Jorge Ferreira de Vasconcelos, um português que todos deviam conhecer

Sabe quem é Jorge Ferreira de Vasconcelos? Hoje, na Biblioteca Nacional, pode ficar a saber. Às 18h30, numa conferência de acesso livre.

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Silvina Pereira dedicou-se à obra de Jorge Ferreira de Vasconcelos Rita Silva

Já teve direito a um colóquio internacional, em Maio passado, na Fundação Gulbenkian, e é hoje objecto de uma conferência na Biblioteca Nacional, em Lisboa, onde continua até dia 11 de Setembro uma exposição sobre a importância da sua obra.

Mas o nome de Jorge Ferreira de Vasconcelos continua a dizer pouco ou nada à esmagadora maioria dos portugueses. A tal ponto que, um dia, um jornalista perguntou a Silvina Pereira, investigadora e directora teatral que se especializou na sua obra, se podia falar com ele. Poder podia, se tivesse nascido quinhentos anos antes. Mas como “falar” hoje com um autor quinhentista, contemporâneo de Camões e Bernardim? Foi nesse dia, perante tal pergunta, que Silvina Pereira decidiu que era preciso agir. E lançou-se a estudar Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515/1524?-1585), fazendo dele a sua tese de doutoramento.

Mas houve um tempo em que a própria Silvina (directora artística do Teatro Maizum) desconhecia tal personagem. Em 1994, quando se dirigiu a Vasco Graça Moura para pôr em cena a Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, ele perguntou-lhe se não queria antes encenar a Comedia Eufrosina de Jorge Ferreira de Vasconcelos. “Eu disse: o que é isso? Não sabia o que era. Mas numa conversa com o [cineasta] Paulo Rocha, ele disse-me que tinha uma edição do Eugenio Asensio e podia emprestar-ma. Comecei a lê-la e, como a letra era muito miudinha, fotocopiei, ampliei e fui sublinhando a amarelo, como faço sempre nas coisas de que gosto. E pouco não-sublinhado foi havendo.” Isto numa primeira leitura. Mas o texto (traduzido em castelhano) era longo e a dada altura ela achou que “não percebia patavina”. Até que teve uma epifania. “Numa madrugada, às 6 da amanhã, acabei de ler a última cena do quinto acto, e percebi que aquilo era um diamante. E era para mim.” Escreveu a Vasco Graça Moura a dizer que aceitava.

E a peça foi estreada em 1995, pelo Teatro Maizum, com uma adaptação. Seguir-se-ia outra obra do mesmo autor, a Comedia Ulysippo, em 1997. “Os clássicos têm o seu grau de dificuldade e a obra de Vasconcelos é uma obra erudita, mas entroncada numa sabedoria popular. E essa parte só se torna mais visível quando é posta em cena. Estávamos a ver os nossos avós, os nossos portugueses, a nossa história, as nossas angústias, no palco”.

Mas uma terceira tentativa não teve idêntica sorte. A Comedia Aulegrafia, a terceira que planeava encenar, não colheu apoios suficientes. “A tal ponto isso se tornou cansativo que, quando um jornalista me perguntou, no Dona Maria II, se podia falar com o Jorge Ferreira de Vasconcelos, eu disse ‘Meu Deus!’ e decidi abordar isto de outra maneira. Sempre achei estranho que a uma obra tão espectacularmente boa, tão forte, um autor tão interessante, correspondesse um desconhecimento que se tornou lugar-comum.”

O novo caminho foi doutorar-se, tendo por objecto este homem e esta obra. Sete anos durou tal processo, entre 2003 e 2010. “Deve dizer que me esqueci um bocadinho do mundo.” A paixão com que se entregou ao trabalho deu-lhe, além do doutoramento (a tese, volumosa, terá um dia edição), motivos para incentivar as comemorações do V centenário de Jorge Ferreira de Vasconcelos, do colóquio à exposição (que terá hoje visita guiada, às 17h) e a conferência que proferirá às 18h30 (com entrada livre) e no fim da qual será feita uma leitura encenada de alguns excertos da Comedia Aulegrafia.

Na base de tudo isto, a história de um autor português do Renascimento que em Espanha tem tido maior eco do que em Portugal ("Lope de Vega era seu grande admirador") e que talvez agora, com as comemorações do V centenário a estenderem-se por 2016, ganhe o devido relevo.

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