção concertada nesta área", sublinha. Até ao surgimento da escolaridade obrigatória, o problema passava despercebido, porque as crianças disléxicas entravam no rol dos meninos que "não davam para estudar". Agora o assunto emergiu, mas de uma forma geral a comunidade educativa não tem formação para intervir, assume.

Na perspectiva de Teresa Palha, "como as crianças disléxicas são em tudo normais, acaba por não haver respeito pela sua dificuldade". Esses meninos vêem assim a sua escolaridade limitada de forma injusta. A ortografia, a leitura e a matemática são por norma os domínios em que a dislexia se torna mais visível. É também frequente um grande esforço em enumerar sequências, como as letras do alfabeto ou os meses do ano. O cenário completa-se com problemas de auto-estima, quando a criança toma consciência de que se esforça mais do que os colegas, mas obtém resultados inferiores.

Ao abrigo da legislação sobre Necessidades Educativas Especiais, uma criança "reconhecida" como disléxica tem direito, pelo menos, à inserção numa turma com um número reduzido de alunos e meia hora adicional para realização dos testes. De acordo com Vítor da Fonseca, presidente da Associação Portuguesa de Dislexia, um passo crucial seria dado se a formação dos professores contemplasse uma maior sensibilização relativamente a este assunto.

Acresce que em Portugal não há qualquer entidade oficial que centralize a informação e o apoio às crianças disléxicas. Muitos pais acabam por assumir sozinhos as consultas aos especialistas, que não são comparticipadas pela maioria dos sistemas de Segurança Social. Uma vez acompanhadas, estas crianças registam francas melhorias, frisa Vítor da Fonseca, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana.

Acredita-se hoje que a dislexia é uma perturbação associada a uma forma de pensamento conceptual que escapa à "norma", mas sabe-se ainda pouco sobre a sua origem e causas. A chamada "consciência fonológica" (que permite associar os sons da fala aos símbolos escritos convencionados) está fragilizada mas, em contrapartida, podem existir capacidades especialmente desenvolvidas. Daí o papel fundamental da escola, na perspectiva de Vítor da Fonseca: "Conhecer o estilo cognitivo de cada criança é a única forma de cumprir uma educação verdadeiramente inclusiva". Filomena Pereira pronuncia-se no mesmo sentido. "Cada aluno aprende de forma diferente do outro. Mas muitos professores ainda tendem a ensinar todos como se fossem um só".

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