Exército da Hungria ensaia acção decisiva contra refugiados

Mesmo com arame farpado, entram refugiados em número recorde na Hungria. Governo envia milhares de soldados para a fronteira até ao final do mês.

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Imagens de refugiados que conseguiram ultrapassar a barreira de arame farpado à entrada para a Hungria Attila Kisbenedek/AFP

Os muros húngaros toldam a imagem europeia que Jean-Claude Juncker tentou transmitir na quarta-feira. A de uma região solidária que enfim se prepara para acolher e distribuir pelo menos uma parte das centenas de milhares de pessoas fugidas da pobreza, fome, perseguição e guerra, que arriscam a vida para chegar às suas terras. Um “farol de esperança e refúgio da estabilidade”, nas palavras do presidente da Comissão Europeia. Horas depois do seu discurso em Bruxelas, a Hungria respondia enviando o seu exército para junto da fronteira com a Sérvia para exercícios militares.

Os ensaios prosseguiam ainda nesta quinta-feira. Preparam os novos planos do Governo nacionalista do primeiro-ministro húngaro Viktor Órban: enviar até ao final do mês entre 3000 e 4000 militares para a fronteira com a Sérvia, para patrulhar e deter os refugiados que por lá tentam chegar aos países mais ricos da Europa. A operação chama-se Acção Decisiva.

“As forças de defesa têm de ajudar quando a nossa pátria mãe está em apuros”, disse nesta quinta-feira o novo ministro da Defesa húngaro, István Simicskó, há apenas um dia no cargo. O seu antecessor demitiu-se no início da semana porque Viktor Órban estava insatisfeito com a lenta construção de um segundo muro para a fronteira Sul do país, por onde já passaram mais de 170 mil pessoas desde o início do ano.

O Governo húngaro espera que a nova barreira, esta com quatro metros de altura e 175 quilómetros de comprimento, faça mais para impedir a passagem de refugiados do que a estrutura de arame farpado que já está instalada. A polícia nunca contou tantos refugiados a entrarem no país como na quarta-feira: foram detidas 3321 pessoas, enviadas depois em autocarros para campos de recolha e identificação. Outros conseguiram fugir, trepando ou rastejando sob o arame. Pelo menos 400 pessoas, segundo a AFP. “Campo, não!”, gritaram.

Corrente imparável
Aconteceu o mesmo ao longo de quinta-feira, sob a chuva que caía na cidade fronteiriça de Roszke, onde se montou o mais célebre campo de trânsito na Hungria. Segundo o El País, a polícia húngara está a tentar esvaziar o acampamento, enviando dezenas de autocarros com refugiados para locais no Norte do país. Centenas cruzam a fronteira a pé para a Áustria, onde chegaram quase 9000 refugiados desde terça-feira. Muitos estão “esgotados”, como escreve o diário espanhol, recebem cuidado médico e são transportados para Viena. A Áustria, tal como Hungria e Alemanha, escolheu ignorar o Regulamento de Dublin, que exige que os refugiado façam o pedido de asilo no primeiro ponto de entrada na União Europeia.

A forte corrente de pessoas continuará, embora seja já incomportável para algumas zonas de trânsito. Os transportes ferroviários entre Viena e Budapeste foram interrompiedos outra vez nesta quinta-feira, dada a quantidade de pessoas que chegam da Hungria: 4000, só nesta quinta-feira. O facto de serem transportados para Viena faz com que as estações de comboio da capital tenham ficado sobrelotadas, já que muitos escolhem acampar lá para chegarem depois à Alemanha. A resposta foi interromper as viagens de Budapeste pelo menos até ao final do dia..

Basta olhar para Sul para ver o que se espera a seguir. A Grécia concluiu o registo de mais de 17 mil refugiados só nos últimos dias. Muitos passam pela sobrelotada ilha de Lesbos, para onde o Governo grego enviou nesta quinta-feira reforços de funcionários e ferries. Durante a manhã, já cerca de 7000 pessoas esperavam na vila Idomeni, junto à fronteira com a Macedónia, por comboios e autocarros que os levassem para Norte. Segue-se, habitualmente, Sérvia, Hungria, Áustria e só então Alemanha, o destino preferido da maioria.

Conto de duas Europas
A Europa está numa fase decisiva. Na segunda-feira há reunião dos ministros europeus do Interior. Discutirão a nova proposta de Juncker, que, para além dos 40 mil refugiados que propôs acolher em Maio, quer agora mais 120 mil, distribuídos pelos Vinte e Oito através de um sistema de quotas obrigatórias . Os líderes europeus reúnem-se terça e quarta-feira, com os mesmos temas sobre a mesa. Só se decidirá sobre novas regras de asilo na Europa no início do próximo ano.

Parecem haver já divisões insanáveis e nada indica que mesmo as novas quotas de Juncker sejam aprovadas. Mesmo que as organizações humanitárias apelem a que se concedam ainda mais autorizações e a Alemanha já tenha vastamente ultrapassado a sua quota. O vice-chanceler anunciou esta semana que já foram registados 450 mil refugiados desde Janeiro, 73 mil nos primeiros oito dias de Setembro. Berlim espera chegar às 800 mil autorizações de asilo até ao final do ano.

Para além das posturas antimigração da Eslováquia, Hungria e República Checa - que serão de novo discutidas esta sexta-feira, numa reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo e Alemanha -, ouvem-se vozes poderosas em outros pontos da Europa. Nicolas Sarkozy, ex-Presidente francês e previsível candidato às eleições de 2017, defendeu o fim do espaço Schengen e propôs que se construíssem centros de acolhimento a refugiados fora da Europa.

Mas a maior ameaça ao trânsito de refugiados continua a estar na Hungria. E tudo se agravará na terça-feira, dia em que entra em vigor uma nova lei de fronteira que, embora ninguém saiba ao certo como funcionará, é uma peça fundamental para a promessa de Viktor Órban em cortar para zero o número de refugiados e migrantes que entrem na Hungria. Trata-se de zonas de trânsito “semelhantes às de um aeroporto”, segundo a visão do Governo, que permitirão que a polícia opere em território húngaro que, legalmente, passa a ser considerado um espaço internacional, o que, em teoria, pode facilitar a deportação de quem chegue irregularmente à Hungria. 

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